CARMO
GALLO NETTO
A
contaminação de águas naturais é um dos grandes problemas
das sociedades modernas. As cerca de 30 mil empresas têxteis
do Brasil, entre fiações, tecelagens, malharias, estamparias,
tinturarias e confecções, liberam grandes volumes de efluentes
que, se não corretamente tratados, podem gerar sérios problemas
de contaminação ambiental.
Os efluentes têxteis são altamente coloridos devido à presença
de corantes que não se fixam nas fibras durante o processo
de tingimento. As características desses efluentes dependem
da tecnologia e dos processos industriais utilizados e também
da natureza das fibras e dos produtos químicos empregados.
Em geral, estima-se que aproximadamente 20% da carga de
corantes se perde entre os resíduos de tingimento, o que
representa um dos grandes problemas ambientais enfrentados
pelo setor têxtil.
No Brasil a indústria têxtil desempenha importante papel
na economia e se situa entre os oito mais importantes setores
da atividade industrial, ocupando os primeiros lugares em
empregos diretos e em faturamento. Além de utilizarem grandes
quantidades de água, apresentam baixo aproveitamento dos
insumos – corantes, detergentes, engomantes, amaciantes
etc – o que as faz responsáveis pela geração de grandes
volumes de resíduos com elevada carga geralmente orgânica
e forte coloração. Hoje se sabe que são vendidos entre corantes
e pigmentos mais de oito mil compostos diferentes, o que
certamente dificulta o tratamento dos efluentes.
A química Andrea Sales de Oliveira Moscofian sintetizou
material nano estruturado com o objetivo de remover corantes
utilizados pelo segmento têxtil liberados em seus efluentes.
Trata-se de uma espécie de talco sintético modificado, com
o qual conseguiu remover em laboratório mais de 93% de corantes
presentes em amostra real de efluente colhida em indústria
de Americana. O trabalho, desenvolvido no Laboratório de
Termoquímica de Materiais e orientado pelo professor Claudio
Airoldi, mostrou-se com grande potencial para aplicação
industrial.
Hoje existem vários métodos para remoção de poluentes de
efluentes, que podem ser divididos em biológicos, físicos
e químicos, todos apresentando vantagens e desvantagens
e é o custo que acaba orientando a escolha. O método estudado
pela pesquisadora baseia-se na adsorção, que corresponde
à incorporação de uma espécie, o adsorvato, sobre a uma
superfície que tem a função adsorvente.
O objetivo do trabalho foi obter materiais organofuncionalizados
com superfície carregada positivamente, visando à interação
com corantes aniônicos, ou seja, com carga negativa, presentes
em efluentes de indústrias têxteis. Para tanto, Andrea,
primeiro, obteve os filossilicatos de magnésio e as sílicas
mesoporoas contendo os grupos funcionais desejados para
atuarem como adsorventes; segundo, explorou a capacidade
de sorção dos materiais sintetizados frente aos corantes
aniônicos selecionados; terceiro, testou o desempenho dos
materiais adsorventes no tratamento de amostras de efluentes
têxteis reais.
Ao final de seu doutorado, Andrea concluiu que o material
selecionado se mostrou, quando testado em efluentes reais,
um bom adsorvente para os corantes têxteis usualmente empregados,
utilizado tanto em meio neutro (pH 7) como até em meios
fortemente básicos praticamente com a mesma eficiência,
sem necessidade de ajuste de pH, o que simplifica etapas
e torna o processo mais econômico. Mais ainda: o material
adsorvente é sintetizado em uma única etapa, em condições
de aquecimento muito brandas, em tempo reduzido, fatores
que minimizam operações e custos.
Os testes com amostras de efluente real apontam o processo
promissor para emprego industrial, embora precise ainda
ser submetido a uma escala-piloto que permitirá determinar
sua real viabilidade prática e econômica. Caberão ainda
estudos sobre a recuperação e reutilização do material empregado
no processo.
A pesquisa
Andrea Moscofian tinha acumulado experiência com extração
de metais pesados de efluentes industriais, durante o mestrado,
também desenvolvido no laboratório chefiado pelo professor
Claudio Airoldi, que se dedica há longo tempo a essa linha
de pesquisa. Devido à proximidade do parque têxtil de Americana,
resolveram desenvolver estudo com materiais que já utilizavam,
agora com vistas à extração de corantes liberados por essas
indústrias.
Para tanto, a pesquisadora elegeu três corantes aniônicos
das cores vermelho, azul e amarelo – pertencentes à classe
dos chamados corantes reativos – mais utilizados na indústria
têxtil, e modificou materiais que já vinha utilizando em
laboratório, adicionando-lhes moléculas capazes de reagir
com eles.
O material obtido é constituído essencialmente por superfícies
inorgânicas lamelares, entre as quais se ancoram moléculas
funcionalizadas que conferem à estrutura grande estabilidade
e funcionalidade ao composto organomodificado obtido. Com
modificações na natureza da substância ancorada, a pesquisadora
conseguiu vários tipos de derivados do talco com o objetivo
de testar a eficiência de cada um deles quanto à capacidade
de sorção.
O talco modificado é sintetizado em uma única etapa em
que se misturam nitrato de magnésio, constituinte básico
do talco natural, a molécula modificadora, álcool etílico
como solvente e hidróxido de sódio para acerto do pH. Sob
agitação e condições brandas de temperatura são obtidos
os materiais insolúveis, nas formas de pós brancos e separáveis
por filtração.
Os talcos assim obtidos foram aplicados em suspensão aquosa
às amostras isoladas dos três corantes estudados e igualmente
às amostras reais colhidas em efluente de indústria têxtil
de Americana. Nos testes foram usadas massas de 20 mg de
talco e soluções de 6 cm3 de soluções de diferentes concentrações
de corantes, misturando e agitando o sistema durante um
certo tempo.
A autora considera que o processo apresentou “eficiência
acima da esperada” porque no efluente real não havia apenas
corantes reativos, mas diversos corantes pertencentes a
outras classes, além de soda cáustica e variados produtos,
do que resultava uma amostra preta. Após o tratamento, a
solução se mostrou praticamente incolor, evidenciando que
o processo é eficaz para outros corantes presentes no efluente.