VANESSA
SENSATO
Pesquisadoras
da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp
desenvolveram um novo processo para a obtenção de um extrato
concentrado de própolis verde, resultando em um produto
com mais flavonóides e compostos fenólicos do que os extratos
convencionais. A professora Miriam Hubinger coordenou a
pesquisa realizada no âmbito do mestrado da engenheira de
alimentos Beatriz Mello, formada na Unicamp. O resultado,
inédito, levou a um depósito de patente junto ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI) realizado pela
Agência de Inovação Inova Unicamp.
O processo utilizado é o de nanofiltração a partir de membranas.
“Sabíamos que a própolis é um produto muito rico em propriedades
medicinais. Aliado a isso conhecíamos a tecnologia de concentração
por membranas, um processo novo, mas que já é utilizado
amplamente em outras áreas. Pensamos então em aliar a tecnologia
de membranas a este produto, que é muito rico, e tentar
obter um produto de qualidade ainda melhor”, explica Beatriz.
Como resultado, obteve-se um produto concentrado rico em
compostos funcionais com ampla aplicabilidade para as indústrias
de nutrição, alimentos, farmacêutica e de saúde e cosméticos.
A engenheira comenta que atualmente o produto mais encontrado
advindo da própolis é o extrato alcoólico, que apresenta
algumas restrições em função da presença do álcool na substância.
“Dependendo da aplicação, pode ocorrer alguma reação e isso
não é desejável. Então, a idéia foi retirar este solvente
para que o extrato pudesse ser aplicado em mais áreas”,
coloca.
No trabalho foram usadas duas substâncias como solvente
– água e álcool.
Os extratos de própolis usados apresentaram 20% de própolis
e 80% de solvente, que, de acordo com as pesquisadoras,
é a concentração mais usada pelas indústrias que produzem
este tipo de material. Depois de pronto o extrato, as pesquisadoras
o passam pelo processo de membrana para manter somente os
compostos que interessavam. Com um tanque de alimentação,
a solução foi enviada sob pressão através da tubulação
para passar pela membrana. O processo é chamado de filtração
tangencial, porque ele trabalha em corrente com a membrana.
Esta parte experimental do desenvolvimento foi realizada
na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis.
Beatriz explica que este processo apresenta algumas vantagens,
entre os quais menor entupimento, aumento de vazão e maior
área de permeação. “Quando esta solução passa pela membrana,
os compostos de interesse são retidos. O que continua na
solução volta para o tanque e isso é recirculado até que
o fator de concentração desejado seja atingido”, coloca.
No caso da pesquisa, o objetivo era obter um produto concentrado
em quatro vezes. Mas a pesquisadora afirma que, por meio
do processo utilizado, é possível concentrar mais vezes,
de acordo com o interesse de quem o usa.
Durante o trabalho, a concentração pelo processo de nanofiltração
apontou um resultado mais positivo quando realizado com
o extrato aquoso. “Obtivemos um produto concentrado mais
rico em compostos funcionais. Qualidades tais como o ótimo
fluxo permeado aliado à remoção de grande parte de solvente
e às altas taxas de compostos funcionais obtidas tornam
este processo muito promissor para uso industrial”, avalia.
O impacto mais importante neste caso é a ampliação do escopo
de aplicação da própolis. O benefício da retirada da maior
parte do solvente desse extrato é a utilização facilitada,
principalmente por não ter desvantagens que o solvente causa
em aplicações industriais. Beatriz explica que o uso da
própolis mais utilizado atualmente, para infecções da garganta,
é fundamentado porque a própolis apresenta propriedades
anti-microbiana e anti-oxidante, mas que esta função na
indústria farmacêutica pode ser ampliada para a produção
de antibióticos, antissépticos e desinfetantes.
Ademais, as mesmas propriedades podem ter um reflexo importante
em outro tipo de indústria como a de nutrição e de alimentos
para a produção de alimentos funcionais e conservantes,
nas quais a própolis poderia substituir alguns tipos de
conservantes artificiais em alimentos. “Hoje em dia ela
não é usada com esta funcionalidade no Brasil, mas no Japão,
por exemplo, a própolis já é utilizada na indústria alimentícia
para a produção de balas e chocolates”.
Outra aplicabilidade direta seria na indústria de cosméticos
para a produção de cremes dermatológicos e outros produtos
de higiene pessoal, na qual a própolis tem atualmente o
uso restrito, pois não pode estar na forma de extrato nestes
casos, porque a adição de álcool ou água pode causar problemas
na formulação. “Trata-se de um produto que tem muitas características
funcionais. Tem as propriedades anti-oxidantes, pode ser
usado no combate ao envelhecimento, o que agrega muito valor
aos produtos hoje em dia”, disse Beatriz.
Além dos benefícios em sua aplicabilidade, as pesquisadoras
apontam que a tecnologia desenvolvida apresenta diversas
vantagens frente aos métodos tradicionais, que aplicam calor
ou maior uso de energia. Entre elas, que o processo mantém
as qualidades multifuncionais da própolis e também é altamente
eficiente. O produto final tem um nível de flavonóides de
70 mg/g, e um nível de fenóis de 100 mg/g enquanto o produto
original possui 20 mg/g de flavonóides e 36 mg/g de fenóis.
Além disso, o processo é realizado a baixas temperaturas,
o que não só reduz o consumo de energia, mas também preserva
os importantes compostos químicos.
Beatriz esclarece que os outros equipamentos utilizados
para concentração, como o processo a vácuo, são mais caros.
“Gerar vácuo é uma coisa muito dispendiosa. Em contrapartida,
um equipamento de filtração por membrana é mais barato e
pode ser usado por diversos portes de empresas, pois o módulo
de membranas pode ser desenvolvido no tamanho que a empresa
precisa, de acordo com sua capacidade de produção”. A pesquisadora
aponta que o aumento de escala também é facilitado, porque
o equipamento pode partir de uma membrana e depois anexar
outras em paralelo. Beatriz conta que o processo de membrana
começou com a filtração de água. “Na Europa toda a água
de alguns municípios é filtrada por membrana. Isso mostra
que esta aplicação pode ter uma escala muito grande, mas
também uma escala muito pequena”, relata.
Outro resultado direto da pesquisa foi o início da linha
de pesquisa na área de concentração por membranas no laboratório.
Beatriz continua trabalhando com esta linha em seu doutorado.
“Vamos focar no extrato aquoso, testando novas variáveis,
como temperatura, pressão e velocidade tangencial. Construiremos
também um modelo matemático para o fluxo do permeado”, coloca.
A coordenadora do projeto, professora Miriam, encaminhou
um pedido à Fapesp para viabilizar a ampliação do escopo
de utilização da tecnologia, como por exemplo, no extrato
do pequi. A planta, muito comum no cerrado brasileiro, também
tem muitas propriedades e, por isso, as pesquisadoras consideram
que será interessante aplicar tal tecnologia a seu extrato.
A patente depositada já está disponível para o licenciamento.
Possíveis convênios podem ser articulados junto à Agência
de Inovação Inova Unicamp. A equipe de transferência de
tecnologia da Inova Unicamp aponta que essa tecnologia está
disponível e que a equipe deve oferecê-la para empresas
que fazem processamento de extratos vegetais e naturais,
em especial, as que fornecem extrato da própolis para indústrias
farmacêuticas, de alimentos, de cuidados pessoais e de cosméticos.
“As usinas de apicultura e cooperativas são uma opção porque
já processam e comercializam o extrato da própolis bruta
para o mercado nacional e internacional”, afirma o professor
Marcelo Menossi, diretor de propriedade intelectual e desenvolvimento
de parcerias da Inova Unicamp.
Para Menossi, caso essas empresas tenham interesse em comercializar
um produto com maior valor agregado, a tecnologia demonstra
ter potencial e ser viável para tal uso. A própolis enviada
para o exterior é geralmente vendida na forma bruta, in
natura, que é a mais barata.
Beatriz concorda e explica que a operação do processo não
precisa de técnicos muito especializados. “Você coloca em
regime de operação delimitando qual a pressão mais indicada.
A própria limpeza da membrana é o que a gente chama de clean
in place – colocamos uma solução de limpeza para rodar no
próprio equipamento e a membrana fica limpa e pronta para
o próximo estágio” afirma.
O mercado para a própolis verde brasileira é promissor.
“A própolis verde do Brasil é reconhecida internacionalmente
por sua qualidade”, afirma Beatriz. Ela conta que o Japão
é um grande importador da própolis nacional porque eles
constataram que além do grande valor funcional, ela apresenta
menor contaminação por metais pesados. A consultoria alemã
Analyze & Realize aponta em um artigo sobre o mercado
global de fitoterápicos que esta área apresenta uma taxa
média de crescimento de 6,4% ao ano, atingindo US$ 83 bilhões
em 2008. 53% dessa produção é orientada para a indústria
farmacêutica, enquanto os seguimentos de alimentação funcional
e produtos de beleza têm 17% da parcela cada.