Na margem direita do rio Amazonas encontra-se
a ilha fluvial de Tupinambarana, apartada do continente por
lagos nos demais limítrofes. Nela encontra-se Parintins,
o segundo município mais populoso do estado do Amazonas,
com aproximadamente 102 mil habitantes – Manaus tem cerca
de 1, 8 milhão – e que se estende por quase seis mil km2
. Considerado um dos mais importantes pontos turísticos
da Amazônia, o município sedia em junho o Festival Folclórico
de Parintins, ocasião em que recebe mais de 100 mil visitantes.
Localizada na cidade de Parintins, a Lagoa
da Francesa é abastecida diretamente pelo rio Amazonas e
apresenta natural variação no volume de água ao longo do
ano, flutuação que determina os períodos de águas baixas
(vazante/ seca) e águas altas (enchente/cheia), obedecendo
às características da região. Na Amazônia, o período de
inundação perdura por vários meses. Quando as águas baixam,
as áreas inundadas reduzem-se a aproximadamente 20% da área
total da fase aquática, o que traz grandes implicações ecológicas.
No período de águas baixas, a lagoa desaparece por completo.
Na cheia, o fluxo de embarcações é intenso, pois a lagoa
constitui meio de locomoção para as populações ribeirinhas
e de abrigo para as embarcações. É o que mostram as fotos.
Outra característica dos rios da Amazônia
é a diversidade no tipo de águas, classificadas em três categorias:
brancas, pretas e claras, o que as tornam distintas em razão
de suas propriedades físicas, químicas e biológicas.
A Lagoa da Francesa recebe resíduos domésticos
e industriais cuja composição variada vem modificando as
características naturais de suas águas. Como os recursos
hídricos constituem sistemas dinâmicos que participam do
ciclo de sobrevivência dos seres vivos, é imperiosa sua
conservação por meio do controle da qualidade de suas águas.
Estas constatações e preocupações motivaram a pesquisa da
química Solenise Pinto Rodrigues Kimura, orientada pela
professora Meuris Gurgel Carlos da Silva, da Faculdade de
Engenharia Química (FEQ) da Unicamp.
O
trabalho deu origem à dissertação de mestrado que teve como
objetivo identificar, analisar e avaliar o efeito de fontes
antropogênicas e naturais de poluentes nas águas superficiais
da Lagoa da Francesa, comparando os principais parâmetros
de qualidade da água aos limites legais ambientais estabelecidos.
O estudo pretende fornecer informações que contribuam para
escolha e elaboração futura de um processo de remediação
ou minimização de agentes poluentes de maior relevância.
Para a professora Meuris, a pesquisa se
justifica por “estarmos no país mais rico em recursos hídricos,
em que se concentra 12% da água doce do planeta, 70% dela
disponível na maior bacia hidrográfica do planeta”. Motivou-o,
explicita ela, a ausência de tratamentos de efluentes da
Lagoa da Francesa, a preocupação de identificar possíveis
fontes poluidoras e suas descargas poluentes e analisar
parâmetros físicos, químicos e biológicos de relevância
ambiental para, a partir deles, determinar os principais
poluentes presentes, comparando-os aos limites legais, respeitadas
as características naturais das águas da região, e ainda
auxiliar na indicação de processos de tratamento mais adequados.
Com base nas possíveis e principais fontes
poluentes constituídas por cinco postos de combustíveis
flutuantes, dois locais em que desembarcam esgotos domésticos,
três estaleiros ou tilheiros, uma madeireira e um hotel,
o trabalho concentrou-se na coleta de água em quatro pontos
distintos da lagoa realizadas nos meses de fevereiro e junho
de 2010, períodos que compreendem os níveis baixos e altos
das águas, respectivamente, sazonalidade determinada pelo
regime hidrográfi co do rio Amazonas.
Foram analisados parâmetros físicos – cor
e turbidez; parâmetros físico-químicos – pH, alcalinidade,
dureza, salinidade, demanda biológica e química de oxigênio,
oxigênio dissolvido, concentrações de metais pesados (cádmio,
chumbo, cobre, níquel, cromo e zinco), carga orgânica; e
parâmetros biológicos – coliformes fecais. Comparando os
valores obtidos nos dois períodos, foi possível identificar
e avaliar as variáveis que afetam a qualidade da água com
base nos padrões legais de referência estabelecidos por
resolução de 2005 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente)
para águas de classe 3, assim consideradas aquelas que se
prestam ao abastecimento doméstico após tratamento convencional,
irrigação e dessedentação de animais.
Achados
Os dados mostram que alcalinidade, turbidez,
cor, dureza e salinidade apresentaram redução no mês de
junho, o que pode ser atribuído ao maior volume de água
no período. Os efluentes não interferiram no pH que tendeu
à neutralidade nos dois períodos. Igualmente, tanto em fevereiro
como em junho, a demanda bioquímica de oxigênio manteve-se
dentro das exigências legais.
A presença de possíveis espécies pouco biodegradáveis
evidencia-se pelo fato de o oxigênio dissolvido apresentar
valores menores no período de maiores volumes de água. Por
sua vez, a demanda química de oxigênio foi maior por ocasião
da elevação das águas.
As concentrações de metais pesados mostraram-se
variáveis entre os períodos. Entretanto, foi o parâmetro
relativo aos coliformes fecais que apresentou maior alteração
na qualidade da água, consequência das descargas dos efluentes
domésticos e das embarcações que não recebem qualquer tratamento.
Apesar da característica presença de postos de combustíveis
flutuantes, não foram identificadas a presença signifi cativa
de BTEX – benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno.
O estudo levou a pesquisadora a algumas
conclusões e sugestões. No período das cheias, a diluição
dos poluentes leva à redução signifi cativa da alcalinidade,
turbidez, cor, dureza e salinidade. O pH apresentou pequena
variação nos dois períodos, mantendo as características
do rio Amazonas. Coliformes fecais acima do limite legal
constituem o parâmetro que indicou maior alteração na qualidade
da água, o que a leva a recomendar a implantação de uma
Estação de Tratamento de Esgotos.
Chumbo e cobre foram encontrados em todas
as amostras coletadas em fevereiro, mas apresentaram redução
significativa no mês de junho, o que ela atribui a precipitações
e consequente incorporação ao solo, ocorrência preocupante
devido à toxidade dos metais e risco de contaminação do
lençol freático, o que a leva a propor pesquisa sobre a
contaminação do leito.
O cádmio por sua vez apresentou concentrações
acima dos limites legais em ambos os períodos de coleta.
O níquel apareceu nas amostras do mês de junho em concentrações
acima dos limites legais e apenas o zinco, entre os metais
pesados pesquisados, apresentou concentração sempre abaixo
dos padrões estabelecidos pelo Conama.
Apesar
da contribuição antropogênica, a lagoa mantém, ainda, sua
capacidade de diluir a maioria dos poluentes, principalmente
no período das cheias. Mas ela defende a necessidade de
adoção de medidas preventivas em curto prazo principalmente
devido ao possível crescimento populacional e consequente
aumento da demanda por produtos e serviços.
Linha de pesquisa
Engenheira química, a professora Meuris
Gurgel Carlos da Silva, que montou o Laboratório de Engenharia
Ambiental (LEA) da Faculdade de Engenharia Química (FEQ)
da Unicamp, dedica-se desde 1994 à área ambiental. Ela estuda
os efluentes líquidos principalmente industriais e trabalha
com metais pesados, compostos orgânicos – particularmente
os derivados do petróleo, corantes, resíduos hospitalares
e procura meios de estabilizar esses poluentes usando materiais
sólidos adsorventes, como argila, que retêm determinados
componentes de forma a manter a poluição dentro das normas
estabelecidas pelo Conama.
A pesquisa desenvolvida por Solenise Rodrigues
Kimura apresenta os primeiros resultados de um trabalho
conjunto da pós-graduação da FEQ com a Universidade Estadual
do Amazonas (UEA) e resulta do Programa Minter/Dinter (M
de mestrado e D de doutorado interinstitucional) mantido
pela Capes. O programa, explica a docente, tem como objetivo
reunir instituições líderes com vistas à promoção da qualificação
de pessoas de outras regiões do país de forma a contribuir
para seus desenvolvimentos.
A docente considera que o programa constitui
um caminho de via dupla em que orientadores apreendem as
realidades de outras regiões e contribuem para a difusão
do conhecimento e formação de recursos humanos qualificados,
contribuindo para o desenvolvimento do Brasil.
Os temas abordados em nível de mestrado,
doutorado e até pós-doutorado são determinados em função
dos interesses da região e professores das instituições
envolvidas ministram cursos de pós-graduação nas universidades
de origem dos participantes. O bolsista deve permanecer
na universidade para a qual foi selecionado por seis meses
(mestrado) e um ano (doutorado) para cursar disciplinas
necessárias à obtenção de créditos e encaminhamentos do
professor orientador.
Em razão dos resultados da pesquisa, Solenise
vem dando continuidade ao trabalho em nível de doutorado
sob a orientação da professora Melissa Vieira, que faz parte
do grupo de engenharia ambiental da FEQ. A nova pesquisa
tem como foco o estudo dos sedimentos e o biomonitoramento
da mesma região.
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■ Publicação
Dissertação: “Caracterização
de carga poluente na Lagoa da Francesa no município de Parintins/AM”
Autora: Solenise Pinto Rodrigues Kimura
Orientadora: Meuris Gurgel Carlos da Silva
Unidade: Faculdade de Engenharia Química
(FEQ)
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