Aconselhamento genético é importante
A
anemia falciforme é uma doença hereditária. Por este motivo,
a gestação em casais portadores do traço falciforme (em
que pouco menos da metade da hemoglobina é do tipo que
predispõe à doença, ainda que o homem ou a mulher não
a manifeste) apresenta um risco de 25% para o nascimento
de uma criança portadora de anemia falciforme. Daí a importância
de indicar aconselhamento genético antes do planejamento
de fi lhos.
A doença é provocada por uma alteração
genética na hemoglobina que leva à deformação das hemácias
(glóbulos vermelhos) dando a elas a forma de foice ou
meia-lua após a redução na quantidade de oxigênio. A hemoglobina,
molécula que dá cor vermelha ao sangue, tem a função de
transportar o oxigênio dos pulmões aos tecidos. Para poder
passar facilmente por todos os vasos sanguíneos, mesmo
os mais finos, as hemácias são arredondadas e elásticas,
mas a alteração ocorrida na hemoglobina, em pacientes
falciformes, faz com que essas células se deformem, tornando-se
mais rígidas ou endurecidas, com tendência a formar grupos
que podem fechar os pequenos vasos sanguíneos, difi cultando
a circulação do sangue. Isso pode gerar lesões em qualquer
órgão do corpo.
A detecção da anemia falciforme é feita
por meio do exame eletroforese de hemoglobina ou exame
de DNA. Fernando Costa faz questão de ressaltar que o
diagnóstico com o teste do pezinho, logo ao nascer, é
muito importante para que, desde cedo, o paciente tenha
seguimento médico adequado que inclui, entre outras medidas,
vacinação específi ca e antibiótica – terapia profi lática.
Trabalho foi sugerido por portador
da doença
O desejo de um aluno de iniciação científica
da Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp),
portador de anemia falciforme, de desenvolver novos compostos
contra a doença em sua pesquisa de graduação deu origem
a um esforço coletivo dos pesquisadores para buscar meios
para amenizar e aprimorar o tratamento de pacientes portadores
da doença. Impossibilitado de dar continuidade ao projeto
por causa da intensifi cação de crises relacionadas à doença,
o aluno teve seu projeto continuado pelas mãos desses
pesquisadores, primeiramente pelo professor da Unesp Jean
Leandro dos Santos, que dedicou sua dissertação de mestrado
ao desenvolvimento de novos compostos. O interesse e o
convite para a parceria por parte de Santos foi motivado
pelo trabalho publicado pela professora Nicola, em 2006,
sob orientação do reitor Fernando Costa, em que ela oferece
melhor compreensão do mecanismo pelo qual a hidroxiureia
atua na produção da hemoglobina fetal em pacientes tratados
com o medicamento.
Na
pesquisa, ela encontrou nas células de pacientes que faziam
uso da droga um nível alto da molécula GMPc (guanosina
monofosfato cíclica ou GMPc), cujo aumento pode contribuir
na elevação da produção de hemoglobina fetal, de acordo
com dados divulgados em 2001 por um grupo de Boston (EUA).
Segundo Carolina, a ideia de Santos era totalmente inovadora
e como no doutorado ela havia trabalhado com cultura de
células, decidiram investir na área e testar os compostos
desenvolvidos por ele.
Assim como o estudante que forçosamente
abandonou a carreira acadêmica por causa das crises, cerca
de 20 milhões de pessoas no mundo, de acordo com dados
da Organização Mundial de Saúde (OMS), que convivem com
a doença falciforme podem se benefi ciar com os resultados
promissores das pesquisas. Diante desse número, os pesquisadores
não se contentam apenas com os novos resultados e dão
prosseguimento às pesquisas. Apesar de saberem que a única
forma de curar esses pacientes é o transplante de medula,
os pesquisadores encontraram no desenvolvimento de fármacos
mais efi cientes para o tratamento a forma de desenvolver
pesquisa básica aplicada em benefício da sociedade, na
opinião de Nicola. Tanto para ela, quanto para as pesquisadoras
Camila e Carolina, o Laboratório de Hemoglobina e Genoma
é um dos que mais têm contribuído com a apresentação de
bons resultados na área de hemoglobinopatias.
Sobrevida
O transplante de medula – hoje a única
possibilidade de cura da anemia falciforme – não é um
procedimento indicado para todos os casos, além da difi
culdade em encontrar doadores compatíveis. Diante dessa
realidade, os cientistas investem em estudos que amenizem
as dores, as úlceras, as lesões crônicas de órgãos e o
abandono das atividades sociais que acompanham o paciente
falciforme durante uma vida inteira de cuidados médicos.
“É um tratamento penoso de uma doença crônica para a vida
toda, por isso temos de investir em medicamentos que melhorem
a qualidade de vida desses pacientes, evitando as complicações
causadas pela doença”, pontua Fernando Costa, especialista
na investigação das características clínicas de doenças
hereditárias dos glóbulos vermelhos e professor titular
da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) em Hematologia
e Hemoterapia.
Referência na área de estudos de hemoglobinopatias,
Fernando Costa explica que as dores intensas em momentos
de crise impedem que alguns pacientes se dediquem a suas
atividades diárias, entre elas trabalho e estudo. “Alguns
pacientes, além de numerosas outras complicações mais
graves, podem também desenvolver úlceras nas pernas, o
que pode levar a sério comprometimento do estado psicológico,
principalmente entre mulheres e adolescentes”, acrescenta.
Mais que garantir qualidade no tratamento,
as pesquisas com novas drogas sinalizam para o aumento
da sobrevida de pacientes falciformes, segundo o hematologista.
O aumento da sobrevida proporcionado pelo hidroxiureia,
por exemplo, já está descrito em alguns estudos. Mas as
pesquisas recentes relevam potenciais drogas que poderiam
ser mais efi cazes que este medicamento ou que possam ser
usadas em conjunto com ele. O hematologista acrescenta
que, em pesquisa de pós-doutorado desenvolvida por Andréia
Canali, outro medicamento, a sinvastatina, mostrou-se
eficiente em testes in vitro. Os resultados sugerem que
o medicamento foi capaz de reduzir a ativação endotelial
e por consequência a adesão de leucócitos em modelo desenvolvido
pela pesquisadora. O estudo mostra que quando as células
endoteliais foram tratadas com sinvastatina houve diminuição
na adesão de neutrófi los de pacientes com anemia falciforme
quando comparado às células não-tratadas com o fármaco.
A busca por novos medicamentos no Hemocentro
tem reunido pesquisadores de diversas partes do mundo,
segundo Fernando Costa. “Essas pesquisas com novas drogas
apresentam grandes vantagens quando desenvolvidas com
pesquisadores de várias instituições, pois cada um tem
uma informação importante a acrescentar”, declara.
E é justamente na busca de diagnosticar
e tratar as complicações das hemoglobinopatias que o Hemocentro
e o Departamento de Patologia Clínica da Faculdade de
Ciências Médicas da Unicamp mantêm uma tradição de mais
de 25 anos na investigação e no tratamento de diversas
doenças hematológicas hereditárias e adquiridas, tornando-se
referência nacional e internacional, segundo Fernando
Costa. O centro oferece atendimento e acompanhamento a
centenas de pacientes com doença falciforme e outras hemoglobinopatias
em seus ambulatórios.
A efi ciência nos resultados das pesquisas
faz com que o Hemocentro seja procurado por vários pesquisadores
para o desenvolvimento de projetos em parceria. Costa
enfatiza que o Laboratório de Hemoglobina e Genoma do
Hemocentro há muito tempo desenvolve pesquisas básicas
sobre fisiopatologia da doença, análise de novas terapias
e epidemiologia entre outros aspectos da doença em colaboração
com pesquisadores de vários estados do Brasil, entre os
quais Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte, e também
do exterior, sobretudo nos Estados Unidos e em países
da América Latina.
Na região de São Paulo aproximadamente
um em cada 4 mil recém-nascidos é portador de doença falciforme.
Na região da Bahia, segundo dados do Ministério da Saúde,
a proporção é maior, um para cada 650 recém-nascidos.
A doença, originária da África, tem grande ocorrência
em países onde houve a imigração forçada de populações
africanas.
■ Publicações
Inhibition of phosphodiesterase
9A reduces cytokine-stimulated in vitro
adhesion of neutrophils from sickle cell anemia individuals.
Miguel LI, Almeida CB, Traina F, Canalli AA, Dominical
VM, Saad ST, Costa FF,
Conran N. Infl amm Res. 60(7): 633-42, Jul. 2011.
Participation of Mac-1, LFA-1
and VLA-4 integrins in the in vitro adhesion
of sickle cell disease neutrophils to endothelial layers,
and reversal of
adhesion by simvastatin.
Canalli AA, Proença RF, Franco-Penteado CF, Traina F,
Sakamoto TM, Saad ST,
Conran N, Costa FF. Haematologica. 96(4): 526-33, Apr.
2011.
Design, Synthesis, and Pharmacological Evaluation
of Novel Hybrid Com-
pounds To Treat Sickle Cell Disease Symptoms.
Dos Santos JL, Lanaro C, Lima LM, Gambero S, Franco-Penteado
CF, Alexandre-Moreira MS, Wade M, Yerigenahally S, Kutlar
A, Meiler SE, Costa FF, Chung M. Journal Medicinal Chemistry
- Julho 2011. (in press).
Tese de doutorado: “Papel dos leucócitos na fi
siopatologia da anemia falciforme”
Autora: Camila Almeida
Orientadora: Nicola Conran Zorzetto
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas
(FCM)
Financiamento: Fapesp
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