Técnica ‘vitamina’ iogurte
Microencapsulação permite veiculação
de
microrganismos probióticos no produto já batido
A veiculação de microrganismos probióticos como Lactobacilus
acidophilus em iogurte batido, por meio de microencapsulação,
se mostrou uma alternativa para melhorar a estabilidade do
produto durante 35 dias de armazenamento refrigerado. A microencapsulação,
conforme pesquisa de mestrado desenvolvida há pouco na Faculdade
de Engenharia de Alimentos (FEA), serve para proteger esses
microrganismos, principalmente ao longo da sua passagem pelo
trato gastrointestinal, o qual demonstra uma grande chance
de afetar a sua viabilidade. Mas a autora da dissertação,
a engenheira de alimentos Maria Cecília Enes Ribeiro, orientada
pela professora da faculdade Mirna Lúcia Gigante, conta que
no projeto conseguiu não somente otimizar as características
físico-químicas e sensoriais do processo bem como comprovar
a viabilidade do probiótico no trato gastrointestinal após
a ingestão do produto, isso já no final da vida de prateleira.
A microencapsulação teve
o papel de minimizar a pós-acidificação do produto, que é
considerado um defeito no iogurte, mantendo uma maior viabilidade
do microrganismo probiótico microencapsulado quando comparado
ao microrganismo livre durante a simulação do teste gastrointestinal.
Os probióticos são microrganismos
que conferem benefícios à saúde, quando empregados de maneira
adequada. A ideia é que sejam ingeridos e resistam à passagem
pelo trato gastrointestinal, podendo colonizar no intestino
e aí trazer o benefício esperado. A professora Mirna salienta
que o uso de probióticos tem sido bastante estimulado, e tem
crescido a olhos vistos a sua adoção em produtos lácteos.
Ela é a responsável pela linha de pesquisa “Microencapsulação
do probiótico para aplicação em produtos lácteos”. A indústria
láctea, acentua, ocupa no país posição privilegiada.
A repercussão sobre alimentos
probióticos no mercado vem se verificando mais intensamente
nos últimos 15 anos, recorda Mirna, contudo algumas pesquisas
nessa direção dão conta de comprovar que eles são bem mais
antigos do que se pode imaginar. O pioneiro no seu estudo
foi o cientista russo Élie Metchnikoff que, em 1908, descobriu
o Lactobacillus bulgaricus. Por isso a ele coube no mesmo
ano o Prêmio Nobel de Medicina. A sua teoria já relatava o
consumo do probiótico no ano de 1800, enfatizando que ele
teria papel positivo da seleção de bactérias na longevidade
do ser humano.
No estudo, a pós-graduanda
avaliou o microrganismo encapsulado e sua inclusão em iogurte
batido estudando sua estabilidade durante o processamento,
a estocagem e o consumo. Avaliou igualmente as características
físico-químicas das microcápsulas em parâmetros como teor
de umidade e o teor de proteína e sua microestrutura, além
de avaliar a composição físico-química dos iogurtes e a sua
característica sensorial, etapa que ainda está em curso na
FEA.
A engenheira de alimentos
divide o mérito do seu trabalho com dois grupos de pesquisa,
um liderado pelo professor da FEA Carlos Raimundo Ferreira
Grosso, juntamente com o grupo da professora Mirna, que deu
luz a essa investigação. A tarefa de Carlos esteve mais ligada
a desenvolver partículas com características físico-químicas
específicas para diferentes aplicações. Segundo ele, existem
partículas que são aquossolúveis, outras que são feitas de
camadas de gordura e as do estudo que tendem a resistir em
condições de passagem pelo estômago. “Isso que a gente chama
de cápsulas pode ser associado a um pequeno envelopinho que
carrega os probióticos. Após passar pelo estômago, ele dissolve
em condições de pH variados, encontrados no intestino, liberando
os microrganismos probióticos no local, sua colonização natural”,
descreve.
Carlos
revela que essa cápsula se enquadra numa faixa de tamanho
micro, menor que as costumeiras cápsulas de medicamentos,
e que a avaliação das características sensoriais do produto
passam por um aspecto muito importante, quando o provador
tem a oportunidade de perceber, ou não, modificações de textura.
Os resultados são animadores, atesta o docente, no sentido
de que o tamanho e a sua umidade natural nesse meio estão
favorecendo a não percepção das partículas – uma direção muito
boa para essa aplicação.
No presente trabalho, essa
partícula primeiro foi feita por gelificação iônica e depois
uma coacervação complexa, com vistas a dar uma proteção adicional
a ela. Ele informa que a cápsula tem a função de proteção
pelo fato de não se dissolver em condições ácidas. Elas são
resistentes à pepsina (uma enzima digestiva produzida pelas
paredes do estômago, sendo secretada pelo suco gástrico).
“Se ela consegue se manter íntegra, consegue favorecer a proteção
do probiótico. É o que se nota”, observa o docente.
Acidificação
Durante o armazenamento refrigerado
do produto, notou-se uma viabilidade maior quando o microrganismo
probiótico foi microencapsulado em relação ao microrganismo
aplicado na forma livre (sem estar microencapsulado). Os iogurtes
com microrganismos microencapsulados foram caracterizados
com uma menor pós-acidificação. Essa pós-acidificação não
é desejável em iogurtes, uma vez que ocasiona diminuição do
pH e isso tanto pode afetar a qualidade sensorial como a manutenção
dos microrganismos. Assim sendo, o iogurte com o microrganismo
livre teve um menor pH em relação ao iogurte contendo o microrganismo
microencapsulado, compara a engenheira de alimentos.
O iogurte avaliado foi natural,
não sofrendo adição de açúcar nem de aroma, já que a proposta
era apenas sondar a viabilidade desse microrganismo. Carlos
esclarece que “o material usado para fazer as partículas,
além de ser completamente natural, não sintético, o seu processo
de fabricação é conduzido inteiramente em meio aquoso, não
empregando solventes orgânicos. Também emprega temperatura
ambiente – de modo a reproduzir as condições biológicas encontradas
no ser vivo”.
Por outro lado, tal processo
ainda não foi totalmente otimizado mas, como existe um interesse
econômico notório pelos segmentos lácteos, normalmente onde
os probióticos são adotados, as perspectivas para desenvolver
envelopes otimizados são muito atrativas, diz Carlos. “Juntamos
os esforços tanto na otimização do trabalho como na otimização
de recursos para desenvolvê-lo”, acrescenta Mirna.
Há no momento alunos estudando
a parte físico-química e as cápsulas. “Esses assuntos vão,
de certa forma, se complementando. E nós trabalhamos mais
com aplicações para introduzir o microrganismo probiótico
livre ou encapsulado em produtos. Avaliamos ainda a viabilidade
do probiótico na forma livre, em cápsulas úmidas ou secas
por liofilização (processo de secagem).”
A liofilização leva vantagens
quando confrontada com o processo convencional de secagem,
pois a estrutura do material é mantida, a umidade é removida
a baixas temperaturas, há aumento da estabilidade do produto
durante a estocagem e minimizam-se várias reações de degradação,
devido à fácil transição de material hidratado para o desidratado.
Contudo, a liofilização ainda não foi muito estudada em contraposição
aos processos convencionais.
Como secar essas cápsulas
e como manter a viabilidade do microrganismo são questões
especulativas, do ponto de vista da sua comercialização na
forma seca. O que se vê hoje são cápsulas no mercado para
diferentes aplicações, porém para iogurte encapsulado ainda
não havia nada semelhante no Brasil. O grande benefício no
caso é que ele carrega vários apelos probióticos. O maior
é que ele ajuda o trato gastrointestinal, garante Mirna, facilitando
a sua higienização.
Espera-se a possibilidade
de aplicações em iogurtes e em queijo prato, e otimização
da secagem das partículas. Enquanto isso, os alunos do professor
Carlos – Flávia Noeli de Souza e Juliana Burger Rodrigues
– estão trabalhando com a parte de estrutura da partícula,
a parte físico-química, buscando como produzir e como caracterizar
as peculiaridades de sua composição; e Grasiela Cristina Pereira
dos Santos atua como estagiária técnica do grupo.
Um melhor entendimento da
associação polissacarídeo-proteína (no caso o concentrado
proteico de soro de leite) ainda é necessário. O iogurte estudado
nesta dissertação, adicionado de partículas, evidenciou um
teor de proteínas maior que o iogurte tradicional. Mesmo não
sendo o intuito deste olhar da pesquisadora, também é difícil
deixar de mencionar que há um forte apelo nutricional, que
poderá ser explorado por algum nutricionista mais adiante.
Do grupo de Mirna, a doutoranda
Clarice Gebara Tenório afirma que o seu trabalho consistirá
em adicionar os probióticos livres e microencapsulados em
queijo prato, avaliando-os durante o armazenamento refrigerado
e a simulação do trato gastrointestinal. Já à doutoranda Karina
da Silva Chaves caberá otimizar a secagem das partículas usadas
nesse produto, isso porque se mostra como uma das necessidades
para apurar a viabilidade dos microrganismos quando essas
cápsulas são secas. Também Ana Beatriz de Sousa Campos atua
como estagiária técnica no projeto.
Mais do que tudo o que se
possa dizer, o iogurte foi o alimento mais explorado até aqui
por beneficiar o trânsito intestinal e por se constituir em
um veículo muito interessante para a inclusão de bactéria
encapsulada. Além deste, há no mercado outros produtos lácteos
probióticos, sendo um deles o queijo minas frescal. A respeito
disso, no ano passado, o lançamento do Brazil Food Trends
2020 indicou os alimentos saudáveis como um projeto de desenvolvimento
para a indústria no futuro.
■ Publicação
Dissertação de mestrado:
“Produção e caracterização de iogurte probiótico batido adicionado
de Lactobacillus acidophilus livre e encapsulado”
Autora: Maria Cecília Enes Ribeiro
Orientadora: Mirna Lúcia Gigante
Unidade: FEA
Financiamento: Fapesp
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