Pesquisa desenvolvida na Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) analisa trinta processos tramitados pelo Fórum
de Campinas reivindicando adicional por insalubridade. Decorrentes
da falta de acordo na audiência inicial entre empresa e
reclamante, 93% deles revelaram-se legítimos. Segundo o
autor do estudo, o engenheiro mecânico com especialização
em segurança do trabalho e perito judicial Eduardo Martinho
Rodrigues, a abordagem trata de ações judiciais trabalhistas
com a ideia de compreender a dinâmica das solicitações de
adicional de insalubridade.
Mais especificamente, o objetivo do trabalho
– orientado pela professora Aparecida Mari Iguti, do Departamento
de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina
(FCM) da Unicamp – foi caracterizar processos judiciais
de pedido de adicional de insalubridade quanto ao perfil
dos litigantes, aos agentes insalubres, aos aspectos periciais
e à sentença proferida. O estudo de três casos permitiu
ainda compreender a dinâmica das solicitações de adicional
de insalubridade. Entre os objetivos específicos, o pesquisador
menciona também a preocupação em situar nas demandas os
principais argumentos do perito, do juiz e sua relação com
a sentença, além de aspectos singulares que permitiram caracterizar
o enquadramento de atividades insalubres decorrentes de
uma percepção particular do perito.
O trabalho se desenvolveu em duas etapas,
uma teórica e outra de campo. Na primeira, o autor resgatou
os antecedentes que levaram à instituição do adicional de
insalubridade, em 1938, e como a partir daí se desenvolveu
a legislação que determinou a Portaria 3.214/78, em especial
a Norma Regulamentadora 15 (NR 15) que trata das Atividades
e Operações Insalubres e que se mantém praticamente inalterada
até hoje. Segundo ele, a norma é tecnicista e presume que
o perito tenha conhecimento das tecnologias, das doenças
do trabalho, exigindo interpretação cuidadosa da legislação
em relação ao ambiente periciado.
Para a atividade de campo foi solicitada
autorização ao juiz presidente desembargador do Fórum Trabalhista
de Campinas para o estudo documental exploratório de processos
judiciais. Assim foram levantados trinta processos em cinco
das doze Varas do Trabalho existentes na cidade, contemplando
a análise documental da petição inicial, da contestação,
do laudo pericial, da impugnação, dos pareceres de assistentes
técnicos, dos quesitos das partes litigantes e da sentença.
Foram examinados processos já com sentença, independentemente
do resultado, por meio de cópias xerográficas dos documentos
principais. Três estudos de casos, baseados em situações
singulares, foram selecionados dentre os trinta processos
e permitiram dissecar o histórico da demanda, os resultados
da perícia e a sentença do juiz.
Os
processos estudados revelam divergências nos laudos, pois
peritos e assistentes técnicos apresentam diferentes dados
e distintas abordagens. Para o pesquisador, as sentenças
dos juízes, embora não adstritas aos laudos, podem ser afetadas
pela qualidade das perícias. Ele atribui a qualidade dos
laudos à vivência, formação e cultura do perito. Considera
ainda que a perícia depende do próprio contexto do processo
em que diferentes atores sociais afetam as informações.
Lembra também a defasagem entre o tempo
do exercício das atividades e o da realização da pericia,
intervalo em que podem ter ocorrido alterações substanciais
nas situações de trabalho. Em suma, diz ele, os julgamentos
tendem a considerar os argumentos periciais, os laudos têm
confirmado a presença de agentes insalubres que levam ao
pagamento do adicional de insalubridade, além do que se
revelam precários controles sobre as condições de trabalho,
o que leva a persistente exposição de trabalhadores aos
agentes de risco à saúde.
Constatações
O trabalho leva o pesquisador a várias ponderações.
Considera que as demandas, que ocorrem depois que o reclamante
está fora do emprego, não seriam necessárias se tudo tivesse
sido resolvido no âmbito de empresa, evitando o grande número
de processos na justiça. Para ele, o estudo se justifica
pelo número de casos concretos vislumbrados. Em Campinas,
em 2010, ocorreram cerca de vinte mil processos trabalhistas
dos quais 5%, aproximadamente 800, reivindicam pagamentos
por insalubridade. Diante desses números ele se pergunta:
“E os trabalhadores que não fizeram demandas e principalmente
aqueles que continuam trabalhando expostos aos mesmos riscos?”.
Ele entende que as empresas postergam o pagamento do adicional
de insalubridade previsto na Constituição porque o acerto
na justiça fica mais barato. Elas contam também com a possibilidade
de o trabalhador desempregado ser levado a aceitar mais
facilmente um acordo proposto, mesmo em prejuízo dos seus
direitos.
Rodrigues considera que o bom trabalho
pericial fornece provas que influenciarão a decisão judicial
e por isso deu-lhe particular atenção. “As condições de
insalubridade e de periculosidade são aferidas por engenheiros
com especialização em segurança do trabalho e médicos do
trabalho e as perícias desenvolvidas por estes profissionais
podem contribuir para o estabelecimento do direito e da
justiça, ou seja, o direito do funcionário que não recebeu
o adicional de risco segundo o previsto na Constituição
e para que a justiça social seja conseguida”.
Para ele, a exposição à insalubridade ocorre
porque existem falhas de regulação e na atuação de importantes
órgãos de controle e de representação. Caso dos sindicatos,
que se mostram impotentes para discutir com a empresa aspectos
relacionados às condições de trabalho, e das comissões internas
de prevenção de acidentes, as Cipas, que nem sempre se revelam
eficientes. Esses organismos de representação podem negociar
melhores condições de trabalho e quando falham não contribuem
para resoluções coletivas e levam o funcionário a procurar
soluções individuais. O Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), organismo público responsável por esse controle,
encontra-se hoje voltado para alguns projetos em especial
e tem poucos auditores. O MTE manda o auditor nas situações
de risco desde que o sindicato o acione, pois não conta
com funcionários suficientes para auditorias preventivas.
Segundo ele, o fato é corroborado pelos dados: em 1985,
o Brasil contava com cinco mil auditores fiscais e hoje
tem em torno de 2.300.
Os auditores têm poderes para conduzir
a inspeção para ambientes de trabalho em relação a aspectos
fiscais ou à insalubridade e à periculosidade. Mas em relação
às ações envolvendo a saúde do trabalhador, ele levanta
outro complicador: nos dois últimos concursos para auditor
fiscal não houve obrigatoriedade da especialidade em segurança
do trabalho, de forma que os novos admitidos, sem essa formação
específica, tiveram que ser submetidos a uma preparação.
Essa defasagem os leva a outra linha de atuação, mesmo porque
têm metas a atingir em relação a carteiras assinadas, fundo
de garantia, entre outras.
Ele esclarece ainda que podem ser terceirizadas
pelas empresas todas as atividades que não sejam atividade-fim.
Mas as empresas e as terceirizadas encontraram brechas legais
de modo a terceirizar inclusive as atividades-fim. Esse
fato gera ações que envolvem empresas e suas terceirizadas,
o que fica evidenciado pelo maior número de empresas processadas
do que de processos, o que de certa forma acaba levando
à diluição das responsabilidades e a embaraços nos julgamentos.
Outra questão interessante refere-se aos
participantes efetivos do litígio. Em 100% dos casos, o
trabalhador comparece às perícias e seu advogado o acompanha
em cerca de 43% das vezes. O advogado da reclamada comparece
em 57% dos casos. A maior participação dos representantes
da reclamada deixa o trabalhador mais vulnerável.
Dos 30 casos foram escolhidos três em que
houve uma percepção especial do perito ao comprovar a situação
de insalubridade. São casos em que não bastava a inspeção
ou questionamentos, mas era a maior experiência de campo
do perito que permitiria evidenciar o risco. Dependendo
do seu conhecimento e da sua experiência e cultura, o perito
pode deter elementos e aprofundá-los de forma a superar
dificuldades advindas inclusive das falhas da legislação.
Os três casos amplamente analisados permitiram caracterizar
a dinâmica do processo, a forma como a empresa agiu, como
o perito respondeu ao que as partes perguntaram e como juiz
alinhavou essas informações na sentença de primeira instância.
Por sua vez, as empresas de certa forma
se omitem ao se darem por satisfeitas a entregar aos trabalhadores
o EPI e ao fazerem se sentem desobrigadas de ações que deveriam
ser tomadas antes. Antes disso, enfatiza ele, a empresa
deveria implantar um sistema de proteção coletiva, tomar
medidas administrativas ou organizacionais e até providenciar
a substituição de agente agressivo por outro menos impactante
quanto ao risco químico.
Conclusões
A primeira conclusão que o pesquisador
tira do trabalho é a de que trabalhadores expostos ao risco
em geral não possuírem grande formação e apresentam menor
qualificação. Some-se a isso o fato de em geral não estarem
acompanhados de advogado nas perícias, enquanto a outra
parte comparece com um grupo muito bem estruturado e organizado,
constituído de pessoal dos recursos humanos, gerente, advogado,
engenheiro de segurança.
Outra questão que ressalta é o prevalecimento
da política de fornecimento de Equipamento de Proteção Individual
(EPI), embora nem sempre suficiente para eliminar o risco,
porque se verifica que o trabalhador não o usa convenientemente
por desinformação ou por inadequação funcional.
Nos casos analisados, Rodrigues observou
que o adicional de insalubridade foi conferido pelo juiz
quando havia indícios ou evidências suficientes nas provas
periciais e que a sentença proferida trazia argumentos transcritos
dos laudos. Ele constata que nos processos analisados deparou-se
com bons laudos, mas também com os que não satisfaziam.
O pesquisador se pergunta a quem interessa
manter em acordos coletivos o EPI como único determinante
na atenuação de insalubridade, pois os três laudos particularmente
estudados mostram que a exposição ao risco decorre da associação
da qualidade insatisfatória dos equipamentos; da sua quantidade
inadequada; e da não comprovação do seu uso efetivo.
No âmbito de Justiça do Trabalho, propõe
oficializar à Previdência Social e nos casos em que ocorrer
reincidência da empresa em processo com sentença julgada
oficializar ao Ministério Público do Trabalho e também às
Delegacias Regionais do Trabalho, de forma a tornar o controle
social mais forte. Defende ainda notificar a Vigilância
à Saúde do Trabalhador no SUS e a atualização da Norma Regulamentadora
(NR 15) da Portaria 3.214/78 que trata da segurança e medicina
do trabalho.
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■ Publicação
Tese: “Estudo de processos
judiciais de insalubridade”
Autor: Eduardo Martinho Rodrigues
Orientadora: Aparecida Mari Iguti
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas
(FCM) ................................................