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Quatro Prêmios Nobel e um destino: Unicamp
Cientistas participam, na Universidade, da
Escola São Paulo de Ciência Avançada

 

LUIZ SUGIMOTO

Quatro laureados com o prêmio Nobel de Química estão na Unicamp para participar da Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) sobre “Produtos Naturais, Química Medicinal e Síntese Orgânica”, entre 14 e 18 de agosto, no Centro de Convenções. Os premiados são Ei-ichi Negishi (Nobel em 2010), Ada Yonath (2009), Richard Schrock (2005) e Kurt Wüthrich (2002). Eles vêm acompanhados de mais 14 palestrantes brasileiros e estrangeiros posicionados na fronteira das pesquisas nestas três áreas da química, a exemplo do químico medicinal Simon Campbell, líder da equipe de pesquisadores que desenvolveram o Viagra e outros medicamentos para controle da pressão arterial.

Seguramente, este é o maior evento comemorativo do Ano Internacional da Química (AIQ 2011) no Brasil. Iniciativa mundial da Unesco, aprovada em Assembleia da ONU e que tem o apoio da IUPAC – União Internacional de Química Pura e Aplicada, o AIQ 2011está motivando inúmeras atividades abordando a química no contexto dos atuais desafios globais. A proposta que permeia todo o calendário de celebrações é de procurar mudar a imagem distorcida que persegue esta ciência, ainda bastante associada a malefícios à saúde humana e riscos ao meio ambiente.

A ESPCA, por sua vez, é um programa da Fapesp que envolve cursos de curta duração em ciência e tecnologia para alunos de graduação, pós-graduação e pós-doutorado. Esta edição é organizada conjuntamente por Unicamp, USP, Unesp e UFSCar, com patrocínio da Sociedade Brasileira de Química (SBQ). Docentes das quatro universidades integram os comitês científico e executivo, sob coordenação da professora Vanderlan Bolzani, da Unesp. A organização selecionou 200 estudantes para participar da Escola, sendo que 100 deles (50 do Brasil e 50 do exterior) têm passagens, hospedagem e alimentação custeadas pela organização, enquanto outros 100 vieram por conta própria.

“Tenho claro que a química é, talvez, a área mais decisiva do conhecimento humano para a promoção do bem-estar social e o avanço da tecnologia. Embora esta ciência ainda seja vista como uma atividade que traz riscos ambientais, os químicos, juntamente com os ecólogos, são provavelmente os profissionais mais preocupados em desenvolver processos de menor impacto na natureza. Para ser devidamente equacionada, a questão ambiental requer conhecimentos químicos bastante profundos”, defende o professor Ronaldo Aloise Pilli, pró-reitor de Pesquisa da Unicamp e membro do comitê científico da ESPCA, seguindo a proposta preconizada para o Ano Internacional da Química.

O pró-reitor, que é professor do Instituto de Química (IQ), lembra que a química é chamada de ciência central, por se relacionar com praticamente todas as áreas do conhecimento, como física, medicina, biologia e engenharias. “Por exemplo, na área de materiais, seja para a construção civil, eletrônica ou petroquímica, há inúmeras contribuições da química enquanto ciência que se ocupa das interações em nível molecular. Não é à toa que a nanotecnologia, embora tenha se tornado uma área do conhecimento por si própria há apenas duas décadas, conte com forte contribuição da química desde muitos anos atrás”.

Na opinião de Ronaldo Pilli, quando se trata de desenvolver produtos que atendam a um maior segmento social, deve-se pensar em processos economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis. “A questão toda se resume à seguinte ideia: os desafios impostos à sociedade moderna são energia, meio ambiente, saúde e, se não nos preocuparmos a tempo, alimentos e água; e em todos eles, a química terá papel fundamental. Mas a sociedade também precisa mudar seus hábitos, devemos nos educar e educar as novas gerações a produzir com inteligência e a consumir com responsabilidade. De nada adianta aperfeiçoar os métodos de produção se o cidadão trocar o celular a cada novo lançamento, ainda que o anterior atenda perfeitamente à sua necessidade”.

Áreas interconectadas

Segundo o pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, a Escola São Paulo de Ciência Avançada é uma iniciativa da Fapesp que visa promover atividades dentro de áreas do conhecimento em que o Brasil já alcançou certa projeção, a fim de consolidar e aumentar seu grau de inserção internacional. “A química é uma ciência muito ampla, mas decidimos focar três áreas relevantes e que estão interconectadas: a química de produtos naturais, diante da riqueza do Brasil em espécies vegetais e animais; a química medicinal, cujos produtos em grande parte vêm da natureza ou são inspirados em compostos químicos encontrados nela; e a síntese orgânica, que trata da produção em escala de produtos importantes para a economia e a sociedade”. Ao ajudar a traçar um breve perfil dos palestrantes laureados com o Nobel de Química (veja quadro nestas páginas), Ronaldo Pilli ressalta a integração propiciada por suas pesquisas entre as três áreas mencionadas da química. “Tomando o trabalho de Kurt Wüthrich, vemos que sua técnica de ressonância magnética nuclear é utilizada nas três áreas, e que os catalisadores de Ei-ichi Negishi e Kurt Wüthrich são muito importantes tanto na química medicinal como na síntese orgânica. São contribuições que encontram aplicações em inúmeros setores da pesquisa e da produção”.

O docente do IQ atenta, também, para o fato de que foram convidados outros 14 palestrantes de peso nacional e internacional, como Simon Campbell. “Interessante é que ele teve uma passagem pelo Brasil nos anos 70, como professor visitante da USP, quando era ainda um jovem doutor. Retornou à Inglaterra e exerceu papel relevante não só para o desenvolvimento do Viagra – sua descoberta mais midiática – mas de outros medicamentos para tratamento da pressão arterial [como o Cardura e o Norvasc]”.

Para mencionar um jovem pesquisador mundialmente reconhecido, Pilli destaca Bradley Moore, de San Diego (EUA), que trabalha com organismos marinhos. “Esses organismos têm sido fonte de inspiração para o desenvolvimento de fármacos – que podem ser produtos naturais por si próprios, produzidos por síntese orgânica ou biotecnologia, ou então sintéticos, inexistentes na natureza mas moldados à semelhança de um produto natural. Moore é um jovem talento que também já esteve no Brasil, um país de riqueza enorme com seus milhares de quilômetros de costa e que, contudo, apresenta pesquisas ainda incipientes na área de produtos naturais marinhos”.

Na visão do professor, o Brasil já possui uma boa massa crítica de pesquisadores em química de produtos naturais, química medicinal e síntese orgânica, alguns de destaque internacional. “Outro objetivo desta Escola São Paulo é atrair público de outras partes do país e do exterior para as nossas universidades e programas de pesquisa. Particularmente, queremos que visitem a Unicamp para que conheçam nosso potencial e se interessem por voltar, seja como estudantes de pós-graduação e pós-doutorado ou eventualmente como professores. Esta administração tem forte propósito de expandir o universo de candidatos qualificados às nossas vagas docentes”.

Como em Lindau

Em entrevista ao Jornal da Ciência, a professora Vanderlan Bolzani, coordenadora geral da ESPCA e responsável direta pela vinda dos quatro prêmios Nobel de Química, observa que a natureza é um laboratório perfeito e produz uma infinidade de moléculas que representam um desafio constante para os químicos preocupados com a saúde e o bem-estar da humanidade. “A síntese de algumas dessas moléculas rendeu prêmios Nobel para vários químicos que de forma engenhosa imitaram a natureza. Todos os cientistas estrangeiros foram convidados levando-se em conta o estado da arte nas pesquisas em química, tanto na área de produtos naturais como de química medicinal e síntese orgânica”.

De acordo com a docente da Unesp, os estudantes selecionados, além das aulas e de apresentações de seus trabalhos, terão a oportunidade de interagir com os cientistas. Para tanto, além do coquetel de recepção da noite de domingo, já está marcado um jantar típico brasileiro para a noite do dia 15 e um churrasco de confraternização na tarde do dia 18. O formato do evento foi inspirado nas reuniões anuais de Lindau, quando laureados com o Nobel e jovens pesquisadores de todo o mundo se encontram na cidade alemã. “Queremos que os estudantes da ESPCA participem de maneira descontraída em todas as atividades e que o contato com os palestrantes não seja apenas como numa aula formal. Quando eu era jovem, fui apresentada a Sir Derek Barton, Nobel de Química em 1969, e até hoje tenho aquele momento na memória”.

A organização do evento informa que a seleção dos 50 estudantes brasileiros e 50 estrangeiros, cujas despesas serão custeadas, foi feita com base na igualdade de distribuição nas três áreas da química contempladas nas conferências, na qualidade do currículo e da pesquisa desses participantes, em carta de recomendação e, finalmente, na possibilidade de prosseguimento dos estudos em instituições localizadas no Estado de São Paulo. Os alunos estrangeiros estão chegando de mais de 20 países.

Credenciamento da imprensa

A abertura oficial da ESPCA sobre “Produtos Naturais, Química Medicinal e Síntese Orgânica” será às 9 horas do dia 15, no Centro de Convenções da Unicamp. Pede-se que os veículos de comunicação credenciem seus profissionais antecipadamente, enviando nome, e-mail e telefones de contato para patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br. Diariamente, haverá entrevistas coletivas com palestrantes e organizadores.

A programação e mais informações sobre os palestrantes estão na página oficial do evento (http://www.espcachemistry.iqm.unicamp.br/ESPCA/). A RTV Unicamp vai transmitir as palestras ao vivo através do CâmeraWeb.

 

OS LAUREADOS

Ei-chi Negishi

Prêmio Nobel de Química em 2010, por suas contribuições visando reações químicas catalisadas pelo elemento químico paládio, que já são de ampla aplicação no desenvolvimento de novas gerações de fármacos e agroquímicos. A catálise é uma ferramenta importantíssima na síntese orgânica. Num momento em que a sustentabilidade se tornou grande preocupação da sociedade, os meios de produção têm que se tornar cada vez mais adequados à preservação do meio ambiente. A técnica faz parte uma área de conhecimento que permite a ocorrência de processos químicos na presença de quantidades mínimas de “facilitadores”, que são os catalisadores – o corpo humano faz o mesmo com as enzimas.

A catálise química é fundamental para a produção em escala. Por isso, as pesquisas de Negishi contribuíram para o desenvolvimento de técnicas de produção em larga escala de fármacos contra o câncer e produtos veterinários e agroquímicos, bem como de dispositivos para a microeletrônica e as telecomunicações. O pesquisador, que nasceu na China e cresceu no Japão, iniciou na década de 1970 este trabalho que hoje está definitivamente incorporado a inúmeros processos de produção industrial.

Ei-chi Negishi ganhou o Nobel juntamente com o japonês Akira Suzuki e o norte-americano Robert Heck. Bacharel pela Universidade de Tóquio, tem doutorado pela University of Pennsylvania e é professor emérito da Purdue University (EUA), onde recebeu o título H. C. Brown Distinguished Professor of Chemistry. Ele faz sua primeira visita ao Brasil.

Sua palestra: “Exploration, development and application of organozirconium chemistry – Zr-Catalyzed Asymmetric Alkene Carboalumination Reaction (ZACA Reaction)”, no dia 17, às 9 horas.

 

Ada Yonath

Prêmio Nobel de Química em 2009, por desvendar o funcionamento dos ribossomos, responsáveis pela produção de proteínas, conhecimento que permitirá melhor entendimento de doenças relacionadas com o mau funcionamento destas organelas. Havendo alguma disfunção na produção ou no enovelamento de proteínas, podem surgir várias doenças associadas. Entender como o ribossomo funciona é um primeiro passo para entender, por exemplo, questões de saúde relacionadas com a produção de proteínas pelo nosso organismo.

Ada Yonath, que recebeu o Nobel juntamente com o indiano Venkatraman Ramakrishnan e o norte-americano Thomaz Steitz, já esteve no Brasil em janeiro deste ano, como professora da ESPCA New Developments in the Field of Synchrotron Radiation, que ocorreu no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Na ocasião, o Instituto de Química (IQ) da Unicamp aproveitou sua presença em Campinas para convidá-la a dar a palestra “O surpreendente ribossomo”, antecipando a abertura do Ano Internacional da Química na Universidade.

Nascida em Jerusalém, a cientista israelense lançou uma autobiografia contando sobre a infância pobre, quando a família dividia um apartamento alugado com outras duas famílias e seus filhos; sobre a morte prematura do pai, obrigando-a a trabalhar logo cedo como faxineira e babá; e sobre os mais de 20 anos pesquisando os ribossomos, até ser laureada e vencer a descrença de parte da comunidade internacional em seu trabalho. Atualmente é professora do Weizmann Institute of Science de Israel.

Sua palestra: “The amazing ribosome”, dia 15, às 14 horas

 

Richard Schrock

Prêmio Nobel de Química em 2005, por ter desenvolvido catalisadores de ampla aplicação nas indústrias petroquímica, farmacêutica, veterinária e agroquímica, levando ao aperfeiçoamento de diversos processos industriais. A chamada metátese de olefina já era um processo conhecido na indústria petroquímica e Schrock trouxe esta metodologia para a indústria de química fina, na produção de fármacos, agroquímicos e dispositivos eletrônicos.

Enquanto a indústria petroquímica usava a metátese em escala macro, o pesquisador conseguiu penetrar nos fundamentos desta reação e ampliar seu universo de aplicações industriais para produtos de maior valor agregado. Assim como Negishi, Schrock deu uma contribuição seminal para o desenvolvimento de métodos catalíticos, abrindo um horizonte de possibilidades para o conhecimento básico e aplicado.

Professor titular do MIT – Massachusetts Institute of Technology (EUA), Richard Royce Schrock ganhou o Nobel juntamente com o também norte-americano Robert Grubbs e o francês Yves Chauvin. Membro da Academia Americana de Artes e Ciências, da Academia Nacional de Ciências e membro estrangeiro da Royal Society (Londres), ele vem pela primeira vez ao Brasil.

Sua palestra: “The unique abilities of mono alkoxide pyrrolide (MAP) catalysts for olefin metathesis reactions”, no dia 15, às 10h20.

Kurt Wüthrich

Prêmio Nobel de Química em 2002, por ter desenvolvido novas técnicas de ressonância magnética nuclear (RMN) para a elucidação de estruturas de compostos químicos, que hoje encontram ampla aplicação para diagnóstico na medicina. Seu método permitiu determinar a estrutura tridimensional de proteínas, a partir da marcação de pontos fixos da molécula e da determinação da distância entre esses pontos. A vantagem da RMN é que as proteínas podem ser estudadas em solução, ou seja, em ambiente similar ao que as células vivas atuam.

Os químicos vinham usando a RMN pelo menos desde a década de 1960, mas Wüthrich criou novas técnicas dentro dela e expandiu enormemente a utilização desta ferramenta. Hoje, recorre-se diariamente a tais técnicas na academia e na indústria a fim de confirmar suas estruturas e determinar sua pureza de compostos químicos, sem falar na importância que a RMN adquiriu na área de saúde, a ponto de todo bom hospital possuir um aparelho – inclusive o HC da Unicamp, que acaba de inaugurá-lo.

O suíço Kurt Wüthrich é professor de biologia estrutural no Scripps Research Institute (Califórnia, EUA) e de biofísica no Instituto Federal de Tecnologia da Suíça (ETH-Zurich). Ele desenvolveu o trabalho que o fez merecer o Nobel focado na área de química, mas a disseminação do seu método foi refletida no Prêmio Louis Jeantet de Medicina e no Prêmio Kyoto de Tecnologia Avançada.

Sua palestra: “NMR in biological and biomedical research”, no dia 16, às 9 horas.

 



 
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