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O Grupo Debate e a resistência no exílio
Dissertação investiga a importância da ação do coletivo,
que divulgou os abusos cometidos pela ditadura

Dissertação de mestrado desenvolvida por Rodrigo Pezzonia aborda tema ainda pouco explorado pela academia: o exílio brasileiro no período ditatorial militar. O foco do trabalho, que foi orientado pelo professor Marcelo Ridenti, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, é o Grupo Debate, criado em finais dos anos 1960 por João Quartim de Moraes, quando este viveu exilado na França. Atualmente, Quartim de Moraes é docente do mesmo IFCH. “Meu objetivo foi estudar a tomada de posição por parte dos integrantes do grupo frente aos problemas enfrentados pelas esquerdas em terras brasileiras, principalmente no que se refere à derrocada da ideia da via armada como meio de reação ao regime militar e à chegada revolucionária ao socialismo”, afirma o autor da pesquisa.

De acordo com Pezzonia, Quartim de Moraes cumpriu papel fundamental tanto na constituição quanto na condução das atividades do Grupo Debate. Uma das consequências dessa atuação foi a criação da revista também intitulada DEBATE, que era produzida principalmente pela segunda geração de exilados brasileiros, a maioria extremamente jovem e egressa de organizações que faziam resistência ao regime militar. O próprio Quartim de Moraes foi dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização que pegou em armas para combater a ditadura.

Logo após ser expulso da VRP, por discordar dos rumos que a luta revolucionária vinha tomando, conta o autor da dissertação, o atual professor da Unicamp exilou-se por poucas semanas no Uruguai antes de partir para a França. Foi lá, na companhia de outros jovens expatriados, que Quartim de Moraes formou o Grupo Debate. “O objetivo da iniciativa era o de organizar, congregar e amparar os exilados, que chegavam ao exterior sem perspectivas. Ao mesmo tempo, o coletivo buscava denunciar no plano internacional o que estava acontecendo no Brasil”, explica. Um dos meios empregados por eles para denunciar os abusos cometidos pelo regime militar era a revista.

A maioria dos colaboradores da publicação, produzida de forma rudimentar, a partir de cópias em mimeógrafo, era formada por intelectuais e jovens militantes do movimento estudantil brasileiro. Entre eles estavam nomes como Fernando Gabeira e Michael Löwy. O principal tema abordado na publicação, como não poderia deixar de ser, era a reação armada contra os regimes totalitários espalhados pelo mundo. “Um aspecto interessante da postura desses intelectuais era que eles apoiavam a luta armada, mas não cegamente. Eles tinham uma posição crítica em relação a essa forma de reação. Algumas organizações de esquerda acreditavam, por exemplo, que a revolução tinha que partir de um aspecto mais vanguardista, baseado na experiência cubana do ‘foco guerrilheiro’ ou em outras teorias guerrilheiras vigentes na época. Na visão de Quartim de Moraes e dos demais integrantes do grupo, a militância deveria primeiro criar vínculos com as bases sociais antes de partir para a luta armada. Ou seja, eles defendiam uma maior participação das massas no processo revolucionário”, detalha Pezzonia.

Com o decorrer do tempo, continua o pesquisador, os integrantes do Grupo Debate perceberam que a luta armada no Brasil não estava obtendo êxito e que muita gente estava sendo presa, torturada e morta. “Isso fez com que eles revissem o apoio à guerrilha e passassem a se preocupar mais com temas ligados à redemocratização”. Ainda segundo Pezzonia, uma das características do grupo era o incentivo para que seus membros seguissem os estudos. Assim, os colaboradores da revista constituíram um grupo de estudos, que mantinha ligações estreitas com intelectuais que atuavam em universidades francesas.

Também por essa razão, a DEBATE tinha um rigor teórico muito forte em relação a todos os seus textos. “Outro dado interessante é que a publicação mostrou-se, em um segundo momento, no período posterior a 1974, aberta a outros assuntos além da crítica à experiência da luta armada, muitos deles ignorados ou relegados a segundo plano pela esquerda brasileira. Assim, a DEBATE também falava sobre feminismo, racismo, internacionalismo e movimento sindical, para ficar em alguns exemplos”, diz. Uma missão especialmente trabalhosa cumprida por Pezzonia foi a tentativa de identificação dos autores dos artigos. No período estudado por ele (1970 a 1974), 14 pessoas escreveram para a revista. “Como todos eles assinavam os textos com pseudônimos, tive que recorrer a algumas entrevistas, entre elas com o próprio professor Quartim de Moraes, para tentar descobrir quem escreveu o quê. Antes de me revelar três desses nomes, ele tomou a precaução de entrar em contato com eles para pedir autorização para confirmar as identidades”.

A DEBATE, prossegue Pezzonia, circulava basicamente na França e em alguns outros países europeus, levada pelos exilados ou por militantes simpáticos à causa de seus colaboradores. Além disso, ela também foi editada por um grupo de exilados no Chile, em espanhol, tendo como título Teoria y Practica. “Todavia, essas publicações dificilmente chegavam ao Brasil. Há o relato de uma pessoa que foi presa e torturada ao tentar imprimir a DEBATE a partir de um microfilme que havia entrado cladestinamente no país. Temendo outras prisões, conforme me contou o professor Quartim de Moraes, o grupo passou a evitar o envio da revista ao país”. Produzida de forma artesanal, a publicação começou com uma centena de exemplares e chegou a atingir um milhar deles, de acordo com o autor da dissertação.

No entender do pesquisador, o tema abordado em seu trabalho ainda é pouco estudado pela academia. Somente nos últimos anos é que vem ganhando maior atenção. “Normalmente, as pesquisas se concentram mais nos acontecimentos e personagens que permaneceram no Brasil durante o período militar. Muitos ainda entendem que os exilados brasileiros cumpriram um papel de menor importância no episódio da ditadura, mas isso não condiz com a realidade. Eles tiveram, sim, grande relevância, principalmente no que toca à divulgação no exterior do que ocorria no país. Ademais, ao retornarem ao Brasil com o advento da anistia, eles trouxeram toda a experiência acumulada no exílio, exercendo dessa forma grande influência em segmentos como a cultura, a política e a academia”, considera.

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■ Publicação
Dissertação: “Revolução em Debate: O grupo Debate, o exílio e a luta armada no Brasil (1970 – 1974)”
Autor: Rodrigo Pezzonia
Orientador: Marcelo Ridenti
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
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