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O que Georges tem a ensinar
Doutor aos 84, engenheiro tem papel
importante
em pesquisas na FEQ na área de automação
Os
sistemas de automação da indústria sucroalcooleira exigem
conhecimento amplo sobre todo o processo de produção, de acordo
com o engenheiro químico Georges Roger Rousselet. Doutor aos
84 anos, com a defesa da tese “Análise da evolução do sistema
de automação no processo de produção de etanol – estudo
de caso”, Rousselet mostra que para obter um sistema eficiente
é preciso ir além do conhecimento matemático e buscar informações
no conhecimento humano. Por este motivo, sua permanência na
Faculdade de Engenharia Química (FEQ) no período de 2007 a
2011 foi imprescindível para pesquisas na área de automação,
de acordo com o orientador da tese, professor Flávio Vasconcelos
da Silva. A experiência de quase 60 anos no setor sucroalcooleiro
e a oportunidade de voltar à academia para conhecer de perto
os novos sistemas o levaram à conclusão de que a automação
só será eficiente se o processo também for.
Como exemplo, Rousselet cita um sistema apresentado em sua
tese no qual a automação não foi capaz de corrigir problemas
ocorridos de uma safra de cana para outra, em razão da ocorrência
de chuvas em excesso. “O sistema era suficientemente automatizado,
porém, não foi capaz de neutralizar problemas relacionados
à qualidade da matéria-prima. Se a cana apresenta péssima
qualidade, a automação não é capaz de corrigir esse tipo de
problema, tornando-se ineficiente”, explica Rousselet, relembrando
que em São Paulo houve um caso parecido na década de 1970,
por causa de uma geada.
O orientador explica que faltava um relato histórico e uma
análise crítica sobre a origem e a evolução da automação neste
setor. “A carga de experiência e conhecimento que o senhor
Georges possui possibilitou o desenvolvimento deste tema”,
acrescenta. Se por um lado, o aluno de doutorado de 84 anos
confessa ser recente o encontro com uma automação avançada,
por outro, o experiente engenheiro químico diz ter acompanhado
o crescimento da indústria sucroalcooleira. E afirma: “A mecanização
é secular, já no período colonial foram criados os engenhos
centrais, em São Paulo e Pernambuco. No Brasil Império, Dom
Pedro II possibilitou a modernização do setor”.
Mas a contribuição de Rousselet não se limitou a sua tese.
Sua experiência foi importante também em trabalhos de outros
alunos do laboratório que precisavam de conhecimento de um
especialista para o desenvolvimento da automação. Em alguns
momentos, segundo Silva, ele impediu que uma informação errada
fosse inserida em determinado estudo. Como exemplo, Silva
cita episódio em que pesquisadores do laboratório desenvolviam
uma proposta de fermentação por uma simulação simples, mas
Georges interferiu, dizendo que não era assim que se fazia
normalmente, pois existe o reciclo de células nesta operação.
“Toda sua bagagem veio adicionar informações. A ideia é que
ele continue nos assessorando”, diz Silva. Experiente, Rousselet
rebate: “O processo de fermentação é bastante conhecido, a
indústria de bebidas fermentadas é milenar, inclusive o processo
de produção de vinhos e cervejas é mais complexo do que o
álcool industrial, entretanto, é necessário um cuidado especial
para a manutenção dos parâmetros de fermentação por meio de
um controle adequado”, diz o engenheiro químico. Ele ressalta
que o processo de fermentação não é simples, mas pode ser
assimilado rapidamente, pois existe uma extensiva literatura
sobre o assunto.
Silva enfatiza que o laboratório está voltado para pesquisas
com inteligência artificial, cujo princípio é simular o conhecimento
humano e, para isso, é preciso ouvir profissionais que conheçam
o processo como um todo. Segundo o orientador, o Instituto
do Açúcar e do Álcool disponibiliza várias informações, porém,
existe falta de mão de obra especializada nesta área, alguém
que tenha conhecimento pleno do assunto. “E existe também
certo desconhecimento de toda a evolução da automação porque
é um tipo de processo muito antigo e que durante muito tempo
foi conduzido de forma artesanal, explica Silva. Segundo o
professor, o uso de inteligência artificial, de sistemas inteligentes,
de tecnologias em rede, industrialmente conhecidas como Fieldbus,
está entre as tendências futuras contempladas na tese, assim
como o uso de tecnologia wireless. Ele acrescenta que a tecnologia
wireless precisa ser mais bem estudada e adaptada, mas pode
tornar o processo robusto e a transmissão de dados de processo
mais eficiente.
Rousselet enfatiza que a qualidade da matéria-prima (cana-de-açúcar)
depende diretamente de condições ambientais e de cultivo e,
infelizmente, a automação tem efeito muito reduzido sobre
essas variações. O orientador Silva declara
que existe uma falsa impressão de que o bom funcionamento
de um processo é garantido com a aplicação de uma automação
de ponta. Mas isso não necessariamente acontece, segundo Silva,
pois uma automação eficiente não corrige problemas gerenciais,
por exemplo.
Ao falar da contribuição da tese, Silva afirma que a investigação
deu origem a uma nova linha de pesquisa no laboratório. A
partir da criticidade com que foi realizada a tese, foi possível
avaliar as perspectivas de futuro do setor sucroalcooleiro,
diante do que está sendo aplicado hoje. Para isso, foi realizado
um levantamento de algumas tecnologias mais novas, o que permitiu
fazer uma análise das possíveis malhas de controle. “O trabalho
leva a um pensamento de como podemos nos preparar para desafios
futuros dentro da automação. O processo está bem-definido,
temos a ferramenta, pois a automação está bem-desenvolvida.
O que mostra claramente que precisamos aprimorar o desenvolvimento
de recursos humanos, pois ainda faltam pessoas capacitadas
neste meio”, reforça. O orientador faz questão de frisar que
a automação existe para ter uma melhoria constante do processo,
e não apenas num gerenciador e monitorador de processos. O
panorama atual, segundo o docente, é o gerenciamento, pois
a automação está disponível, mas falta profissional que possua
conhecimento adequado para extrair toda a potencialidade dos
sistemas de automação.
Ele lembra que o setor sucroalcooleiro brasileiro tem grande
importância mundial. E é preciso investir em automação, possibilitada,
segundo ele, pela aproximação das engenharias. “Antigamente
as engenharias se desenvolviam separadamente, mas hoje estamos
na era da interdisciplinaridade.”
Entre as perspectivas de futuro, a tese contempla a questão
da integração energética para que os processos sejam econômicos.
Silva explica que, como a indústria sucroalcooleira é autossuficiente
em termos energéticos, nunca se preocuparam com a questão
da economia. As palavras de Rousselet complementam a declaração
do orientador: “Tinha bagaço sobrando. Queimava-se e usava-se
quanto quisesse. Mas agora se vislumbrou outra situação: a
energia pode ser vendida e os lucros, aumentados. Se mantiver
a planta funcionando com um consumo otimizado de energia,
é possível vender o excedente e aumentar lucros. Nesse sentido,
a automação ganha um espaço grande de atuação”.
Nada precisou ser modificado na FEQ para que Georges desenvolvesse
seu trabalho. Questionado por uma emissora de TV sobre as
mudanças realizadas para receber um aluno de 84 anos, Silva
fez questão de enfatizar: “Nada mudou nossa rotina. A faculdade
continuou tendo seus critérios de seleção e aprovação dos
estudantes de pós-graduação, ele passou por todos eles, fez
todas as disciplinas que tinha de fazer, seguindo a rotina
de um aluno e pesquisador do programa de pós-graduação em
engenharia química. Georges arremata: “Foi uma grande oportunidade,
pois eu não contava com isso nessa altura da vida. Esse negócio
de ter 84 anos não tem nada a ver. Uso bengala, sou hipertenso,
mas posso continuar estudando. E terei prazer em continuar
colaborando”.
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Publicação
Tese: “Análise da evolução do sistema de
automação no processo de produção de etanol – estudo
de caso”
Autor: Georges Roger Rousselet
Orientador: Flávio Vasconcellos da Silva
Unidade: Faculdade de Engenharia Química
(FEQ)
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