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Tese mostra como falta de mão de
obra afeta o crescimento do Brasil
Estudo inédito revela gargalos
na área da educação profissional
Pesquisa
inédita que traça um diagnóstico da política e do sistema
de educação profissional brasileiro comprova que a economia
enfrenta efetivamente uma crise de mão de obra qualificada
que pode inviabilizar nos próximos anos a chegada do Brasil
à posição de quinta econômica do planeta, como vem sendo vaticinado
pelos últimos governos. Os dados mostram que além da ausência
de uma política educacional adequada, os investimentos em
educação formal e profissional são incompatíveis com as pretensões
de um sistema econômico que aspira às primeiras posições na
economia mundial. O estudo deu origem à tese de doutorado
de Carlos Antonio Gomes apresentada ao Departamento de Ciências
Sociais na Educação da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp
e foi orientado pelo professor Waldir José de Quadros, do
Instituto de Economia (IE).
Motivou-o as queixas oriundas do sistema produtivo, que o
autor ouvia desde 2000, referentes à grande escassez de mão
de obra qualificada que dificulta a competitividade do país
no mercado internacional.
Já no mestrado iniciado em 2006, o pesquisador abordou as
deficiências do sistema educacional em todos os níveis, desde
o ensino básico até inclusive as universidades. No doutorado,
focou a educação profissional, mais especificamente orientada
para o trabalho. “Desde o início dos meus estudos, ponderei
que se no Brasil os níveis de investimentos na formação profissional
são tão baixos mais cedo ou mais tarde, quando a economia
voltasse a crescer, ocorreria um desequilíbrio entre a oferta
e a procura por mão de obra” lembra.
Segundo
ele, o trabalho constitui o primeiro diagnóstico desse tipo
de educação porque até então se faziam apenas estudos de casos
nas empresas ou análises bibliográficas. Pondera que o estudo
tornou-se viável porque, em 2007, na Pesquisa Nacional por
Amostragem de Domicílios (PNAD), que é realizada a cada cinco
anos, o IBGE incluiu pela primeira vez a coleta de informações
sobre a educação profissional, da qual resultou uma extensa
publicação de dados que demandavam análise: “Essa foi a minha
referência inicial e principal” diz.
Constatou então que em 2007 a população economicamente ativa
(PEA) – aquela que trabalha ou busca por emprego – era constituída
por quase 100 milhões de pessoas. Desse contingente, o sistema
de educação profissional matriculava anualmente apenas 3,9%.
Em relação à população em idade ativa (PIA), essa porcentagem
cai para 2,51% enquanto os 27 países da União Européia (UE)
conseguem matricular em média quase 10%, o que evidencia a
defasagem brasileira.
Gomes constata que, com o crescimento da economia brasileira,
os empregos virtuosos, atrelados aos melhores salários, estão
aparecendo e com eles as chances de mobilidade social, que
acaba relativamente restringida pela falta de mão de obra
qualificada que o sistema de educação profissional não consegue
resolver.
Fontes
Predominantemente documental, a pesquisa utiliza para comparações
bancos de dados europeus como os da Comissão Européia para
a Educação e Cultura da UE e do Centro Europeu para o Desenvolvimento
da Formação Profissional (Cedefop) que atestam a importância
atribuída a essa formação no continente. Ele consultou ainda
relatórios da Confederação Nacional da Indústria (CNI), do
Sistema Nacional de Emprego (Sine), do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
(Dieese), do Ministério da Educação (MEC), do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicadas (Ipea).
Analisou também documentos produzidos por quatro das onze
instituições que constituem o Sistema S, ligadas ao patronato
– Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional
de Aprendizagem Agrícola (Senar) e Serviço Nacional de Aprendizagem
do Transporte (Senat) – que formam, respectivamente, mão de
obra para indústria, comércio, agricultura e transportes.
Deparou-se então com a grande dificuldade dessas instituições
em se adaptarem às mudanças econômicas e tecnológicas, pois
oferecem ainda os mesmos cursos do final do século passado.
Constata que elas perderam o caráter sistêmico que detinham
do século passado, apresentam redução proporcional de matrículas
ano a ano e queda progressiva na qualidade de ensino. Vê isso
como consequência da ausência de visão estratégica e da falta
de percepção das modificações econômicas e dos meios de produção
que se revelam cada vez mais sofisticados.
Enquanto a estrutura de financiamento público – o Sistema
S e as instituições públicas – ofertam apenas cerca de 40%
vagas, as escolas privadas proliferam oferecendo em geral
uma educação de baixa qualidade. Para o pesquisador, o modelo
mais bem desenhado está em São Paulo com o Centro Paula Souza,
que detém uma estrutura maior que a Rede Federal gerenciada
pelo Ministério da Educação. E enfatiza: “Esse é um modelo
para o Brasil. O sistema privado tem em geral qualidade ruim,
embora existam nichos de excelência como o Centro Salesiano,
que constitui um estado da arte na formação profissional e
consegue conjugar excelência e preços acessíveis”.
Carências
A carência de mão de obra qualificada é evidenciada
por meio de dados divulgados por instituições como a Federação
das Indústrias do Rio de Janeiro em pesquisa em 2009; a Confederação
Nacional da Indústria em trabalhos divulgados em 2007 e 2011;
a Fundação Dom Cabral e o Observatório Nacional do Software.
O autor considera que a crise de mão de obra qualificada seria
inexorável em decorrência das deficiências do sistema educacional
produzirem incompatibilidades com os atuais níveis de crescimento
econômico.
Apesar de o governo alimentar
a crença de que em breve o país atingirá a posição de quinta
maior economia do mundo, existem, segundo o autor, gargalos
como os transportes, logística, saúde, habitação, educação
que impedirão o salto pretendido. “O meu trabalho mostra que,
dentre tantos gargalos apontados pelos estudiosos, a falta
de mão de obra qualificada constitui provavelmente a questão
mais crucial. Para chegar à posição pretendida, além de commodities,
o Brasil precisa exportar bens manufaturados e para tanto
necessita de uma indústria sofisticada que agregue valor às
mercadorias e cuja implantação depende de políticas estratégicas
e de mão de obra altamente qualificada”, afirma.
Para o pesquisador, o tema da educação profissional foi relegado
durante muito tempo pela universidade brasileira: “Acho que
está na hora de a academia se interessar mais por um problema
que é social. É importante discutir como a sociedade produz
a riqueza e como ela está atrelada à qualidade humana. No
Brasil, a formação profissional é olhada com certo preconceito
pela academia, o que não ocorre nos países dinâmicos”.
Para que a União aumentasse
as suas despesas educacionais, alerta ele, seria necessário
que ela diminuísse o pagamento dos serviços de juros e amortizações
da sua dívida que, em 2010, representou 44,93% do seu orçamento.
Como isso afetaria os interesses do capital financeiro, há
muita pressão por parte dos grandes bancos para que o governo
não eleve as despesas com educação, diz ele, que acrescenta:
“Essas pressões, às vezes, se revelam dissimuladas quando
essas instituições financeiras patrocinam pesquisas duvidosas
que levam à conclusão que o Brasil estaria vivendo um excesso
de qualificação ou uma ‘inflação de diplomas’ e não carência
de mão de obra qualificada”.
Conclusões
A constatação mais importante do trabalho é a de que a economia
do século XXI mudou e é totalmente diferente da praticada
no século anterior. Os países preocupados com o crescimento
consideram o conhecimento essencial e estão investindo nele.
Em vista do panorama descortinado no estudo, Gomes considera
pouco provável que o Brasil dê o salto pretendido principalmente
por não possuir uma política estratégica para a educação formal
e em particular para a educação profissional. Para ele, esse
provavelmente será o grande gargalo que impedirá o avanço
do país na economia internacional.
As empresas buscam cada vez mais profissionais qualificados
e os trabalhadores sentem necessidade da qualificação exigida
pelo mercado. A ausência do Estado abre espaço para a iniciativa
privada, que cresce muito, mas em geral com pouca qualidade.
Para o pesquisador, até o inegável processo de mobilidade
social que vem acontecendo poderia ser acelerado se houvesse
um sistema que habilitasse os trabalhadores com baixa qualificação
para preencher as vagas virtuosas, de melhor remuneração.
Alem disso, as deficiências apontadas afetarão a exploração
de petróleo na camada do pré-sal, a reativação da indústria
naval e o projeto em andamento de revitalização das Forças
Armadas.
“Espero que o Brasil, como se ouve dizer, deixe de ser o país
que não perde oportunidade de perder oportunidade. A minha
tese faz um alerta: vamos ver se desta vez fugimos a este
comportamento, porque já são muitos os países que iniciaram
ou se preocupam com reformulações no sistema educacional e
todos eles serão nossos competidores”.
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Publicação
Tese: “A qualificação resignada. A má formação
da força de trabalho como um problema estrutural do desenvolvimento
brasileiro”.
Autor: Carlos Antonio Gomes
Orientador: Waldir José de Quadros
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
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Autor sugere
mais investimentos
Carlos Antonio Gomes
diz que não há como o Estado promover uma reforma na formação
profissional sem uma profunda reestruturação do sistema
educacional, o que o leva a algumas sugestões: elevar as
despesas públicas para a educação formal e profissional
a 15% do orçamento do Estado, considerando a somatória de
recursos da União, dos estados e das prefeituras; garantir
que no máximo em uma década 80% da população em idade ativa
conclua o ensino médio; erradicar o analfabetismo; tornar
atrativas as carreiras docentes em todos os níveis de ensino
de forma a atrair talentos; tornar o sistema público educacional
em todos os níveis inclusivo e qualitativo; manter sistemas
avaliativos capazes de mensurar a qualidade da educação.
Particularmente em relação à educação profissional, ele
defende o estabelecimento de um porcentual mínimo do orçamento
destinado a ela pela União e estados; a elaboração de um
quadro brasileiro das qualificações; a exigência da conclusão
do ensino médio como requisito para ingresso na educação
profissional; e a priorização da educação tecnológica.
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