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Uma conversa com quatro ganhadores do Nobel
Ada Yonath, Richard Schrock, Ei-chi
Negishi e Kurt Wüthrich falam
sobre seus trabalhos e acerca do avanço científico e tecnológico
A
Unicamp viveu na última semana, mais especificamente entre
os dias 14 e 18 de agosto, momentos inéditos e extremamente
importantes dentro da sua trajetória, marcada pelo esforço
em oferecer ensino e produzir ciência de qualidade. Durante
o período, a Universidade abrigou a Escola São Paulo de Ciência
Avançada (ESPCA) sobre “Produtos Naturais, Química Medicinal
e Síntese Orgânica”, programa mantido pela Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) com o objetivo
de oferecer cursos de curta duração em ciência e tecnologia
para alunos de graduação e pós-graduação. Além de 14
especialistas reconhecidos internacionalmente pelos seus trabalhos
nessas áreas, o evento também reuniu quatro ganhadores do
Prêmio Nobel de Química, que vieram ao país para falar de
seus estudos e estimular 200 jovens pesquisadores a promover
descobertas significativas em suas áreas de atuação. Organizada
também pela USP, Unesp e UFSCar, a ESPCA constituiu a maior
comemoração, no Brasil, do Ano Internacional da Química.
O Jornal da Unicamp
aproveitou a presença dos Nobéis Ada Yonath, Richard Schrock,
Ei-chi Negishi e Kurt Wüthrich para colher deles algumas impressões
sobre temas relacionados à ciência e tecnologia, mas também
acerca de como o reconhecimento recebido por eles influenciou
na vida pessoal e na carreira profissional de cada um. As
questões foram formuladas pelo pró-reitor de Pesquisa,
professor Ronaldo Pilli, que também integrou a comissão
organizadora do evento. Um ponto em comum abordado pelos quatro,
e que interessa diretamente ao Brasil, foi a questão de como
os países em desenvolvimento podem contribuir para o avanço
da C&T. Na visão deles, desde que haja financiamento adequado,
educação básica de boa qualidade e pessoas curiosas em busca
de novas respostas, é possível fazer boa ciência, a despeito
de bandeiras e fronteiras geográficas.
Na opinião de Ei-chi Negishi,
por exemplo, qualquer país pode fazer ciência de qualidade.
“Você pode ver isso que digo nas Olimpíadas. Quem diria que
as garotas japonesas ganhariam a copa feminina de futebol?
Pela lógica, deveriam ser as brasileiras. Todos podem, é o
que digo. Em relação à ciência, eu sinto o mesmo. Pode levar
mais tempo, mas todos os países podem fazer pesquisas e descobertas
científicas. A China agora está dominando nos esportes olímpicos,
antes eram os EUA. Os chineses fizeram isso em apenas algumas
décadas. Na ciência, leva um pouco mais de tempo. Quanto ao
Brasil, eu acredito que o país está em crescimento ‘afiado’
na área científica”. Confira, na sequência, os principais
trechos das entrevistas com os quatro Nobéis.
Como chegou às principais
ideias do trabalho que lhe rendeu o Prêmio Nobel?
Ada
Yonath
Eu era curiosa. Foi assim
que tudo começou.
Richard Schrock
Bem, se você quiser saber o começo disso, temos de voltar
a 1974. Foi quando comecei os estudos em química que me levaram
ao prêmio. Comecei a estudar reações com catalisadores e ouvi
falar de reações de mestátase e os tipos de compostos metálicos
que atuam como catalisadores nas reações. Pude observar que
alguns se portavam de maneira diferente do usual, então comecei
a pesquisar isso. Acho que até este ponto não tinha feito
nada tão relevante. A ideia talvez tenha surgido aí.
Ei-chi Negishi
Novas ideias podem surgir quando você sente que precisa de
algo ou quando você sonha com uma forma de melhorar a sociedade.
Então você tenta descobrir novos métodos de produzir remédios,
alimentos, eletrônicos, itens que consumimos. Talvez
nossa necessidade leve a alguma ideia para depois começar
a pesquisa. Eu acho que realizei meu sonho de construir coisas.
É sobre isso que vim falar na ESPCA.
Kurt Wüthrich
É uma história complicada.
Estudei Química, mas me graduei em esporte. Pratiquei e ensinei
futebol, esqui, natação. Então, neste ponto, eu estava interessado
em blood doping [a prática consiste em o esportista
retirar e aplicar seu próprio sangue em condições específicas,
de modo a garantir o aumento do número de glóbulos vermelhos
(hemácias) no sangue, a fim de melhorar o seu desempenho atlético].
E tirei meu sangue, analisei minhas hemoglobinas e encontrei
algumas coisas bem surpreendentes. Isso me fez bem conhecido
quando era jovem. Continuei meus experimentos e passei a fazer
menos esportes e mais ciência.
Como
suas contribuições influenciaram a ciência e a tecnologia?
Ada Yonath
Eu espero que tenha sido uma boa influência, mas eu não sei.
Eu vou continuar trabalhando. Muitos outros trabalhos
de outros cientistas ainda serão publicados.
Richard Schrock
Eu e [Robert] Grubbs recebemos o Nobel pelas pesquisas com
catalisadores. Todos os catalisadores afetam a ciência e a
tecnologia. Os que desenvolvemos mudaram a química orgânica
na maneira como você combina os átomos de carbono. As pesquisas
continuam caminhando. Mais descobertas e aplicações ainda
estão para se tornarem públicas. Há muito mais por vir.
Ei-chi Negishi
A tecnologia está disponível para qualquer um que quiser explorá-la.
Ela tem uma grande utilidade em várias áreas, incluindo produção
de remédios, eletrônicos, separação de materiais orgânicos
e muitas outras. Eu não registrei nenhuma patente de
minha descoberta, mas a indústria acabou registrando muitas
patentes derivadas das minhas pesquisas.
Kurt Wüthrich
Felizmente, tem havido influências, sim. A mais direta se
deu por meio de uma empresa baseada na Suíça e Alemanha,
a Brooks Instrument. Foi muito bom ter esta relação com eles.
Nós fazíamos nossos experimentos e eles produziam equipamentos
de que precisávamos. Depois, eles lançavam estes equipamentos.
Também tivemos impacto no desenvolvimento de drogas para a
indústria farmacêutica, particularmente na Suíça.
Quais são os principais
desafios na ciência atualmente?
Ada Yonath
Como no passado, o desafio está em compreender melhor a natureza.
Compreender o melhor possível. Isso valia no passado
e vale também hoje.
Richard Schrock
Com certeza conseguir mais dinheiro para as pesquisas [sorrisos].
Também temos que tomar os problemas certos e aplicar o que
aprendemos para resolver estes problemas. Também temos que
atrair as pessoas certas para trabalhar, para resolver problemas
significativos.
Ei-chi Negishi
Eu acho que cada um de nós busca sua própria felicidade. A
ciência pode ajudar as pessoas a atingir a felicidade, produzindo
roupas, moradia, todo tipo de bem material de que precisamos.
As pesquisas sempre têm que avançar; não podemos retroceder.
Kurt Wüthrich
É uma pergunta muito difícil.
Há muitos pontos novos nisso. Em termos de tecnologia, estamos
muito avançados. Existem muitas possibilidades, mas tem também
uma grande desconfiança da população sobre o que estamos fazendo.
Em Química, as pessoas sempre pensam em acidentes, usinas
químicas. Em Biologia, são contra a manipulação de genes na
produção de alimentos. Então, o mais importante para nós é
ganhar ou readquirir a confiança e apoio de um largo segmento
da população, sem o que não poderemos fazer um ótimo uso das
possibilidades técnicas.
Quais
foram as principais descobertas em C&T desde que iniciou
sua carreira?
Ada Yonath
A descoberta da estrutura do Ribossomo.
Richard Schrock
Certamente, os computadores. A ciência da computação avançou
muito. Mas há outras tantas coisas importantes, como as descobertas
das propriedades do núcleo dos átomos, que geraram aplicações
na medicina e biologia. Muitas coisas já existiam nos anos
70, mas era um trabalho duro, que levava horas para ser executado.
Hoje você pode fazer quase tudo com um toque. Existem outras
centenas de descobertas na química e biologia que também mereceriam
referência.
Ei-chi Negishi
Algumas vezes quando penso em pesquisas do passado, lembro-me
das pesquisas relacionadas ao átomo; à energia que é liberada
quando quebramos o núcleo de um átomo. Isso permitiu a criação
de bombas atômicas e nucleares e também usinas nucleares,
além de outras inúmeras aplicações na ciência. Infelizmente,
a descoberta deste princípio teve consequências terríveis,
mas foi uma importante descoberta.
Outra pesquisa importante
em uma linha diferente foi a dos pesquisadores [Francis] Crick
e [James] Watson. Eles desvendaram a estrutura molecular dos
ácidos nucléicos e seu significado para a transferência de
informações em matéria viva. Eles descobriram como nossas
características hereditárias são transmitidas de geração para
geração. Isto é área da biologia e medicina e agora sabemos
que todos os campos da medicina estão baseados nesses princípios,
até mesmo na criminologia. Quando um suspeito é preso, testa-se
o seu DNA. Tudo isso foi possível após as pesquisas de Craig
e Watson.
Kurt Wüthrich
Bem, os computadores se desenvolveram de uma maneira inacreditável.
Um cálculo que levávamos 24 horas usando o computador mais
rápido em 1983 é feito em um segundo hoje. É incrível o avanço.
Mas há várias outras revoluções. Em 1978, por exemplo, foi
descoberto o sequenciamento do DNA. A pesquisa mereceu
um Prêmio Nobel. Agora, nos anos 2000, conhecemos o genoma
humano. Estas foram coisas muito importantes e que trouxeram
mudanças importantes. Depois, temos o PCR [Polymerase
Chain Reaction, em inglês, método aplicado em diversas tarefas,
como no diagnóstico de doenças hereditárias]. A introdução
dessa técnica no laboratório mudou a vida.
Qual o papel de países
em desenvolvimento como o Brasil no desenvolvimento da C&T?
Ada Yonath
Não acredito que haja uma diferença entre países. Eu acredito
que ciência é ciência, um país é um país. Um cientista não
está conectado com geografia, com governo, com qualquer coisa.
Cientistas brasileiros podem fazem o mesmo que os outros cientistas,
mas o melhor que eles podem fazer é ajudar a compreender a
natureza.
Richard Schrock
Eu recomendaria a estes países: façam mais trabalhos, gastem
mais dinheiro, façam mais ciência e mais tecnologia. É isso
que estamos procurando.
Ei-chi Negishi
Eu sempre digo: qualquer país pode fazer ciência. É claro
que algumas vezes mais esforços são necessários. Você pode
ver isso que digo nas Olimpíadas. Quem diria que as garotas
japonesas ganhariam a copa feminina de futebol? Pela lógica,
deveriam ser as brasileiras. Todos podem, é o que digo.
Em relação à ciência, eu sinto o mesmo. Pode levar mais tempo,
mas todos os países podem fazer pesquisas e descobertas científicas.
A China agora está dominando nos esportes olímpicos, antes
eram os EUA. Os chineses fizeram isso em apenas algumas décadas.
Na ciência, leva um pouco mais de tempo. Quanto ao Brasil,
eu acredito que o país está em crescimento “afiado” na área
científica.
Kurt Wüthrich
Eu penso que o Brasil tem um grande potencial para contribuir
com a ciência de excelência. Eu tive uma experiência aqui
em 2003, quando estava num congresso de genômica. A contribuição
dos cientistas brasileiros para as primeiras bases da genômica
é maravilhosa. Muito bom trabalho.
Como o Prêmio Nobel
influenciou sua vida pessoal e profissional?
Ada Yonath
Minha vida pessoal não mudou.
As minhas pesquisas também não mudaram. O que mudou foi a
exposição. Por exemplo, três anos atrás você não viria
falar comigo. Agora, há muito mais mídia, muito mais
palestras para os jovens, muita mais exposição. Mas, em meu
laboratório, em minha casa, tudo continua a mesma coisa.
Richard Schrock
Depois do prêmio, eu passei
a viajar muito, e as pessoas agora me reconhecem. Foi uma
grande mudança. Surgiram muitas oportunidades para fazer coisas
que não podia fazer antes. Eu não ganho mais dinheiro com
pesquisas; de fato eu gastei dinheiro com pesquisa [risos].
Eu certamente tive mais oportunidade de fazer mais trabalhos
na minha área, como criar novas formas de produzir medicamentos,
por exemplo. Fizemos uma mudança na forma como as coisas eram
feitas. Mas as coisas ainda estão acontecendo.
Ei-chi Negishi
Primeiro, as minhas horas de sono foram reduzidas. O
anúncio veio em outubro do ano passado, ou seja, ainda não
passei um ano como vencedor do Nobel. E isso causou
um enorme impacto e ainda está causando na minha vida. Eu
gostaria de voltar à minha vida normal. Mas, neste quase
um ano como premiado, eu tenho provavelmente que dar, prover
o que as outras pessoas e cientistas ao redor do mundo querem
de um Prêmio Nobel.
‘Pesquisadores precisam
demonstrar mais
amor à ciência, e não amor ao salário’
Nos intervalos das atividades
desenvolvidas ao longo da Escola São Paulo de Ciência Avançada
(ESPCA) sobre “Produtos Naturais, Química Medicinal e Síntese
Orgânica”, os quatro ganhadores do Nobel foram bastante
assediados pelos participantes do evento. Atenciosos, eles
sempre encontravam tempo para uma troca de ideias, ainda
que rápida. Foi também durante essas “janelas” que eles
concederam entrevistas à imprensa, momentos em que discorreram
não somente sobre a importância da ESPCA, mas também acerca
da visão que têm sobre ciência e tecnologia nos dias atuais.
A cientista Ada Yonath,
ganhadora do Nobel de Química em 2009, considerou, por exemplo,
que a cooperação científica entre países centrais e em desenvolvimento
precisa ser estimulada. “Para haver maior integração, as
pessoas têm de estar abertas. Algumas vezes, nos países
menos desenvolvidos, não existe uma abertura total a novas
ideias. Talvez isso tenha que ser mais encorajado”, considerou.
Para ela, os pesquisadores também têm de demostrar mais
curiosidade, mais ceticismo. “E o mais importante: precisam
demonstrar mais amor à ciência, e não amor ao salário. Paixão
pela ciência e curiosidade não têm nada a ver com nacionalidades”,
pontou.
Em relação ao financiamento
à ciência, a cientista israelense, que desvendou o funcionamento
dos ribossomos, estruturas responsáveis pela produção de
proteínas, avaliou que os recursos precisam ser ampliados.
“Eu sempre penso que deveria ser dado mais suporte à ciência.
Infelizmente, não vejo isso acontecer sempre. Mas, em qualquer
lugar, a ciência básica vem sendo desprestigiada, o que
em minha opinião é um erro. O futuro da ciência depende
de como nós investigamos e compreendemos. Como isso será
usado mais tarde, é outra questão. Primeiro, precisamos
compreender”.
Perguntada sobre que conselhos
daria aos jovens estudantes de Química, Ada Yonath reafirmou
que todo cientista precisa cultivar a curiosidade. “Se existe
curiosidade e paixão, se você realmente quer fazer algo,
se não está convencido sobre as coisas, você vai conseguir
alcançar resultados, de uma forma ou de outra”, assegurou.
A cientista afirmou, ainda, que ficou muito feliz em receber
o Nobel, dado que é um reconhecimento importante, em nível
mundial. “O mais importante, porém, é a descoberta. “Eu
fiquei muito feliz por receber o prêmio. Houve muita divulgação,
especialmente porque uma mulher não recebia o Nobel fazia
muitos anos. Mas a descoberta foi muito mais importante.
São diferentes níveis de felicidade”, explicou.
Kurt Wüthrich, ganhador
do Nobel de Química (2002), também falou sobre cooperação
entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Na opinião
do pesquisador suíço, que concebeu novas técnicas de ressonância
magnética nuclear, o Brasil tem grande potencial para contribuir
para a produção de uma ciência com alto grau de excelência.
“Eu tive uma experiência aqui no Brasil, no Rio de Janeiro,
em 2003, quando participei de um congresso sobre genômica.
A contribuição dos cientistas brasileiros para as primeiras
bases da genômica é maravilhosa. Muito bom trabalho”, elogiou.
O pesquisador disse, entretanto,
que o país também precisa superar alguns desafios para seguir
fazendo ciência de qualidade. Ele contou que esteve há 30
anos no país, período em que aqui havia excelentes instituições
de pesquisa, como o Instituto de Física, no Rio de Janeiro.
“Mas a fundação colapsou, e tudo foi se perdendo. É extremamente
importante ter estabilidade de dez anos, 20 anos, para habilitar
trabalhos de pesquisa que tenham continuidade. O Brasil
tem um destacável grupo de jovens que podem fazer futuro
na ciência, mas isso requer investimento. Há também a questão
da escola elementar. Eu não sabia disso antes, mas li que
a escola fundamental brasileira tem um baixo padrão. É muito
difícil começar a educar pesquisadores para serem PHDs e
desenvolverem pesquisas de ponta, tendo como base uma educação
elementar de baixo nível”, ponderou.
Na opinião de Ei-chi Negishi,
ganhador do Prêmio Nobel de Química de 2010, o Brasil é
muito promissor na área da ciência, e tem condições de ganhar
o seu primeiro Nobel. “A primeira vez em que o prêmio foi
concedido a um japonês foi em 1949, apenas quatro anos após
o país ser devastado pela Segunda Guerra Mundial”, comparou.
Segundo ele, a pesquisa em química cresce especialmente
rápido no Brasil. “Prova disso é o programa ESPCA, mantido
pela Fapesp. Fiquei muito entusiasmado com o formato do
evento. Acho que é o tipo de iniciativa que terá certamente
grande impacto no futuro desses jovens pesquisadores e do
país”, previu.
Na mesma linha, o também
Nobel de Química de 2005, Richard Schrock, considera que
os países emergentes, notadamente o Brasil, precisam seguir
investindo em ciência para chegarem a novas descobertas.
“Façam mais trabalhos, gastem mais dinheiro, façam mais
ciência, mais tecnologia. É isso que estamos procurando”,
recomendou.
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