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Plantas ‘dosam’ crescimento para
escapar do estresse em alagamento
Estudo pode ser útil em planos de manejo e de reintrodução de espécies

ISABEL GARDENAL

Estudos recentes têm avaliado os diferentes níveis de resistência de espécies arbóreas neotropicais ao estresse por alagamento do solo. A maioria das plantas tem problemas para manter o seu metabolismo nestas condições, pois os efeitos do alagamento são complexos, compreendendo desde a limitação na difusão de gases, danos mecânicos e até mesmo o aumento da suscetibilidade a doenças. Considerando que em regiões neotropicais existe uma diversidade de ecossistemas sujeitos a inundações, é fundamental que se conheça o comportamento ecofisiológico das plantas e as suas estratégias de sobrevivência.

Um estudo feito pela pesquisadora Viviane Camila de Oliveira no Instituto de Biologia (IB), orientado pelo docente Carlos Alfredo Joly, avaliou a variação de comportamentos de algumas espécies arbóreas da Mata Atlântica. Algumas delas foram consideradas sensíveis ao alagamento do solo, enquanto outras foram capazes de resistir e sobreviver durante seis meses nessa situação. Ao final, o trabalho apontou que as plantas usam como estratégia reduzir os gastos com o crescimento e investir em estruturas para escapar do estresse, garantindo sua sobrevivência.

Esse tipo de conhecimento, comenta ela, poderá auxiliar nos planos de manejo e reintrodução de espécies nativas, sobretudo em áreas sazonal e permanentemente alagáveis. No Brasil, a maioria dos estudos tem avaliado o comportamento de espécies nativas das planícies alagáveis da Amazônia Central e de Florestas de Galeria do interior do país, enquanto pouco avançou em termos de respostas de espécies da Floresta Atlântica.

As seis espécies arbóreas avaliadas pela bióloga são nativas da Floresta de Restinga do litoral norte do sudeste brasileiro. São elas Alchornea triplinervia, Eugenia umbelliflora, Nectandra oppositifolia, Gomidesia schaueriana, Guapira opposita e Guatteria gomeziana. No estudo, foram verificados os efeitos do alagamento do solo na sobrevivência, morfoanatomia, crescimento e fotossíntese de indivíduos juvenis destas seis espécies. “Procurei identificar as estratégias adaptativas que explicam a sua ocorrência na Floresta de Restinga inundável”, conta.

A Floresta de Restinga do Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar (município de Ubatuba, São Paulo), onde as espécies estudadas ocorrem naturalmente, está localizada em uma planície litorânea, sob cordões litorâneos regressivos, que são pequenas ondulações arenosas dispostas paralelamente à linha da praia, indicando que esta área foi fundo do mar no passado geológico, descreve a bióloga. Embora estas ondulações sejam de pequena amplitude, nos locais mais baixos (entre os cordões), ocorre o afloramento do lençol freático na estação com índice pluviométrico mais elevado, nos meses de verão. “A esse evento em que o solo está saturado hidricamente chamamos alagamento.”

O alagamento, explica ela, modifica parâmetros físicos, químicos e biológicos do solo. A água passa a ocupar os espaços entre os grãos que o compõem, antes ocupados por ar. Aos poucos, todo oxigênio para a respiração do sistema radicular das plantas e de microrganismos no solo é exaurido. Mudanças no pH e acúmulo de gás carbônico, metano e substâncias que podem ser tóxicas para as plantas, como o etanol, também estão entre essas alterações.

Na ausência do oxigênio, o sistema radicular produz moléculas de ATP (adenosina trifosfato) anaerobicamente, afirma a doutoranda, diminuindo a quantidade de energia para manter o metabolismo. Por isso, é comum ver a redução da atividade metabólica, da taxa fotossintética e do crescimento vegetal, além da queda de folhas e mesmo a morte da planta sob alagamento do solo.

Algumas espécies, no entanto, são capazes de resistir a esta condição. “O estresse imposto pelo alagamento do solo teve, ao longo do processo evolutivo, um caráter fortemente seletivo, representando uma importante limitação ao desenvolvimento vegetal”, diz Viviane de Oliveira.

Problema
As atividades da bióloga começaram com a coleta mensal de sementes de espécies arbóreas na Floresta de Restinga do Núcleo Picinguaba. Durante um ano e meio foram coletadas sementes e levadas ao Laboratório de Ecofisiologia Vegetal do IB, onde foram postas para germinar. Dos indivíduos gerados, foram identificadas as espécies e escolhidas aquelas para a pesquisa com base no valor de importância de cada uma.

Quando as plantas atingiram cerca de seis meses, foram separadas em dois tratamentos: o primeiro grupo continuou a ser regado diariamente (plantas não alagadas), enquanto o segundo grupo foi transferido para tanques e mantido com água sempre cerca de 3 cm acima do nível do solo (plantas alagadas).

Por seis meses, comenta a autora da tese, foi avaliado mensalmente o crescimento destas plantas, a taxa fotossintética, o aparecimento de sinais de estresse e a sobrevivência. “Após esse período, as plantas que sobreviveram foram retiradas dos tanques e foi acompanhada a sua recuperação por mais 15 dias.”

Ela verificou que todos os indivíduos submetidos ao alagamento tiveram sinais de injúria, como clorose e queda foliar, após algumas semanas. No entanto, apenas as espécies Guapira opposita e Guatteria gomeziana não conseguiram sobreviver a esse estresse, sendo classificadas como sensíveis ao alagamento.

Dentre as espécies sobreviventes, foram percebidas estratégias distintas para resistir ao estresse. Eugenia umbelliflora e Gomidesia schaueriana apresentaram uma redução do crescimento, que pode significar uma conservação de energia e carboidratos para garantir a sobrevivência dos indivíduos em condições desfavoráveis. A estratégia é denominada síndrome de quiescência à deficiência de oxigênio. Já Alchornea triplinervia e Nectandra oppositifolia mostraram uma estratégia mista porque, além da redução do crescimento, apresentaram alterações anatômicas que ajudam o sistema radicular a voltar a ter acesso ao oxigênio e eliminar compostos tóxicos.

A variação das respostas frente ao alagamento do solo reforça a noção de que os mecanismos de resistência não convergiram para uma só solução, ou seja, a estratégia de sucesso pode envolver uma combinação de adaptações morfológicas, anatômicas e metabólicas.

Outro resultado, que ainda deve ser melhor aprofundado, é que o período mais difícil para a planta pode ser aquele após a drenagem do solo, pois muitas injúrias severas ocorrem neste período, quando o estresse pelo alagamento do solo cede lugar ao estresse oxidativo, marcado pela formação excessiva de radicais livres.

Na Floresta de Restinga do Núcleo Picinguaba, o alagamento é uma condição muito comum. As características de inundação nesta Floresta (sazonalidade, intensidade e duração do alagamento), juntamente com as características do solo (elevada quantidade de areia, pobreza e acidez), fazem com que este seja um tipo peculiar de inundação. A somatória destas características cria uma complexidade de nichos e uma situação de estresse severo, por isso se espera que somente espécies bem adaptadas às condições da área consigam se estabelecer com sucesso, informa a bióloga. 

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Publicação
Tese: “Sobrevivência, morfoanatomia, crescimento e assimilação de carbono de seis espécies arbóreas neotropicais submetidas à saturação hídrica do solo”
Autora: Viviane Camila de Oliveira
Orientador: Carlos Alfredo Joly
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: Fapesp e CNPq
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Os muitos frutos do Biota

A pesquisa de Viviane de Oliveira está vinculada ao Projeto Temático Biota-Gradiente Funcional da Fapesp, que estuda desde 2005 a composição florística, estrutura e funcionamento da Floresta Ombrófila Densa dos Núcleos Picinguaba e Santa Virgínia do Parque Estadual da Serra do Mar, no Estado de São Paulo. Coube-lhe gerar informações a respeito das estratégias de espécies arbóreas tropicais da Floresta de Restinga do Núcleo Picinguaba, a fim de resistir ao alagamento.

Os seus resultados contribuem para uma previsão das respostas das plantas diante das condições ambientais. Entretanto, outros estudos em campo são importantes para que se saiba se estas potencialidades realmente são adotadas como estratégias sob condições naturais. “É nesse sentido que meu trabalho se insere no programa Biota-Fapesp”, situa a bióloga. Lançado em 1999, os objetivos ambiciosos do Programa Biota-Fapesp, define, são conhecer, mapear e analisar a biodiversidade do Estado, avaliar as chances de exploração sustentável de plantas e de animais com potencial econômico, além de subsidiar a formulação de políticas de conservação dos remanescentes florestais.

Em dez anos, são muitos os frutos do programa. Entre eles estão inúmeros projetos de pesquisa, mais de 500 novas espécies de plantas e animais identificadas, formação de mestres e doutores, publicação de mais de 700 artigos em periódicos científicos, 20 livros e dois atlas. Em 2009, a Fapesp renovou o apoio ao Programa Biota, aprovando seu plano de metas e objetivos para 2020.




 
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