O que é preciso
para chegar lá?
Três especialistas dão a receita
Abrir a universidade para o mundo significa aproximar as pessoas da ciência.
Mas qual é o melhor caminho para chegar lá? E como transpor
barreiras inerentes a esse processo? Na entrevista a seguir,
Ben Wildavsky, pesquisador da Kauffman Foundation (EUA);
o mexicano Francisco Marmolejo, diretor-executivo do Consórcio
para a Colaboração no Ensino Superior da América do Norte
(Conahec); e John Douglass, da Universidade da Califórnia
(Berkeley, EUA), falam sobre a internacionalização das
universidades ao redor do mundo, analisam o que é necessário
para o Brasil tornar-se uma liderança regional em ensino
superior e mostram como é possível fazer as universidades
latino-americanas serem mais reconhecidas no cenário internacional.
Jornal
da Unicamp – Por que as universidades latino-americanas dificilmente
se classificam entre as 200 melhores do mundo? Esse fato se
deve à metodologia de elaboração dos rankings internacionais
ou elas realmente estão muito atrás das universidades dos
países desenvolvidos?
Ben
Wildavsky – É uma boa pergunta. Não estudei a posição
exata das universidades do Brasil e de outros países da América
Latina nos rankings, por isso é difícil responder de maneira
muito específica. Obviamente, os rankings são diferentes entre
si. O ranking de Xangai foi criado como parte do esforço da
China para ter universidades de excelência. Os chineses pensaram:
se queremos ter boas universidades, precisamos saber onde
estamos e para onde devemos ir. É um ranking muito focado
em pesquisa e em áreas como ciência e engenharia.
De
maneira geral, uma universidade só se classifica bem nele
se sua massa crítica de pesquisadores for muito produtiva,
publicar artigos em periódicos revisados por pares e tiver
seu trabalho citado por outros pesquisadores. Algumas universidades
se saem muito melhor no ranking da Times Higher Education
[THE] do que no levantamento de Xangai. A metodologia do
ranking da THE mudou significativamente quando a revista
trocou de parceira [até 2009, a parceira da THE era a empresa
QS; em 2010, passou a ser a Thomson Reuters]. Eles fazem
um levantamento sobre a reputação das universidades e também
consideram elementos como publicações e gastos com pesquisa.
O foco é um pouco mais amplo.
Talvez
as universidades brasileiras fossem mais competitivas se
os rankings avaliassem departamentos
individualmente,
e não as instituições como um todo. É claro que também
seria bom se eles dessem mais ênfase ao ensino. Mas se
uma instituição
quer ser uma grande universidade de pesquisa, ela tem
de fazer pesquisa de qualidade em todas as suas áreas.
Não
basta ter uma ou duas pessoas muito boas. É preciso ter
uma massa
crítica de professores e pesquisadores muito talentosos.
Creio que essa é uma luta para muitos países em desenvolvimento.
Francisco
Marmolejo – Os rankings são, em certo sentido, um agregado arbitrário
de variáveis elaborado por alguém para comparar uma instituição
com outra. É assim com o ranking da Times Higher Education,
com o de Xangai e com outros levantamentos. O fato de haver
um agrupamento arbitrário de variáveis obviamente coloca
certas instituições em vantagem e outras em desvantagem,
e essa é uma das razões pelas quais as universidades da América
Latina se classificam tão mal.
A
outra razão tem a ver com o modelo de desenvolvimento que
prevaleceu nas universidades
latino-americanas durante praticamente os cem anos de
existência formal do sistema contemporâneo. É claro que não
se pode generalizar, mas em
muitos países privilegia-se um acesso relativamente limitado ao ensino superior,
como no caso brasileiro. O sistema latino-americano também costuma ter níveis
de financiamento menores que os dos países desenvolvidos e modelos de governança
muito orientados ao assembleísmo, o que dificulta a tomada de decisões nas
instituições. Além disso, as pressões demográficas são tão fortes na América
Latina que o desafio de construir mais universidades acaba sendo maior que
o de melhorar a qualidade das que já existem.
Há
outros dois elementos que considero complicados. Um é o fato
de o currículo das universidades
latino-americanas ser altamente profissionalizante, muito
rígido e ineficiente. Em outras palavras, provavelmente ensinamos coisas
que talvez já não sejam tão relevantes e não permitimos que o aluno construa
o
seu próprio portfólio de competências. Finalmente, os processos de internacionalização
das universidades latino-americanas são muito limitados e ainda ficam à
margem do processo educativo das instituições.
John
Douglass – Os rankings mundiais
têm uma forte tendência à análise de citações – que se inclinam
às ciências e à engenharia – e também à pesquisa de reputação.
Do meu ponto de vista, os levantamentos dizem algo sobre
a qualidade de muitas universidades, mas são muito mais uma
imagem incompleta e tendenciosa. Por exemplo, eles não medem
a importância das instituições para suas economias e culturas
nacionais, ou a qualidade de seu ensino, ou o moral de seus
professores ou estudantes, ou a habilidade de gerenciar de
maneira eficaz as universidades, o nível de liberdade acadêmica
e a abertura para discussão de problemas na sociedade.
As administrações não devem
concentrar-se na crescente variedade de rankings e querer
que as universidades sejam instituições emblemáticas. A universidade
brasileira está ganhando rapidamente na sua qualidade e eficácia,
em todas as áreas, em parte devido ao apoio contínuo dos governos
federal e estadual, mas também porque é crescente a percepção
de que o Brasil precisa de uma rede de qualidade nas universidades
de pesquisa, para o desenvolvimento econômico. Já há sinais
de um aumento da produtividade em pesquisa e de uma crescente
cultura focada em autoaproveitamento e correções para melhorar,
incluindo experimentações com o ensino geral.
Continua
nas páginas 6 e 7
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