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Pesquisas de ponta rompem fronteiras

Excelência de trabalhos da Unicamp alimenta conexões internacionais

Capaz de analisar qualquer tipo de superfície por meio da espectrometria de massa, a técnica denominada Easy Ambient Sonic-spray Ionization Mass Spectrometry (EASI-MS) ganhou destaque no cenário científico mundial por sua acurácia e instantaneidade de resultado e pela facilidade operacional. Enquanto tecnologias similares requerem recursos sofisticados, como laser, voltagem e temperatura altas, a EASI-MS é bastante simples, empregando água e etanol como spray de ionização em um espectrômetro de massa. Com ampla gama de aplicações, permite averiguar autenticidade e qualidade de matérias-primas diversas; descobrir falsificação de cédulas de diferentes moedas; identificar impressões digitais e determinar a idade de tintas para fins forenses, entre outras. Experimentos realizados com o método inovador resultaram em artigos publicados em periódicos internacionais como Analytical Chemistry e Journal of Forensic Science, da American Chemical Society, e The Analyst, da Royal Society of Chemistry.

A EASI-MS é produto do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. Sua concepção deu-se no momento em que o desenvolvimento de métodos de ionização convergia atenções da comunidade mundial de espectrometria de massas. Simultaneamente ao aparecimento das primeiras técnicas, o grupo da Unicamp apresentou sua revolucionária proposta de ionização direta de compostos a partir de suas matrizes originais, diferenciando-se por dispensar qualquer processo de preparação, extração ou dano das amostras. A repercussão da novidade foi estrondosa.

“Estávamos conectados às tendências das pesquisas de fronteira nesse tema e decidimos aproveitar o momento para propor também nossa técnica. Hoje, é uma das mais eficientes, a mais simples e faz um sucesso tremendo”, orgulha-se o professor Marcos Eberlin, coordenador do Laboratório Thomson.

Segundo ele, existem tópicos que assumem prioridades no contexto acadêmico mundial. Quem não está plugado perde irremediavelmente oportunidades de fazer história na ciência.

“Tínhamos todas as condições favoráveis para o desenvolvimento da pesquisa, como pessoal extremamente capacitado e equipamentos de ponta. Se não o fizéssemos, certamente algum outro centro avançado no mundo o teria feito. Mas saímos na frente”, comemora o docente, que é também membro fundador da Sociedade Internacional de Espectrometria de Massas.

A produção científica da equipe liderada por Eberlin brilha em eventos e em respeitadas publicações (é autor de cerca de 450 artigos, com 5,5 mil citações) e tornou a Unicamp referência mundial no campo da espectrometria de massas, onde ombreia com instituições de pesquisa sediadas nos EUA, na Alemanha, na França e na Inglaterra. Mas essa notoriedade não é prerrogativa de sua área: a excelência da ciência produzida pela Universidade – frequentemente responsável por feitos pioneiros – insere e mantém em evidência no circuito internacional vários outros de seus institutos e pesquisadores, conforme atestam o volume de artigos em periódicos indexados e o número de menções de suas descobertas em estudos conduzidos por colegas estrangeiros dos mais renomados centros de pesquisa.

“O prestígio advindo desse processo confere maior credibilidade aos nossos recursos humanos e isso se reflete na intensificação do fluxo de troca de conhecimentos, no aumento de possibilidades para intercâmbio de alunos e professores e na celebração de um maior número de acordos para pesquisas colaborativas”, lembra outro docente do IQ, Lauro Kubota, que acumula mais de 3,7 mil citações e aproximadamente 230 trabalhos acerca de seus estudos em eletroanálise, com ênfase no desenvolvimento de sensores e biossensores. “Esse conjunto de oportunidades, por sua vez, traz resultados que impactam nas pesquisas e colaboram para consolidar a inserção internacional da Universidade”, acentua Lauro, eleito este ano para a Academia Brasileira de Ciências.

Cartão de visita

Uma produção acadêmica de primeiríssima qualidade é um reluzente cartão de visita, capaz de abrir portas nas mais conceituadas instituições internacionais. A primazia proporciona inequívocos benefícios tanto para a carreira de quem usufrui da chance de passar temporadas nesses centros quanto para o avanço da ciência como um todo. Que o diga Aníbal Vercesi, professor titular de Bioquímica do Departamento de Patologia Clínica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Suas investigações, decisivas para a melhor compreensão das relações entre as atividades da mitocôndria – estrutura intracelular responsável pela retirada de energia dos alimentos e sua posterior conversão em energia utilizável pelas células – e a morte celular, começaram em seu pós-doutorado no laboratório do professor Albert Lehninger, na Johns Hopkins University (EUA), de 1976 a 1981.

“Era uma área em que praticamente ninguém atuava no Brasil. Não só voltei trabalhando nela, como formei cerca de meia dúzia de alunos que se tornaram expoentes com suas pesquisas”, ressalta Vercesi, graduado em Medicina e doutorado em Bioquímica, ambos pela Unicamp. “Todos os meus alunos foram fazer pós-doc no exterior sem dinheiro brasileiro, convidados por pesquisadores de instituições norte-americanas e europeias que estiveram em meu laboratório ou que conheceram nossos trabalhos em congressos. Esta é uma das vantagens de se desfrutar de trânsito internacional”, salienta o médico, considerado um dos brasileiros com maior impacto na ciência mundial, merecedor de mais de 5,5 mil citações. Um dos trabalhos que mais lhe deram notoriedade foi publicado na reverenciada Nature, em 1995, reconhecendo internacionalmente o pioneirismo de Aníbal e seus colaboradores em comprovar a geração de calor pela mitocôndria de plantas, por meio de uma proteína que se pensava existir exclusivamente nos mamíferos.

Segundo ele, o incomparável aprimoramento científico proporcionado a pesquisadores brasileiros por pós-doutorados em centros avançados no exterior talvez seja responsável, em grande parte, pelo salto qualitativo experimentado pela ciência brasileira nas duas últimas décadas.

Com ele concorda Amir Caldeira, professor titular do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, referência no meio acadêmico por suas pesquisas a respeito do efeito da dissipação em fenômenos quânticos em matéria condensada, em particular, em supercondutores e sistemas magnéticos. O seu trabalho de doutorado, desenvolvido na Universidade de Sussex (Inglaterra), de 1976 a 1980, e orientado por Anthony Leggett – Prêmio Nobel de Física em 2003 – sobre a aplicabilidade da mecânica quântica em variáveis macroscópicas de dispositivos supercondutores, tornou-se pioneiro em todo o desenvolvimento posterior no estudo de efeitos quânticos em sistemas macro ou mesoscópicos. De volta do Reino Unido, tornou-se docente da Unicamp e figura no ranking dos físicos brasileiros mais citados no exterior, com pouco menos de 6 mil referências na literatura especializada internacional. Possui 64 artigos publicados, entre os quais cinco importantes trabalhos no terreno da física quântica em dupla com Leggett.

“Fazer o pós-doutorado no exterior é, em minha opinião, fundamental e saudável”, afirma Amir, com a vivência de ter feito seu pós-doc no Institute for Theoretical Physics/Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, e no Thomas J. Watson Research Laboratory (IBM), em dois períodos distintos, em 1984, além de ter passado o sabático na Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, de 1994 a 1995. “No Brasil, há quem ache que como nós formamos doutores e pós-doutores, não é preciso mais mandar ninguém para fora, contudo, por melhor que seja o laboratório em que o pesquisador atue e por mais qualificado que seja o seu trabalho, passar dois anos em um centro de excelência lá fora abre horizontes, propicia extraordinária bagagem científica e cultural.” Para ele, a projeção internacional da instituição beneficia o incentivo dessa prática, ao mesmo tempo em que abre possibilidades de atração de docentes estrangeiros para colaborações na Universidade.

Desafios

No caso da Unicamp, nunca é demais enfatizar que suas peculiaridades como centro de ensino e pesquisa potencializam os resultados oriundos de suas conexões com o mundo e do trânsito internacional de sua massa crítica: como os docentes da graduação, em sua maioria, são os mesmos que pesquisam, há um repasse contínuo de informações e de conhecimentos novos consolidados a partir da evolução das pesquisas nos laboratórios, com evidentes reflexos na formação dos graduandos. E como parte considerável de seus alunos de pós-graduação é de profissionais já atuantes em suas universidades de origem, a Unicamp, ao qualificá-los, cumpre um papel singular no cenário das escolas de ensino superior – o de ser uma escola de escolas, o que ajuda a consolidar academicamente outras instituições.

Lembrando que, historicamente, a Unicamp já nasceu com vocação internacional devido ao grupo de professores com essa vivência que veio para a instituição em seus primórdios, os quatro docentes avaliam que a Universidade encontra-se em um momento especialmente propício para fortalecer seu diálogo com o exterior.

“A nossa produção científica aumentou e se qualificou, e temos vários cursos de pós-graduação com nível de excelência”, observa Aníbal Vercesi. Ele declara ainda perceber um crescente interesse pelo Brasil no panorama científico internacional capaz de ajudar a instituição na consecução daquele propósito.

O quarteto, porém, é unânime em apontar a necessidade de superação de importantes gargalos, como dificuldades burocráticas, administrativas, estruturais, financeiras, culturais e linguísticas, que impedem a instituição de galgar os degraus rumo a uma internacionalização plena. Trata-se do desafio de resolver, em uma instituição com perfil acadêmico heterogêneo, questões tão polêmicas quanto cruciais – como a absorção de docentes estrangeiros e a adoção de uma língua universal em sala de aula – para a implantação de um projeto com a magnitude defendida pelo grupo.

Além de ser condição imprescindível para poder continuar projetando a Universidade no futuro, a maior internacionalização, conforme argumenta Lauro Kubota, é também o caminho para a manutenção e o fortalecimento do papel de liderança que a Universidade reconhecidamente adquiriu em muitas áreas do conhecimento em pouco mais de quatro décadas de existência.

“Para permanecer no topo, a Unicamp precisará ter a capacidade de atrair, cada vez mais, as melhores cabeças, entre professores e alunos, estejam aqui ou lá fora. Isso é o que, no futuro, vai assegurar a qualidade da formação oferecida pela instituição e a competitividade das pesquisas que a tornaram conhecida e respeitada até agora”, pondera o cientista.

 



 
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