‘As melhores universidades do mundo
estão procurando os melhores talentos’
JU
– Processos mais fortes de internacionalização ajudariam
as universidades latino-americanas a serem mais reconhecidas
e respeitadas no cenário internacional?
Ben
Wildavsky – Sem dúvida. Muitos países entenderam, e os
formuladores de políticas entenderam,
que a competição
para as universidades não é só local, nacional ou regional
– é global. De certa forma, o mesmo tipo de globalização
que chegou ao mundo dos negócios e da cultura também
chegou ao mundo do ensino superior. Houve um aumento muito
grande
na colaboração científica internacional. O número de
artigos coassinados por professores de países diferentes
mais que
dobrou nos últimos 20 anos.
Na Idade Média, quando as
primeiras universidades ocidentais foram criadas em cidades
como Paris, Bolonha e Oxford, já havia estudantes que viajavam
de um lugar para outro. Mas agora a globalização está ocorrendo
em uma escala jamais vista na história. Há 3 milhões de
alunos estudando fora de seus países de origem, o que representa
um aumento de 57% em apenas uma década. Em 2025, haverá
cerca de 8 milhões. As melhores universidades do mundo estão
procurando os melhores talentos onde quer que possam encontrá-los.
Países de todos os continentes já perceberam que o capital
humano é essencial para o crescimento econômico.
Muitos estão tentando aumentar o acesso ao ensino superior
— o que, pelo que sei, é uma preocupação do Brasil. Outros,
como China, Coreia do Sul e Arábia Saudita, estão investindo
na criação de universidades de excelência — talvez porque
não queiram enviar seus alunos para estudar no exterior.
Na Arábia Saudita, o rei Abdulla investiu US$ 10 milhões
na criação da Universidade Rei Abdulla de Ciência e Tecnologia
[Kaust, na sigla em inglês], a sexta maior doação já feita
no mundo.
Francisco Marmolejo – Sem dúvida. O que a internacionalização faz é abrir a universidade
para o mundo e aproximar o mundo da universidade –duas
necessidades enormes no caso latino-americano. Internacionalizar
a universidade significa revisar o currículo para ver quais
conteúdos são relevantes não mais em um contexto local,
mas em um contexto internacional. Implica atrair professores
de fora, mandar docentes para o exterior e propiciar maior
mobilidade aos alunos para que eles possam entender melhor
o mundo complicado em que vão trabalhar. Implica, ainda,
que a universidade comece a comparar-se mais com seus pares
internacionais. Afinal, trata-se de um processo de alinhamento
da universidade com as novas necessidades que o mundo globalizado
está nos apresentando.
John Douglass – O essencial é
uma cultura de autoaperfeiçoamento e gestão capaz, com
amplos recursos financeiros. Mas há muitos outros fatores
para criar instituições de melhor qualidade, incluindo
a liberdade acadêmica e, eu diria, sociedades que sejam
democráticas e abertas em sua natureza. Sou otimista em
relação às universidades no Brasil e à força crescente
de instituições como Unicamp e USP.
A
liberdade acadêmica e um senso de necessidade de qualidade
na abordagem da
maior parte dos campos do conhecimento
são fortes aqui. A estabilidade política e o empenho
de recursos, como no Estado de São Paulo para suas universidades,
são fundamentais. Essas condições são corretas, penso
eu,
para as universidades brasileiras ganharem reconhecimento
internacional e, mais importante, para o desenvolvimento
econômico e a sua respectiva promoção da mobilidade socioeconômica.
JU – De acordo com o Global Survey Report on Internationalization
of Higher Education, divulgado recentemente pela International
Association of Universities (IAU), a América Latina e o
Caribe não são considerados destinos prioritários para o
envio de alunos e professores por instituições de nenhuma
parte do mundo – nem mesmo por instituições latino-americanas
e caribenhas. Como o senhor vê esse fato
Francisco Marmolejo – É um chamado
de atenção tanto para as universidades latino-americanas como para as autoridades
educativas. O estudo foi conduzido com universidades.
Ou seja: foram as universidades da América Latina que
disseram
que sua primeira prioridade para internacionalização
do ponto de vista geográfico era a Europa, depois a
América do Norte e só então a própria América Latina.
Por
um lado, parecemos não nos importar muito com a internacionalização
dentro da região; por outro, também
é preocupante o fato
de a América Latina não ser prioridade para as demais
regiões do mundo. Deveríamos, como região, fazer
esforços mais
sérios para promover as universidades latino-americanas
e para alinhá-las com o resto do mundo.
John Douglass –
O Brasil está na iminência de estar numa posição muito melhor
mundialmente, e o caráter internacional de suas universidades
será um componente importante para que isso aconteça. Mas
é necessário que os legisladores alterem uma infinidade
de obstáculos legais e culturais que tornam a internacionalização
extremamente difícil.
Isso
significa haver maior liberdade para ministrar cursos em
inglês, políticas de vistos menos restritivas
e esforços
mais evidentes para atrair talentos de todo o mundo –
com opções para eles ficarem e ajudarem a construir essas
instituições
e contribuírem para a sociedade brasileira.
É
necessária também uma gama de serviços, entre os quais
alojamentos
para estudantes e visitantes, e centros para
ajudar a atrair e apoiar os visitantes internacionais.
Isso está apenas começando a surgir nas universidades
brasileiras e eu espero que se torne algo muito importante.
JU – O que o Brasil deveria fazer para tornar-se
uma liderança regional como a China já se tornou na região
Ásia-Pacífico no que diz respeito à atração de professores
e estudantes?
Ben Wildavsky
– Não quero parecer presunçoso porque não conheço muito
sobre o Brasil. Mas, de maneira geral, um país não pode
simplesmente declarar que de agora em diante é um líder
regional. Ele precisa saber quais são as suas forças e oferecer
algo que as pessoas desejem para chegar a essa posição.
Se
há muita gente interessada em estudar engenharia biomédica,
um país que já tenha certa competência
nessa área pode
melhorar seus programas de pós-graduação, modernizar
seus laboratórios, contratar mais professores e pesquisadores
e então começar a recrutar alunos estrangeiros. Isso
é
um exemplo. Em outros casos, pode ser que falte apenas
ampliar a visibilidade do país no exterior.
Francisco Marmolejo – Não pretendo
ditar receitas ao Brasil, pois meu conhecimento a respeito
do país é relativamente limitado, mas considero que vocês
têm ao mesmo tempo uma enorme oportunidade e uma enorme
responsabilidade. O fato de o Brasil ter-se tornado a power
house da América Latina e uma das economias mais importantes
do mundo obrigam-no a refletir seriamente sobre como ampliar
o acesso à educação superior com equidade – há coisas muito
interessantes sendo feitas no país – e como atender às
necessidades de internacionalizar o currículo, aumentar
o intercâmbio de professores e alunos e garantir que estes
últimos dominem um segundo idioma ao final de seus estudos
universitários.
O
Brasil tem condições para tornar-se um líder regional –
algumas de suas universidades, como a
de Campinas, são
de alta qualidade e apresentam produção científica invejável.
O que falta é o desejo, a intenção de fazê-lo.
John Douglass – Isso está na minha
resposta anterior, mas eu gostaria de acrescentar que as
abordagens pan-regionais, como na Europa, e em padrões
emergentes na Ásia, dão ao Brasil e a toda América do Sul
modelos nos quais se basear. Isso inclui a busca pelo alinhamento
de seus requisitos, os acordos sobre intercâmbio de estudantes
e professores, e talvez até mesmo o desenvolvimento eventual
de uma zona de pesquisa pan-latino-americana.
JU – Especialistas brasileiros e estrangeiros costumam
apontar a questão da língua como uma das principais barreiras
para a vinda de professores e alunos do exterior para o
Brasil. O senhor concorda com essa opinião?
Ben
Wildavsky – O inglês realmente tornou-se a língua do mundo
acadêmico. Essa não é uma questão em
aberto. O diretor
da Universidade Sciences Po, da França, disse-me certa
vez que uma instituição tem de operar em inglês se quiser
ser globalizada. Não tenho a pretensão de dizer como
vocês devem agir, mas de fato é difícil conseguir que um
grande
número de pessoas aprenda português para lecionar ou
estudar no Brasil.
Embora
isto não signifique que vocês devam abandonar sua língua
nativa, é importante estimular
seus professores
a publicar em inglês e garantir que seus alunos tenham
um bom conhecimento de inglês para que possam fazer
parte da comunidade internacional de pesquisa. Fora das
fronteiras
nacionais, a língua usada é o inglês. Talvez seja o
chinês daqui a 50 anos, mas tenho minhas dúvidas.
Francisco Marmolejo – Os países
que mais atraem alunos são aqueles que oferecem cursos
em inglês. Embora não gostemos, isso é uma realidade. O
inglês converteu-se na língua franca do mundo contemporâneo
em termos acadêmicos. Creio que o Brasil deveria oferecer
mais cursos universitários em inglês – não digo cursos
de inglês, mas cursos em inglês.
Ao mesmo tempo, deveria
vincular mais o trabalho de universidades como a de Campinas
ao de instituições parceiras no exterior para que se fortaleçam
os programas internacionais de ensino de português. Isso
faria aumentar o interesse dos estudantes estrangeiros em
aprender português e, consequentemente, em vir para o Brasil.
John Douglass – Infelizmente,
sim, eu concordo. Os líderes do governo e da comunidade
universitária precisam trabalhar juntos, e olhar para as
reformas e os esforços dos concorrentes globais, para criar
um regime de diplomacia diferente. Sei que isso pode ser
difícil, já que a cultura do Brasil continua fortemente
regional e conservadora. Mas acredito que isso deva ser
mudado. A questão é com qual rapidez.
JU – Dentre os mais de 200 pesquisadores estrangeiros
que mandaram currículos para a Unicamp entre outubro de
2009 e outubro de 2010, apenas dois ou três eram portugueses
e nenhum tinha interesse em assuntos muito particulares
do Brasil, como música ou cultura brasileira. A maioria
era das áreas biomédica, tecnológica ou das ciências exatas,
e muitos estavam vinculados a instituições de prestígio
nos Estados Unidos e na Europa. Como o senhor vê esses resultados?
Ben Wildavsky – Esses resultados
mostram que vocês são capazes de atrair pessoas de outras
partes do mundo. Vocês receberam mais de 200 currículos.
Se o inglês fosse sua principal língua de instrução, talvez
recebessem mais de 2 mil. Atrair professores de fora é
uma ideia excelente.
Mas
é preciso também procurar bons alunos no exterior, principalmente
de pós-graduação. As
universidades dos Estados
Unidos tornaram-se ímãs para estudantes do mundo inteiro.
Em muitos departamentos, de 60% a 65% dos alunos de doutorado
são estrangeiros. Isso é muito importante porque ajuda
a disseminar o conhecimento. Ao voltar para seus países
de origem, esses alunos continuarão a colaborar com a
instituição onde estudaram.
Na
verdade, para ser competitiva no mundo globalizado, uma
universidade de pesquisa precisa
recrutar alunos
e professores internacionalmente, mas também precisa
enviar
alunos para outros países, estimular a participação
de seus professores em conferências no exterior e encorajar
a formação de parcerias com instituições estrangeiras.
Sozinha, nenhuma dessas ações é uma bala de prata.
Francisco Marmolejo – O Brasil
é o país da moda no mundo e o país da esperança na América
Latina. Meu país, o México, já foi visto por essa perspectiva
– hoje não é mais. A falta de segurança, a vinculação do
narcotráfico à economia e a altíssima dependência em relação
à economia norte-americana – muito positiva nos momentos
de boom econômico, mas prejudicial nos momentos de crise
–, entre outros elementos, levaram o México a enfrentar
desafios complicados nos dias de hoje que também afetam
as instituições de ensino superior.
O
Brasil felizmente não tem esse tipo de problema. O país
está crescendo e
sua economia é diversificada. Enfim, há
uma série de aspectos que fazem as estrelas estarem alinhadas
para o Brasil. O país precisa aproveitar esse momento
histórico antes que haja alguma mudança. Tomara que a situação
atual
perdure, mas é impossível prever o que vai acontecer.
John Douglass – Isto é, em parte,
reflexo do enorme crescimento da ciência e da engenharia,
sentido entre os docentes nestas áreas de maior mobilidade
e apoio financeiro. Talvez também mostre o fato de que
o mundo está apenas começando a entender o aumento da importância
e vitalidade cultural do Brasil e da América do Sul em
geral.
Mas
existem caminhos para melhorar a atratividade dos professores
e alunos para virem ao Brasil, também no
campo das ciências
sociais e humanas. Isso exige maior determinação por
parte das universidades brasileiras, para criar um ambiente
mais
propício e investir recursos.