|
Os gargalos no setor de software
Economista desenvolve
metodologia que mede impactos da atividade no país
A
política de software no Brasil vive um momento bastante favorável
com o boom na sua indústria, iniciado em 2000, e vem vislumbrando
novas formas de expansão no mercado. Avançou em relação às
políticas que a precederam, mas ainda peleja com limitações
na compatibilidade entre a estrutura de oferta de recursos
humanos (RH) e o crescimento da indústria, e a necessidade
de se aumentar o porte das empresas locais. Nos próximos anos,
a tendência é que o modelo brasileiro continue crescendo e
exportando, desde que superados esses gargalos. “Temos um
modelo próprio nessa política e os profissionais que forem
para a área de software farão ótimo negócio. É emprego garantido
e com bons salários, melhores do que a média do mercado”,
constata o economista Antonio Carlos Diegues Junior, em sua
pesquisa de doutorado defendida no Instituto de Economia (IE).
O pesquisador – orientado pelos professores Paulo Sérgio Fracalanza,
do IE, e Wilson Suzigan, do Instituto de Geociências – desenvolveu
uma metodologia que mede a atividade de software no Brasil
realizada fora do setor de software (dimensão secundária).
Nela os profissionais, embora atuando em questões sobre o
software, estão realizando este trabalho fora do setor. A
dimensão primária diz respeito ao próprio setor. A pesquisa
de Diegues ocorreu entre 2007 e 2010.
Nessa metodologia estima-se,
indiretamente via mercado de trabalho, as receitas com software
em empresas localizadas fora do setor de software. Para tal,
analistas de sistemas, engenheiros da computação e cientistas
da computação, entre outras ocupações, são identificadas na
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), verificando-se,
depois, onde eles estão. Após diversos cálculos, é projetado
um valor de referência, que é o quanto cada uma dessas ocupações
gera de receita por ano.
Antes de ser aplicada na tese,
a metodologia foi explanada à coordenação nacional do Softex,
a representantes da indústria, no Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e em seminários acadêmicos.
Foram consultados especialistas e a metodologia passou por
dois anos de refinamento, visando explicar, sob critérios
científicos rigorosos, como se faz essa medição. Já está sendo
usada pelo Observatório Softex, unidade de estudos e pesquisas
que prospecta a indústria.
O economista analisou o vigor
da indústria nacional, que cresce muito, tem gerado dinamismo
tecnológico e é uma das mais relevantes no paradigma tecnoeconômico.
A indústria brasileira de software está entre as dez maiores
do mundo. Por ela ser destaque, a tese avalia o seu histórico
e as políticas que levaram à concepção de um modelo diferente
dos países avançados e periféricos em desenvolvimento,
como Índia e Irlanda.
Segundo Diegues, o modelo brasileiro tem como trunfo a sua
política industrial, fomentada por capacitações locais
que, associadas a uma estrutura produtiva, podem levar a uma
inserção e ao desenvolvimento de uma indústria mais dinâmica,
com maior autonomia financeira e tecnológica.
O pesquisador informa que
esmiuçou a dimensão internacional dessa indústria e que, apesar
da inserção externa ser uma fonte de dinamismo que não deve
ser desprezada, ela não deve ser compreendida como o único
objetivo da política industrial para o setor. É o que os modelos
indiano e irlandês fazem. Integram redes de produção, exportando
partes de software e executando tarefas de menor complexidade.
Fazem a codificação, os testes, o empacotamento, a tradução
e as atividades mais rotineiras. “O modelo deles exporta muito,
mantém pouco vínculo com o mercado interno e faz atividades
mais rotineiras. Isso gera emprego, renda e crescimento, entretanto
não dá autonomia, admite Diegues, pois tal modelo está preso
a redes globais com comando hierarquizado, que delega aos
países tarefas menos qualificadas.
Discute-se acentuar esse dinamismo,
o crescimento da indústria e o tamanho do reconhecimento internacional.
Uma das conclusões é que o Brasil não pretende seguir este
caminho. Na verdade, ele tem uma indústria de software mais
avançada que a Índia e a Irlanda. “Conseguimos fazer produtos
mais densos, inovadores e com um maior grau de autonomia tecnológica.
Estamos exportando cada vez mais, contudo no nosso modelo
a base é o mercado doméstico. A lógica é que, fazendo dentro,
alcançaremos produtos melhores e poderemos aumentar nossas
possibilidades de uma inserção relativamente mais autônoma
nessas redes”, depreende Diegues.
Prospecção
Algumas tendências prospectivas
– as possibilidades de avanço da indústria – foram estudadas
por Diegues. A primeira é a sua participação nas redes globais
de produção e desenvolvimento de software. “A tese não advoga
que isso deva ser o modelo da indústria brasileira. Pelo contrário,
nosso modelo é baseado no mercado interno para ganhar corpo,
tecnologia e capacidade para competir em novos patamares.”
A segunda e a terceira estão
ligadas ao aumento da difusão das tecnologias da informação
e comunicação na sociedade. Isso representa ter computador
para todos e aumento substancial da banda larga: fixa e móvel.
Com estes dois fenômenos, cresce o potencial de mercado pelo
simples fato de que muita gente não tinha computador e acesso
à internet e agora passa a ter. Muitos compram computador
hoje no Brasil – cerca de 10 milhões de unidades ao ano, sem
contar a banda larga, que continua se expandindo.
Se as pessoas têm acesso à
banda larga, refere Diegues, elas utilizam a internet de outra
forma, o que amplia as oportunidades de desenvolver tecnologias
e expandir o mercado, com novas mídias e conteúdos. Fato é
que, para o comércio eletrônico, apenas participa dele quem
tem banda larga. Já criou-se um potencial novo de mercado.
Outras tendências no estudo
se ligaram mais à criação de aplicativos e conteúdos. Ocorre
que hoje em dia é muito difícil distinguir o que é software
e o que é conteúdo. “O Google é uma empresa de software ou
de publicidade?”, questiona. A fonte da receita é publicidade,
no entanto ela é uma empresa de software. Já a sua base é
a tecnologia, responde.
Esses aplicativos e conteúdos
estão disponíveis na TV Digital e na nova geração de celulares.
“A TV Digital propicia interatividade e desenvolvimento de
aplicativos que podem ser feitos também por empresas de software.
A fronteira entre o conteúdo e o software é tênue”, expõe
o pesquisador. O Brasil, recorda, tem empresas experientes
em conteúdo, como as Organizações Globo, com padrão técnico
reconhecido mundialmente.
Já os celulares de última
geração são conectados à internet e têm conexão rápida, também
permitindo outros aplicativos. No Japão, é comum assistir
a novelas no celular, por se passar mais tempo diante dele
do que da TV. “Só que essa novela não é a mesma pela questão
da imagem e do conforto visual. É outro nicho. As cenas são
mais curtas. A forma de filmar é outra”, reflete o economista.
“TV Digital e novos celulares,
ampliação de banda larga e de computadores, e um movimento
de concentração no setor de software para gestão empresarial
no Brasil, todas estas são potenciais fontes de dinamismo
para a indústria brasileira de software”, enfatiza Diegues.
Onde estão os profissionais
Diegues constatou que a
indústria de software faturou no Brasil em 2007 cerca de
R$66 bilhões, sendo que R$27,5 bilhões estavam fora do setor
e R$38,5 bilhões no setor. No país, havia no período 370
mil pessoas empregadas no setor (dimensão primária) e 270
mil produzindo software fora do setor (dimensão secundária).
Essa indústria emprega ao todo 640 mil trabalhadores. Não
significa que haja poucos recursos humanos aqui. A estrutura
de oferta não é compatível com a pujança atual. Outra deficiência
apontada por Diegues é o porte das empresas locais. “Nossas
empresas são pequenas quando comparadas às concorrentes.
A ideia é aumentar, concentrar e fazer empresas maiores
para competir pesado no mercado internacional e internamente”,
realça o pesquisador.
Na dimensão secundária,
os profissionais são encontrados comumente nos serviços
prestados à empresa, na área financeira, no governo e na
administração pública. Estão ainda presentes em telecomunicações,
P&D, comércio atacadista e varejista, e educação. Esses
dados da pesquisa basearam-se em informações do IBGE e da
Rais (Relação Anual das Informações Sociais).
Apanhado
histórico
- A primeira etapa, chamada reserva
de mercado, é constituída pelas fases de prospecção
e capacitação, de 1972 a 1978, e de Constituição, de
1979 a 1992. Percebe-se o valor da construção de uma
indústria nacional de informática. Criam-se capacitações
e uma indústria de informática. Insuficiências: os instrumentos
têm baixo grau de seletividade. É difícil formar grupos
fortes e que se internacionalizem. Os produtos nacionais
têm uma pior relação de desempenho.
- A segunda etapa, de 1993 a 2002,
é de consolidação e autonomização da indústria de informática.
Muda a forma de protecionismo com a instituição da Lei
de Informática. É mantido um conjunto mínimo de atividades
produtivas. Atraem-se laboratórios e centros de pesquisa
para o país. Insuficiências: os benefícios das leis
e políticas de incentivos não têm ligação direta com
as empresas de software. Há baixo desempenho exportador
e dificuldade de que o investimento das multinacionais
em P&D transborde para as empresas locais.
- A terceira etapa, de políticas públicas,
começa em 2003. O diagnóstico é que a indústria, não
obstante conceber produtos de alta experimentação e
capacitação tecnológica, tem baixo reconhecimento internacional
e pequeno porte. As empresas devem se centralizar e
rumar para o exterior. O software é apoiado diretamente.
São produzidos instrumentos de financiamento para as
necessidades do software. Reformula-se a política de
financiamento de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação
(PD&I). O país consegue certa internacionalização.
Insuficiências: o Estado não usa o seu poder de compras
públicas; há limitação de RH.
|
Capítulo
de livro
DIEGUES JÚNIOR, A.C.; ROSELINO, J.E. Estimativa
do valor referente às atividades de software e serviços
de TI realizadas na NIBSS. In: Observatório Softex
– Software e Serviços de TI: A Indústria Brasileira
em Perspectiva. Campinas, 2009.
Publicação:
Tese de Doutorado: “Atividades de software
no Brasil: dinâmica concorrencial, política industrial
e desenvolvimento”
Autor: Antonio Carlos Diegues Júnior
Orientador: Paulo Sérgio Fracalanza
Coorientador: Wilson Suzigan (IG)
Financiamento: Capes |
|
|