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Processo ‘limpa’ águas residuais

Ensaios feitos por docentes e aluna dispensam uso de produtos químicos

O professor José Gilberto Dalfré Filho mostra equipamento em laboratório da FEC: simulando a ação da cavitação e a erosão em superfícies em curto espaço de tempo (Foto: Antonio Scarpinetti) A deterioração progressiva e crescente da água potável provocada pela atividade industrial, pela expansão e desenvolvimento agrícola e pelo aumento do esgoto doméstico decorrente do adensamento populacional, constitui preocupação constante e é tema recorrente nas sociedades modernas. A desinfecção das águas e a eliminação de substâncias nocivas residuais tornaram-se questões de saúde pública e têm implicações na preservação dos ecossistemas.

Essa desinfecção é normalmente feita com a utilização de produtos químicos. Este fato sugere que os desenvolvimentos de processos para esse fim estejam afetos aos químicos e engenheiros químicos. Por isso, causa inicialmente estranheza que esse estudo esteja na agenda do Laboratório de Hidráulica e Mecânica dos Fluidos da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), da Unicamp.

Foi a desinfecção das águas residuais que efetivamente propôs o professor José Gilberto Dalfré Filho, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, em colaboração com a professora Ana Inés Borri Genovez em trabalho que tem também a participação da aluna de iniciação científica Maiara Pereira Assis, graduanda do curso superior de tecnologia em Saneamento Ambiental e Controle Ambiental, da Faculdade de Tecnologia da Unicamp, em Limeira.

A estranheza se desfaz com a informação de que se trata de um processo físico de desinfecção e não químico e que, portanto, não leva à formação de outros compostos tóxicos como pode ocorrer nos tratamentos com cloro, que originam organoclorados, criando mais problemas para o meio ambiente.

Para realização do trabalho, o pesquisador adaptou um equipamento tipo jato cavitante, que consome menos energia quando comparado a outros que geram cavitação. Segundo ele, os ensaios realizados em laboratório permitem concluir que o jato cavitante é adequado para a desinfecção de água e permite vislumbrar a possibilidade de sua utilização em larga escala. Embora parte dos ensaios esteja em andamento, os estudos se orientam na destruição de microorganismos e na degradação de moléculas orgânicas, a exemplo das constituintes dos corantes, descartados em efluentes industriais.

O início

A professora Ana Inés Borri Genovez, que colaborou nas pesquisas: complexo, estudo exige abordagem multidisciplinar (Foto: Antonio Scarpinetti)O professor Dalfré valoriza o caminhar pelo seu significado e até por razões sentimentais. De início, lembra que o pai, um tio e posteriormente o irmão, também cursaram engenharia civil na Unicamp. Durante a graduação dedicou-se à iniciação científica, já sob orientação da professora Ana, quando estudou a erosão de superfícies submetidas à ação de mistura de água e sólidos. Esse tipo de erosão ocorre, por exemplo, em vertedores de barragens de concreto em que circulam as águas de rios que carreiam sólidos. Diante da constatação de que a erosão dessas superfícies era muito mais danosa quando provocada pelo fenômeno da cavitação, dedicou-se no mestrado a simular seus efeitos em laboratório.

Ainda com a mesma orientadora, continuou o trabalho no doutorado, porque muitos detalhes aguardavam esclarecimentos e parâmetros de ensaios precisavam ser devidamente calibrados. “Nesta fase ampliei os estudos e cheguei a mais detalhes sobre a natureza da cavitação, de como simular a erosão e a determinar a resistência das superfícies. A partir daí, me ocorreu a ideia de aproveitar as pressões geradas na cavitação para romper e consequentemente destruir microrganismos, como se estes recebessem uma pancada. Trata-se, portanto, de um processo puramente mecânico. Depois do pós-doutorado, mostrei a viabilidade do projeto à Fapesp, que se dispôs a financiá-lo”, explicou.

O pesquisador faz questão de enfatizar a natureza do trabalho desenvolvido, que serve de exemplo de como uma pesquisa pode levar a outra. Lembra que durante a graduação não vislumbrava a possibilidade que veio a se desvendar: “Cursando uma disciplina, sou levado à iniciação científica, que me desperta para outro processo. Durante esse novo estudo, olho mais adiante e vejo uma utilidade que vai além do que eu imaginara inicialmente e que poderia trazer ganhos para a sociedade. O processo desenvolvido permite eliminar no tratamento de águas o uso de substâncias químicas que geram produtos que podem ser nocivos ao ambiente e às pessoas”.

Jato cavitante

Dalfré conta que, durante a pós-graduação, verificou que o equipamento tipo jato cavitante poderia ser muito interessante por permitir simular a ação da cavitação e a erosão em superfícies em um tempo bastante curto, se fossem utilizadas altas velocidades de jatos líquidos e altas pressões. Ele explica que a cavitação corresponde à formação de bolhas em um líquido, a exemplo do que ocorre durante a ebulição que se inicia quando a pressão de vapor do líquido se iguala com a pressão atmosférica. A formação de cavidades ou bolhas dentro do líquido – a cavitação – verifica-se quando, à temperatura constante e por ação de um mecanismo determinado, ocorre brusca queda da pressão no interior de um líquido de forma a igualar-se à pressão de vapor.

Mas o importante no processo, para o pesquisador, é o rompimento dessas bolhas quando, mais adiante, as pressões se normalizam. Na região da implosão das bolhas, as pressões geradas são de grande magnitude, ultrapassando estimados 70 giga Pascal. Pela recorrência e intensidade do fenômeno, as implosões provocam erosão nas superfícies próximas. É o que acontece em estruturas hidráulicas. Durante o mestrado e o doutorado, ele se preocupou em verificar a resistência de diferentes superfícies à ação da cavitação. Daí surgiu a necessidade de desenvolver um equipamento que simulasse a cavitação e permitisse medir a resistência de materiais frente a essa ação.

Maiara Pereira Assis, aluna de iniciação científica: desinfecção de microorganismo utilizando bactérias Escherichia coli (Foto: Antonio Scarpinetti)Durante esses estudos, ele foi levado a se perguntar: por que não utilizar as altas pressões geradas na implosão das bolhas na desinfecção de águas, destruindo os microorganismos. Com base na aparelhagem, ele explica que no reservatório de desinfecção formam-se bolhas quando da queda da pressão de vapor do líquido. Com um aparelho que tem capacidade de produzir pressões de mais de mil metros de coluna d’água, a água pressurizada é impulsionada por meio de uma tubulação que na saída tem um bocal com um orifício estreito. Ao passar pelo bocal, a velocidade do líquido injetado aumenta para mais de cem metros por segundo e a pressão se reduz muito. Com o aumento da velocidade e a redução da pressão a magnitudes adequadas, surge a cavitação.

Dalfré esclarece ainda que dentro do recipiente existe uma região de altas tensões de contato, de alto cisalhamento, ou seja, de grande atrito. É aquela em que a água parada que se encontra no recipiente entra em contato com a água que sai do bocal a mais de cem metros por segundo. Nessa região de contato são formados vórtices, que são verdadeiros redemoinhos. Quando as bolhas existentes no líquido são capturadas nestes vórtices, aumentam de tamanho por causa da baixa pressão que encontram, destruindo os redemoinhos e, em seguida, implodem. É quando se verificam dois fenômenos recorrentes: geração de pressões estimadas em mais de 70 giga Pascal, suficientes para danificar quaisquer materiais, e a formação de micro jatos, com velocidades maiores do que 100 metros por segundo. “Uma bactéria que estiver nessa região de ocorrência vai ser morta, a pancadas”, diz ele, com humor.

Esse efeito pode ser utilizado para destruir bactérias e outros organismos patogênicos e degradar moléculas, que dão origem a outras menores. Maiara lembra que nas simulações estudaram a desinfecção de microorganismo utilizando bactérias Escherichia coli, por constituírem organismos mais simples que os protozoários. A professora Ana afirma que para a degradação de compostos orgânicos o estudo mostra-se muito mais complexo e exige uma abordagem multidisciplinar em que atuem químicos, biólogos, sanitaristas.

As pesquisas permitem calibrar as condições de máxima eficiência, ou seja, a definição dos parâmetros em que se consegue o menor tempo de desinfecção em termos de pressão aplicada e velocidade do jato resultante, levando em conta a contaminação por bactérias Echerichia coli. Os ensaios microbiológicos para verificar o poder do fenômeno na desinfecção estão sendo desenvolvidos com o auxílio da equipe do Laboratório de Saneamento da FEC. Na sequência serão submetidos a ensaio outros tipos de microorganismos. No trabalho com moléculas encontra-se em andamento a simulação com o azul de metileno.

Dalfré esclarece que nas pesquisas de laboratório são utilizados cerca de 40 litros de água. O emprego do processo em efluentes ou estações de tratamento de águas exigirá estudo para determinar as condições de viabilidade. Maiara destaca que, na indústria, o tratamento de resíduos é feito nas próprias etapas em que são gerados e com isso evita-se seu acúmulo no efluente final. O processo em questão pode ser utilizado tanto nas várias etapas de uma produção industrial como no descarte final.


 
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