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Pequenos mimos, grandes alianças
Historiadora encontra
e identifica presentes dados
e recebidos por Nassau em negociações políticas
João Maurício de Nassau, Mavritivs Nassaviae (latim),
Johan Maurits van Nassau-Siegen (neerlandês), Johann Moritz
von Nassau-Siegen (alemão), ou Maurício de Nassau. Foi com
este último nome que o conde holandês ficou conhecido no Brasil,
em 1637, ao chegar acompanhado de um grupo de artistas e cientistas
empenhados em explorar e reunir dados sobre a biodiversidade
e os hábitos brasileiros. Assim também foi chamado pelos nativos
com quem conseguiu estabelecer aliança política a partir da
troca de presentes e se tornar o governador geral do Brasil
holandês de 1637 a 1644. Nassau (1604-1679) reuniu os presentes
em uma coleção formada por objetos tradicionais, pinturas
e animais brasileiros, além de uma história natural do Brasil
levantada pelos cientistas que o acompanharam. Até aí a história
já havia sido contada em vários estudos, mas o que foi feito
desta coleção?
Estimulada por essa pergunta,
a historiadora Mariana Françozo criou sua própria expedição,
esta individual, para iluminar a importância dos objetos brasileiros
para a projeção do Brasil e da própria carreira política de
Nassau na Europa. A pesquisa de doutorado “De Olinda a Olanda:
Johan Maurits van Nassau e a circulação de objetos e saberes
no Atlântico holandês (século XVII)”,orientada pelo professor
John Manuel Monteiro, teve início na Holanda, onde Mariana
já havia feito intercâmbio. Entrevistas com historiadores
e visitas a museus mostraram que Nassau, considerado um grande
visionário por Mariana, usou o capital simbólico criado por
ele no Brasil para se colocar politicamente em lugar de destaque
quando voltasse à Europa. De posse de tantos objetos de valor,
organizou uma festa em sua casa, assim que voltou à Europa,
em 1644, para exibir o que tinha realizado em solo brasileiro.
Apesar de servir uma bebida com ervas brasileiras que não
agradou aos holandeses, as novidades favoreceram alianças
com nobres protestantes, entre eles um alemão, eleitor de
Brudemburgo, que o ajudou a ser nomeado príncipe do sacro-império
romano-germânico. Na sequência, recebeu o cargo de governador
de uma região na Alemanha.
A coleção de Nassau, na opinião
de Mariana, foi um marco nos processos históricos, políticos
e de troca cultural. A importância estratégica da troca de
presentes já foi percebida desde que um líder tapuia encontrou
pela primeira vez com Nassau. O indígena ofereceu-lhe objetos
feitos de penas coloridas, as quais tinham muita importância
para a Europa na época. Em troca, Nassau enviava vestimentas
aos indígenas. Agrados que, à luz das ciências sociais, podem
ajudar a entender que as relações políticas são mais intensas
que a história dos dominantes e dominados contada nos livros
escolares.
Com a coleção, Nassau foi
um dos responsáveis por construir a representação do Brasil
na Europa, pois quase tudo o que ele levou está lá até hoje,
seja na Holanda ou em outros países nos quais ela realizou
sua pesquisa de doutorado: Alemanha, França, Dinamarca e Estados
Unidos. Até mesmo o livro História Natural do Brasil foi totalmente
custeado por Nassau. A obra, de 1648, em que os cientistas
de sua expedição, entre os quais Guilherme Piso, catalogaram
centenas de espécies naturais, foi referência na Europa por
dois séculos. No conteúdo, desenhos de plantas, animais e
insetos. O livro serviu de base, no século 18, para o sueco
Lineu (1707-1778) fazer a classificação taxonômica das espécies,
pois era a única publicação na Europa de faunas e floras tropicais
organizadas, descritas e nomeadas. “A publicação também contribuiu
para difundir o Brasil na Europa. Outro livro encomendado
por ele reúne relatos dos oito anos de seu governo. A obra
foi lançada em latim e, dez anos depois, foi publicada uma
edição em alemão. “Foi uma maneira de divulgar seus feitos”.
A
grande contribuição da tese, segundo Mariana, é, a partir
do destino das coleções, mostrar como o conhecimento sobre
o Brasil foi construído na Europa. Ao se espalhar pelos países
visitados pela pesquisadora, a coleção contribui para a expansão
deste conhecimento no continente. Parte dela foi identificada
durante a expedição de Mariana. Entre os objetos, a pesquisadora
encontrou quatro cocos entalhados, com imagens de índios,
do brasão de Nassau e a vista do Recife, simbolizando a aliança.
Lindos e raros
A coleção é formada em parte
por presentes diplomáticos. “São presentes lindos e raros,
que materializam uma aliança”, conta Mariana. Ao visitar a
coleção etnográfica do Museu Nacional da Dinamarca, ela encontrou
obras do artista holandês Albert Eckhout, que acompanhou Nassau
no Brasil. Entre as pinturas, Homem Negro, que carrega na
cintura uma espada africana, Mulher Tupi, e Mulher Tapuia,
representando indígenas canibais, imagem que já era conhecida
na Europa, mas foi ainda mais difundida com a volta de Nassau
à Holanda. No mesmo acervo, a pesquisadora encontrou dois
mantos de penas vermelhas e uma espada africana com bainha
de pele de arraia.
Muitas vezes, o mesmo objeto
servia para selar vários compromissos políticos. Seguindo
sua expedição solitária, Mariana encontrou numa igreja protestante
em Siegen, na Alemanha, uma pia batismal de prata, feita no
Peru por volta de 1600, que ajudou a selar muitos compromissos
políticos. O objeto primeiramente foi dado a portugueses mercadores
de escravos que faziam o comércio entre a América espanhola
e a África. Estes comerciantes, porém, a levaram até o reino
do Congo, e lá o objeto ficou por um tempo. Em 1642, quando
o rei do Congo e Nassau estavam estabelecendo relações diplomáticas,
a pia foi enviada ao governante holandês.
Como retribuição, o rei do
Congo recebeu de Nassau um manto comprido, todo de seda, com
fímbrias de ouro e de prata, uma banda, um gibão de cetim
e um chapéu de pele de castor, com um cordão entretecido de
ouro e de prata.
Nem mesmo o calor cearense
fez com que os chefes indígenas Francisco Carajá e Amunijupitanga
rejeitassem os chapéus de pele de castor oferecidos pelo comandante
holandês Mathias Beck, depois da despedida de Nassau, que,
antes de partir, deu um chapéu destes ao rei do Congo, e outro
para o conde do Sonho, em 1642.
Interesse econômico
O
projeto de Nassau era visionário para o século 17, na opinião
de Mariana. Nenhum explorador teria feito anteriormente uma
viagem com uma equipe de artistas e cientistas para conhecer
amplamente a história de um país. Sua viagem tinha um interesse
econômico na produção de açúcar brasileira e vinha sendo idealizada
desde 1620, antes mesmo de ter conquistado os “agrados” dos
nativos. Tudo começou na Guerra dos 80 anos, em 1568, em que
a Holanda lutava por sua independência da Espanha, até então
líder do comércio de prata e açúcar. A proposta era atacar
as colônias da Espanha na América, entre elas o Brasil. A
separação também estava pautada na diferença religiosa: a
Holanda era protestante, e a Espanha, católica.
Nassau era empreendedor e
também devia ter seus interesses econômicos individuais.Aproveitou
a viagem para levar o máximo de informação sobre sua empreitada
no Brasil. Um dos 24 filhos de uma família da nobreza alemã,
ao chegar em Pernambuco, tratou logo de espalhar a notícia
sobre a coleção que estava montando. Prontamente, moradores
luso-brasileiros enviaram animais diferentes, plantas e qualquer
tipo de coisa que poderiam interessar.
Aproveitando que os indígenas
estavam há décadas em luta contra os portugueses, que queriam
lhes tomar o território, escravizavam e matavam, Nassau conseguiu
expandir o limite territorial do Brasil holandês e manter
equilíbrio entre muitas raças e unidade naquele lugar. Diante
disso, os indígenas viram na chegada dos holandeses uma estratégia
de aliança contra os portugueses, que também conseguiram aliados
nativos contra os comandados de Nassau.
“Ele não veio ao Brasil por
nada. Fazia parte da nobreza protestante europeia. E era costume
dos nobres que se queriam letrados fazer um tipo de coleção.
Já era estimulado, cresceu num espaço em que isso já era um
valor. Tratava-se de uma coisa importante”, reflete Mariana.
Para a autora, as pessoas
tendem a pensar a globalização como algo recente, mas a circulação
de pessoas de um lado a outro existe há séculos. “Os arquivos
holandeses que visitei estão cheios de histórias de funcionários
que trabalharam no Brasil holandês e depois foram para a África,
Ásia e voltaram para a Holanda com registros de memória. A
circulação de informações sobre o Brasil já era grande na
Holanda na época.”
Mariana
enfatiza que antes de Nassau pisar o Nordeste brasileiro,
existia uma imprensa atuante na Holanda do século 17, que
explorava este mundo da palavra escrita. Além disso, o grau
de alfabetização era alto para a época. Tudo era estimulado
pela conquista holandesa da época. A imprensa também trabalhava
na veiculação do andamento dessa empreitada dos holandeses
em colônias espanholas. Depois de Nassau, as notícias encontradas
por Mariana versam sobre o açúcar e sobre seus feitos como
governador geral do Brasil holandês, no sentido de domínio
colonial.
O entra e sai de naus nos
portos de Roterdã, Amsterdã e outras cidades despertava o
interesse por notícias de outros países na população predominante
urbana que acompanhava a chegada das embarcações. O grande
número de comerciantes naquele país fazia com que boa parte
da população soubesse ler, para poder registrar a entrada
e saída de mercadorias. Ademais, a reforma protestante também
estimulou o projeto de alfabetização de cidadãos holandeses.
Era o país com maior índice de alfabetização na Europa: enquanto
em outros países da Europa 10% das mulheres eram alfabetizadas,
na Holanda elas chegavam a 30%. Entre os homens, de 50% a
60% sabiam ler.
Segundo Mariana, alianças
políticas são recorrentes na história da humanidade desde
a expansão ultramarina. Sua tese contribui para mostrar que
sempre a conquista do povo de um outro lugar, seja no sentido
de explorar, como no império, ou na busca de projetos de cooperação,
como acontece hoje, depende de alianças. Ainda que elas envolvam
o chamado poder de barganha, o que seria equivalente nos dias
de hoje à troca de presentes. Aos estudantes mais jovens,
fica a mensagem de que a história política envolve aspectos
mais complexos que o fato de dominar e ser dominado. Como
os indígenas foram “dominados” pelos holandeses? Talvez a
coleção de Nassau, constituída de presentes trocados entre
um militar do império e líderes indígenas, responda a essa
pergunta.
Uma princesa que se enfeitava
com penas
Na
pequena cidade de Isselburg, noroeste da Alemanha, próximo
à fronteira com os Países Baixos e a 150 quilômetros
de Amsterdã, localiza-se o castelo de Wasserburg-Anholt.
De sua construção original – uma fortificação, isolada
por um fosso, feita para defender as terras da diocese
de Utrecht –, resta ainda hoje a torre, datada de 1169.
Propriedade dos descendentes de Philip Carl, 3º conde
de Salm (1619-1663), o castelo foi parcialmente destruído
durante a Segunda Guerra Mundial e, após reconstruções
que duraram 30 anos, foi transformado em um museu particular,
que abriga a coleção de arte da família.
Em sua passagem pelo castelo,
cuja visita começa pela biblioteca, a pesquisadora Mariana
Françozo foi surpreendida, em um dos cômodos, com um retrato
da princesa Sophie van de Palts (1630-1714), filha de
Frederik V, Eleitor Palatino (1596-1632), também conhecido
como Rei de Inverno, e de Elizabeth Stuart (1596-1662).
No quadro pintado por sua irmã, Louise Hollandine van
de Palts, a princesa usa uma indumentária pouco comum
às mulheres da época: vestido de cetim branco, um colar
de pérolas e um manto de penas vermelhas e amarelas, preso
por um broche na altura de seu ombro esquerdo. Na cabeça,
usa um ornamento também feito de penas vermelhas. Na mão
direita, a jovem leva uma lança. Ao fundo, uma paisagem
tropical. Como esses objetos teriam chegado até essas
jovens na época? A resposta para esta pergunta, na opinião
de Mariana, começa do outro lado do oceano Atlântico,
em 1637, quando Johan Maurits van Nassau-Siegen aportou
no Recife com o cargo de governador-geral da colônia neerlandesa
no Brasil.
Um filho
da aristocracia
Antes de realizar sua expedição ao
Brasil, Johan Maurits van Nassau-Siegen já havia feito
viagens de estudos. Afilhado do governador da Holanda,
Maurits van Oranje (1567-1625), o conde recebeu o nome
do padrinho como homenagem. Desde cedo foi educado segundo
o modelo aristocrático para ser um bom nobre e um bom
militar: Até os 10 anos de idade, Nassau viveu no castelo
da família, em Siegen, que comportava uma pequena corte
dentro de uma pequena cidade alemã. Ali, junto de dois
irmãos mais novos, ele começou a ser educado por dois
instrutores. Depois, seu pai, Jan VII, preocupado com
a educação dos filhos, fundou uma escola militar em
Siegen, destinada aos filhos da aristocracia e baseada
em uma disciplina militar rígida. “Não há prova específica
de que Nassau tenha frequentado esta escola, mas certamente
recebeu do pai lições sobre a conduta correta de um
oficial do exército”, explica Mariana.
A formação fora do âmbito doméstico
iniciou-se em 1614, quando Nassau, acompanhado de um
tutor, viajou até a cidade de Kassel, onde viviam sua
irmã Juliana e seu outro padrinho, o conde Moritz Von
Hesse-Kassel. Lá, Nassau juntou-se a dois filhos deste
casal e os três seguiram viagem até Basel, em cuja escola
estudariam por um ano. Além dos estudos em Basel, os
três jovens nobres também compartilharam uma viagem
formativa pelas cidades de Genebra, Estrasburgo, Bern,
Lausanne e Zurique – todas elas redutos do calvinismo
não-ortodoxo que as famílias Nassau e Hesse-Kassel praticavam.
Foi uma longa viagem por países distantes,
do tipo que costumava ser empreendida por jovens nobres,
desde o século XVI, como parte integrante de sua formação
como nobres cortesãos: conhecendo cidades distantes,
línguas diferentes e costumes incomuns, os jovens cavalheiros
aprenderiam sobre o mundo e a natureza humana e aperfeiçoariam
suas maneiras e suas habilidades. No caso da viagem
formativa de Nassau, segundo a pesquisadora, a escolha
de permanecer em ambientes de confissão protestante,
mas moderada, reflete os cuidados de seu pai e de seu
padrinho, cujos territórios seriam em seguida assolados
pela Guerra dos Trinta Anos.
A estada em Basel durou apenas um ano,
ao final do qual os três jovens retornaram a Kassel,
onde foram matriculados no Colegium Mauritianum, escola
fundada pelo conde de Hesse-Kassel que ocupava uma das
alas de seu castelo na cidade. Ali, Nassau estudou grego,
latim, francês, inglês, italiano, espanhol, teologia,
filosofia, matemática, ciências militares, medicina,
retórica, história, música, dança e combates, matérias
indispensáveis para a formação humanística abrangente
de um jovem nobre. O aumento de custos da escola fez
com que o pai chamasse Nassau de volta à cidade natal,
já contando com uma boa base de formação humanista.
Mas foi na Frislândia, norte da Holanda,
mais especificamente na cidade de Leeuwarden, que Nassau
intensificou seu treinamento militar com seu tio, o
governador daquela província, conde Willem Lodewijk
van Nassau (1560-1620). Em seguida, ingressou no exército
como alferes, no ano de 1620, e ali permaneceu por cerca
de dois anos, mesmo após o falecimento do tio. Foi neste
lugar que entrou em contato pela primeira vez com a
corte neerlandesa, muito menos ligada às ciências do
que aquela que frequentara em Kassel. Lá, durante 15
anos, Nassau-Siegen conseguiu subir na hierarquia do
exército graças a seus feitos: em 1626, foi promovido
a capitão; três anos mais tarde, tornou-se coronel.
Durante todos aqueles anos, lutou contra os espanhóis
na fronteira leste da República, cujas cidades alemãs
os católicos tentavam conquistar para entrar nos Países
Baixos.
Foi em 1636, na luta pela última cidade
alemã nesta fronteira, que Nassau alcançou fama nacional.
Nesta época, ele tinha 32 anos de idade uma sólida formação
humanista, ampla experiência, reconhecimento e fama
pelos seus feitos militares e, finalmente, algum capital
que recebera de herança com o do falecimento de seu
pai, em 1623, parte da qual usou para comprar um terreno
e construir sua casa em Haia. Neste contexto de possibilidades
em aberto, a oferta que lhe faria a Companhia das Índias
Ocidentais, naquele ano de 1636, seria irrecusável:
além de ser uma posição de destaque e muito bem recompensada
do ponto de vista econômico, como governador-geral da
colônia holandesa na América do Sul, Nassau poderia
colocar em prática os saberes militares e políticos,
bem como todo seu treinamento como nobre cortesão, que
havia acumulado até então.
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Publicação
Tese “De Olinda a Olanda: Johan Maurits van Nassau e
a circulação de objetos e saberes no Atlântico holandês
(século XVII)”
Autora: Mariana de Campos Françozo
Orientador: John Manuel Monteiro
Unidade: Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas (IFCH)
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