Embora
a taxa global da mortalidade de Campinas tenha decrescido
de forma importante nesta década, ela continua significativamente
superior no estrato de menor nível social da população.
O comentário foi feito pela médica sanitarista da Unicamp
Marilisa Berti Barros, coordenadora do Centro Colaborador
em Análise de Situação de Saúde (CCAS), com sede na Faculdade
de Ciências Médicas (FCM) da Universidade. Esta e outras
constatações foram obtidas de um monitoramento do CCAS que
avaliou o perfil sociodemográfico da mortalidade por grupos
etários e por causas específicas, analisando as taxas de
mortalidade infantil e da mortalidade por neoplasias, entre
outros indicadores. O trabalho comparou a mortalidade de
2000-2002 com a observada em 2006-2008, retratando o risco
de morte da população de Campinas, que em 2007 somava 1.050.000
habitantes.
Esses resultados acabam de ser publicados no Boletim Mortalidade
em Campinas no 44, elaborado por profissionais do Centro
Colaborador e disponível nos sites http://www.fcm.unicamp.br/centros/ccas/
e www.saude.campinas.sp.gov.br.
Na série de edições já publicadas em parceria com a Secretaria
Municipal de Saúde no âmbito do projeto de monitorização
dos óbitos no município de Campinas, este é o primeiro boletim
sobre “A tendência da desigualdade social na mortalidade”.
O monitoramento trabalhou com a questão da mortalidade
em termos de dados globais da população. Eles foram extraídos
das bases nacionais de informação, como o Sistema de Informações
sobre Mortalidade (SIM) e como o Sistema de Informações
de Nascidos Vivos (Sinasc), e de projeções populacionais
da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas. As edições
mais recentes do boletim trataram sobre a esperança de vida
em Campinas, a mortalidade infantil, a mortalidade segundo
gênero e a mortalidade pelos acidentes de trânsito.
Uma avaliação positiva salientada pela sanitarista foi
a redução significativa da desigualdade social na mortalidade
por homicídios entre os dois triênios analisados. O risco
de morrer por homicídio, que em 2000-2002 era 4,4 vezes
maior no segmento social mais desfavorecido, passou a ser
duas vezes maior entre 2006-2008.
Mesmo verificando um significativo declínio da mortalidade
por Aids em Campinas, o monitoramento detectou um ligeiro
aumento da desigualdade social na mortalidade por essa causa.
Apesar de a doença ainda ser foco de preocupação na saúde
pública, a explicação de Barros é que, como o risco de mortalidade
diminuiu mais no melhor nível socioeconômico (NSE), no qual
reduziu de 8,7 em 2002 para 4,9 por 100 mil habitantes em
2006-2008, a diferença com o segmento de pior nível social
ficou um pouco ampliada. As desigualdades sociais na mortalidade,
define, são provocadas por vários determinantes sociais
e são consideradas evitáveis e socialmente injustas.
De acordo com ela, o trabalho de monitoramento e de publicação
dos boletins visa situar melhor a tendência de determinados
riscos e causas de óbito no decorrer do tempo. “O nosso
grupo atualiza esses dados e acompanha as informações até
o último ano disponível.” Para definir os segmentos sociais,
informa, o grupo trabalhou com áreas da cidade consoante
ao nível socioeconômico: pior, médio e melhor. O pior nível
socioeconômico compreendeu as áreas sudoeste e sul do município;
o médio, a área leste e parte da central; e o melhor esteve
presente predominantemente em algumas áreas da região central
e norte do município.
Os
estratos socioeconômicos, elucida Barros, foram definidos
com base em indicadores obtidos de informações censitárias.
Ao colocar Campinas como foco de análise, avaliaram-se itens
como renda e escolaridade dos chefes das famílias. “Tais
estratos foram estipulados de forma que tivessem um terço
da população e fossem proporcionalmente do mesmo tamanho,
representativos dessas desigualdades”, esclarece a socióloga
Ana Paula Belon, que integra o grupo do CCAS.
Essa distribuição, explica, não tem a ver com os bairros
de Campinas e sim com a área de abrangência das unidades
básicas de saúde. “Fazemos um monitoramento da mortalidade,
o que equivale a acompanhar as suas tendências e verificar
as modificações nos perfis de causas e distribuição por
idade, por áreas de riscos de mortalidade em Campinas.”
Levantamento
O monitoramento comparou as mortes que acometem as populações
de três áreas ou estratos sociais da cidade. No estrato
social mais baixo, 31% (406.414) da população era formada
por crianças e jovens com idade inferior a 15 anos. No
estrato alto, esta proporção era menor – 18% (308.402).
Quando analisado o envelhecimento, notou-se que no estrato
alto 14% da população tinha 60 anos ou mais, enquanto
no estrato baixo, a população idosa representou minoria:
5%. Ao observar a escolaridade dos responsáveis pelos domicílios,
no estrato baixo os que tinham ensino superior representavam
somente 2,5%. No estrato alto, esse percentual saltava para
36,3%. “Esses dados ilustram as desigualdades espaciais
do município. É em relação aos estratos que são calculados
os níveis de mortalidade”, relata Belon.
Já o risco de morrer em qualquer faixa etária estudada,
refere Barros, mostrou-se maior entre as pessoas que moravam
nas áreas de pior nível socioeconômico. “E, dependendo da
faixa de idade, esse risco pode ser até duas vezes maior
no estrato de pior NSE. As maiores desigualdades são verificadas
no adulto jovem.”
Conforme a socióloga, a avaliação foi feita para cada tipo
de causa. No caso das doenças cerebrovaculares, exemplifica,
a taxa do risco de morrer foi 40% maior para as pessoas
que moravam nas regiões de pior nível, como o DIC I, o DIC
III e o Jardim Itatinga.
Não apenas as doenças infecciosas e parasitárias, mas também
as crônicas, tiveram uma maior incidência de mortes na população
de pior nível socioeconômico, sendo que as doenças crônicas
afetam mais fortemente a população idosa.
Por outro lado, lembra a sanitarista, para duas causas
de morte esta lógica foi visivelmente invertida, ou seja,
as pessoas que tinham melhor nível socioeconômico apresentaram
maior risco. Foram os casos da mortalidade por câncer de
mama e por câncer de cólon (intestino). “De resto, para
as demais localizações de câncer as mortes foram mais incidentes
na população de baixo nível socioeconômico”, descreve.
Uma justificativa, segundo Barros, é que as causas da mortalidade
estão associadas às condições de vida e ao estilo de vida
das pessoas. “Cada doença e tipo de câncer são provocados
por conjuntos de fatores de risco aos quais as pessoas estão
‘mais ou menos’ expostas, dependendo da sua posição social”,
expõe a sanitarista. Isso vale para a dieta, a atividade
física, os hábitos como tabagismo e a ingestão de bebida
alcoólica, o comportamento sexual, os cuidados gerais com
saúde e o acesso aos serviços de saúde. “Porém são vários
os fatores intervenientes e que podem ser causais.”
Motivo
de comemoração dos profissionais do Centro Colaborador foi
que o número de consultas pré-natais acabou praticamente
sendo o mesmo para os diferentes segmentos sociais. “Isso
significa que, no atendimento à gestante, está sendo atingida
maior equidade em Campinas”, afirma. “É o SUS que, por meio
da rede pública, garante maior acesso da população carente
ao conjunto dos exames diagnósticos necessários para o cuidado
e o tratamento.”
Para o câncer do colo do útero, notou-se uma redução significativa
da desigualdade social, sobretudo graças à ampliação da
cobertura de exames de Papanicolaou. “Agora, não estamos
falando que a qualidade seja a mesma”, ressalva a sanitarista.
Diante desses dados, opina, um grande desafio do poder público
será monitorar os programas implantados e procurar avaliar
a qualidade dos serviços.
Vigilância
Barros revela que desde a década de 90 atua na área de
vigilância dos óbitos da cidade, sempre na Unicamp. Ela
relata que felizmente nunca houve interrupção desse trabalho
em todas as gestões municipais e que as informações obtidas
em geral são divulgadas para a rede pública, unidades básicas,
imprensa, profissionais da saúde e gestores.
Com a análise e a divulgação dos dados, o objetivo é que
as informações sejam progressivamente incorporadas às práticas
e aos planejamentos dos gestores. De um certo modo, revela
ela, esse aporte de conhecimento traz também elementos de
avaliação. “Se percebemos que há uma redução da desigualdade,
isso significa que o SUS naquele programa está trabalhando
bem e na direção correta.”
O monitoramento conduzido pelo CCAS está intrinsecamente
ligado à epidemiologia, disciplina básica da saúde pública
que se volta para a compreensão do processo saúde-doença
das populações, aspecto que a diferencia da clínica, que
tem por objetivo o estudo desse mesmo processo, mas em termos
individuais.