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Setor atacadista supera crise, renova
estratégias e ganha fatias do mercado
Inserção do
segmento no circuito inferior
da economia urbana é tema de tese
O
crescimento das grandes redes de supermercado a partir da
abertura da economia no final da década de 1980, com
sua própria logística para abastecimento de
estoque, parecia levar ao fracasso a atividade atacadista.
Mas, depois de um período de crise, pela falta de condições
de imprimir um ritmo rápido de reposição
de estoque, os atacadistas demonstram pertinência e
demarcam território com a inovação de
suas próprias estratégias, atendendo, em sua
maioria, o circuito inferior da economia urbana, que sobrevive
em bairros, ruas, quintais, garagens, terminais rodoviários,
praças e outras localidades nem sempre de privilégio
como aquelas ocupadas pelo circuito superior. A pertinência
deste setor recebeu análise do geógrafo Marcos
Xavier em sua pesquisa de doutorado "Os elos entre os
circuitos da economia urbana brasileira no atual período.
Os atacadistas distribuidores e seu papel intermediador",
orientada pelo professor Ricardo Abid Castillo.
Diante do fato de que o processo de crescimento
econômico e a modernização tecnológica
não conseguiriam atender igualmente todos os habitantes
das cidades brasileiras, os atacadistas se organizaram de
forma a atender ao pequeno comércio de bairro do circuito
inferior, beneficiado pelo aumento do consumo da população
de baixa renda, consequência do aumento do salário
mínimo, dos programas sociais como o Bolsa Família
e da estabilidade da moeda, segundo o pesquisador. Adotando
uma nova logística, possibilitada pela expansão
cada vez mais rápida das novas tecnologias da informação,
muitos atacadistas passaram a comercializar diretamente produtos
similares aos encontrados nas grandes redes, por preços
acessíveis à população de menor
renda. "Eles intensificam as atividades. Também
adotam estratégias inusitadas como a de lançar
produtos que levam suas marcas", acrescenta Xavier.
Outra inovação pontuada pelo
geógrafo é a administração de
redes de supermercados por atacadistas nas quais a gestão
de pequenos estabelecimentos traz vantagens para o setor,
garantindo um mercado cativo, segundo o pesquisador. A capacitação
do varejo está entre as novas atividades permitidas
dentro do processo de modernização. "Eles
oferecem cursos com o objetivo de profissionalizar e dotar
de maior racionalidade o varejo", explica.
Uma das grandes sacadas dos atacadistas foi
saber elaborar uma organização logística
capaz de se adequar aos novos comportamentos do consumo urbano
que tem apresentado um processo de expansão social
e territorial. A estabilidade da moeda cumpre papel significativo
nesses novos comportamentos. "As pessoas não precisam
mais correr no início do mês ao mercado e realizar
grandes compras para garantir preço baixo, pois sabem
que os produtos não vão subir várias
vezes ao dia como acontecia antes do Plano Real [1994]",
explica. Os novos modos de vida também impedem que
a pessoa tenha tempo de sair de sua casa para comprar em grandes
supermercados, dada a localização desses estabelecimentos,
geralmente nas margens de grandes avenidas e rodovias. "A
rotina faz com que elas acabem consumindo no próprio
bairro".
Xavier explica que a fragmentação
geográfica da produção e a necessidade
de uma rápida reposição de estoques com
maior frequência e segundo prazos cada vez mais curtos,
tanto na indústria quanto no varejo, tornam a busca
pela maior fluidez da circulação uma imposição
para a sobrevivência das empresas na medida em que a
abertura da economia impôs uma maior competitividade.
Diante disso, as empresas passaram a dar mais importância
às atividades destinadas ao planejamento, ao controle
e à gestão dos fluxos da logística de
distribuição. Mas, atentos a isso, os atacadistas
passam a exercer papel significativo na intermediação
entre a indústria e o pequeno varejo.
Dedicado à análise geográfica,
o autor da tese acompanhou a rotina de atacadistas e concluiu
que as modernizações do atacado brasileiro acompanham
um novo arranjo dos circuitos espaciais da produção,
possibilitando uma maior vida de relações entre
as cidades, o que contribui para o curto-circuito das redes
urbanas regionais. "A reposição é
feita de forma muito rápida. Eles são capazes
de repor pequenos lotes de produtos como cinco frascos de
desodorante, por exemplo, em 24 horas, em um pequeno mercado
de bairro", explica. Tais modernizações,
segundo o geógrafo, envolvem o ganho de eficácia
nas operações logísticas por meio da
adoção de novas tecnologias, métodos
organizacionais e novas relações de cooperação,
sobretudo, com o pequeno varejo por intermédio da prestação
de diversos serviços e pela gestão de redes
de negócios que reafirmam seu papel de elo entre os
dois circuitos da economia urbana brasileira.
Regionalização
De
acordo com Xavier, os comportamentos de consumo são
regionalizados, o que favorece atacadistas de médio
porte de alcance regional que têm um saber significativo
sobre a parcela do território em que atuam, segundo
o pesquisador. "Eles têm conhecimento dos mercados
regionais e usam essas informações para se aliarem
a grandes indústrias, principalmente no Nordeste e
Norte do Brasil".
Em Uberlândia, Minas Gerais, existe
um pólo atacadista, formado por grandes grupos do setor
distribuidor. Esses grandes grupos, segundo ele, foram os
primeiros a correr atrás da adoção de
tecnologias da informação, agilizando os processos
de realização dos pedidos. Estes grupos focaram
na eficácia das operações, na estratégia
de marketing, na prestação de serviço,
buscando desfazer a imagem de meros atravessadores, de acordo
com Xavier. "Eles ampliaram suas frotas e modernizaram
seus centros de produção para estocagem e armazenamento",
acrescenta.
Para Xavier, o território explica o
papel que o atacadista ainda pode cumprir. Ele enfatiza que,
ao trabalharem com produtos de alto giro e menor valor agregado,
os atacadistas distribuidores de mercearia básica continuam
a ser um intermediador necessário, ainda que novas
formas organizacionais da produção, do varejo
e da distribuição possam criar canais mais curtos.
Ele salienta que a expansão das modernizações,
incluindo a do consumo, tem se dado de forma seletiva e de
acordo com as características de cada lugar que compõe
o território. "Isso exige uma distribuição
capilar numa área de grande abrangência, que
deve vencer longas extensões reduzindo a distância
relativa (como tempo empírico) entre os lugares",
explica.
Está nas mãos do atacado, a
garantia de maior alcance de mercado para as empresas industriais
do circuito superior e, sobretudo, do circuito superior marginal
da economia. O pesquisador acrescenta que, ao permitir este
maior alcance, os atacadistas exercem função
significativa na concorrência entre elas nos diversos
pontos de venda. Isso permite que empresas de menor capital
e tecnologia cubram mercados rejeitados pelas grandes, seja
por opção ou por falta de capacidade de atender.
O atacado também tem papel importante
na sobrevivência e na expansão do pequeno varejo
do circuito inferior, crescente nas periferias das grandes
metrópoles e em diversos centros urbanos em todas as
regiões do país, especialmente nas regiões
Norte e Nordeste, onde grande parte dos consumidores dispõe
de poucos recursos financeiros.
Xavier lembra que esta população
de baixa renda, hoje, com a ação dos atacadistas,
também está incluída na expansão
territorial do consumo. "Um consumo que, alimentado pelo
efeito-demonstração exercido, sobretudo, pela
televisão brasileira, reduz a demanda por produtos
locais, garantindo a crescente presença nacional das
marcas líderes e que também fomenta a produção
de produtos similares segundo uma modernização
imitativa realizada com menores recursos pelas empresas regionais
do circuito superior marginal", conclui.
O pesquisador ressalta que a distribuição das
mercadorias é condição indispensável
para a sobrevivência das atividades de fabricação
e que as grandes empresas atacadistas buscam manter sua permanência
no seio das cadeias de suprimento que configuram os diferentes
circuitos espaciais produtivos coexistentes no território
nacional por meio da transfiguração de sua função.
Porém, não basta fazer as mercadorias circularem.
Para o pesquisador, os atacadistas conseguiram realizar essa
tarefa agregando um valor associado à eficácia
com que ela é realizada. "Dessa forma, a aposta
na otimização da logística de distribuição
tem sido considerada uma questão central para as empresas
atacadistas que, diferentemente do período de alta
inflação, quando seus ganhos eram provenientes
de práticas usurárias, passaram a ter na qualidade
de suas operações a justificativa para sua manutenção
e a garantia para a obtenção de seus lucros",
ressalta.
Publicação
Tese: "Os elos entre os circuitos
da economia urbana brasileira no atual período. Os
atacadistas distribuidores e seu papel intermediador"
Autor: Marcos Xavier
Orientador: Ricardo Abid Castillo
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
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