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Música
ao vivo no cinema. Quem não gostaria? Pois era assim
no cinema mudo brasileiro, antes de chegar o cinema sonoro,
no qual há a sincronia de imagem, fala e música.
De acordo com a pesquisadora Márcia Carvalho, o cinema
brasileiro sempre foi acompanhado com música popular.
Alguns compositores, como Caetano Veloso, Chico Buarque e
Radamés Gnattali, como autores de várias músicas.
Segundo Márcia, Gnatalli, que começou a carreira
no cinema como "pianeiro" em produções
de Porto Alegre e Rio de Janeiro, na década de 1930,
participou da trilha de filmes como Argila (1940), de Humberto
Mauro, Rio, 40 graus (1954), de Nelson Pereira dos Santos
e A falecida (1964), de Leon Hirszman, e produziu até
a década de 1980, com a música de Eles não
usam Black-tie, também de Hirszman. Dentro do universo
musical, a radialista Márcia optou por pesquisar a
trajetória da canção na música
brasileira para sua tese "A canção popular
na história do cinema brasileiro", investigando
o diálogo entre a produção musical e
a produção cinematográfica brasileira
a partir do mapeamento da presença da canção
popular na história do cinema brasileiro. A tese teve
orientação do professor Claudiney Carrasco,
do Instituto de Artes (IA) da Unicamp.
Mas quando Caetano, Chico e Gnattali ganharam
as salas de exibição, mestres como Ernesto Nazaré,
Pixinguinha e Ari Barroso já haviam marcado presença
indispensável na sala de espera do cinema mudo, no
início do século 20, para atrair público,
ou no breu da sala de exibição, fazendo ao vivo
a trilha sonora dos filmes. Era neste momento que a música
popular brasileira, ainda que de maneira artesanal, anunciava
o que viria a ser a trilha sonora no cinema brasileiro. De
acordo com Márcia, enredos e imagens das primeiras
obras cinematográficas exibidas no Brasil sugerem a
possibilidade de acompanhamento musical desde Dança
de um baiano, de 1899, e Maxixe de outro mundo, de 1900.
No
material referente às primeiras aparições
da canção no cinema nacional, a pesquisadora
encontrou uma variedade de filmes que documentaram o carnaval,
no Rio de Janeiro e em São Paulo e também em
outros estados. Elementos da Festa de Momo presentes nesses
filmes, mesmo sem som, mostram o interesse de pioneiros em
registrar o carnaval no Brasil. Como exemplo, a autora menciona
o documentário Carnaval na Avenida Central, de 1906.
O interesse pelo carnaval também se insere nos precursores
das comédias musicais, com o lançamento das
canções de cada ano, como A fita do Carnaval
(1909) ou Os três dias do carnaval paulista (1915) e
O carnaval cantado (1918). Este último, segundo a pesquisadora,
misturava as tradicionais cenas de bailes e grupos carnavalescos
com músicas de grande orquestra e algumas canções
populares.
Márcia enfatiza que nos 15 primeiros
anos de história fonográfica brasileira, predominavam
a repetição dos padrões fonográficos
internacionais com vozes operísticas e empostadas,
acompanhamentos orquestrais com cordas e metais e formas musicais
como trechos de operetas, modinhas solenes, valsas brejeiras
ou toadas sertanejas. Músicos como Eduardo das Neves,
Anacleto de Medeiros, Mário Pinheiro e Baiano gravavam
canções em paralelo à glória do
choro e do Teatro de Revista, que consolidavam o carnaval
e o samba como eixos da vida musical brasileira.
Outros nomes
Além de Mário Zan, que compôs
o tema para o filme Tristeza do Jeca, e os já mencionados
Caetano Veloso e Chico Buarque, outros nomes intensificaram
a presença da canção na filmografia da
década de 1960, entre eles Edu Lobo, Francis Hime,
Milton Nascimento, Roberto Menescal e Egberto Gismonti. Mas,
segundo Márcia, a grande mudança para a trilha
sonora do cinema brasileiro, durante os anos 1960, é
o surgimento de novas propostas com as primeiras experiências
com o gravador Nagra e as novas concepções de
trilhas musicais.
O som no cinema brasileiro, segundo a pesquisadora,
se transforma com os novos parâmetros do som direto
que, a partir de 1962, passou a ser utilizado de diversas
maneiras e em conjunto com as novas abordagens estéticas
do período, tanto no documentário quanto na
ficção. A partir de então, a voz e a
fala popular ganham nova força na produção
de documentários, entre os quais Arraial do cabo (1959),
Aruanda (1960), Maioria Absoluta e Integração
racial. Estes dois últimos, de 1963, foram considerados
os primeiros filmes diretos.
O curta Viramundo (1965), documentário
dirigido por Geraldo Sarno, surge apresentando a possibilidade
de "vozes múltiplas, falas diferenciadas",
incluindo a voz do locutor, do entrevistador e de entrevistados,
e até a voz de Capinam, letrista da canção
do filme. A canção nesta obra estava subordinada
ao fluxo dramático. As músicas dos filmes brasileiros
mais representativos dos anos 1960 e 1970 são pautadas
pelo abandono do padrão sinfônico/orquestral
e a execução da música por um número
menor de músicos, como foi o caso do cantor, compositor
e instrumentista Sérgio Ricardo com suas composições
e interpretações individuais para Deus e o diabo
na terra do sol, de 1964, e Terra em Transe, de 1967, ambos
de Glauber Rocha.
A
filmografia da década de 1960, segundo a pesquisadora,
é marcada pela utilização de gravações
já existentes, como a erudição de Villa-Lobos,
peças do jazz e canções populares, usados
na chanchada. Um bom exemplo de aproveitamento de gravações
na época citados pela pesquisadora é a inserção
de trechos das músicas "Dindi", de Antônio
Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira, na voz de Silvia Telles,
e "Samba de uma nota só", de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça, com João Gilberto,
no filme Os cafajestes (1962), de Ruy Guerra.
Na relação entre música
e cinema, na época, segundo a autora, destacam-se
como Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré e Carlos
Lyra, que, além de
integrar o movimento Bossa Nova, também participou
do Centro Popular de Cultura (CPC), compondo a música
"O subdesenvolvido", com letra de Francisco de Assis.
Entre os compositores que propunham uma reflexão política
em suas letras estava Edu Lobo, que tinha uma proposta calcada
no rural. Carlos Lyra fez as músicas dasproduções
Couro de gato (1961) e O padre e a moça (1966), dirigidos
por Joaquim Pedro de Andrade e de Gimba (1963), dirigido por
Flávio Rangel. A canção "Quem quiser
encontrar o amor", de 1961, de autoria de Carlos Lyra
e Geraldo Vandré, foi considerada um marco na tentativa
de criação de uma "bossa nova participante,
portadora de uma mensagem mais politizada".
A música instrumental nunca foi totalmente
abandonada pelos cineastas, mas a canção popular
passa a impulsionar títulos e narrativas de filmes.
A bossa nova, por exemplo, aparece em algumas narrativas como
na obra de Leon Hirszman, Garota de Ipanema (1968), inspirada
pela canção-título de autoria de Vinicius
de Moraes e Tom Jobim. O filme registra a primeira participação
cinematográfica de Chico Buarque, realizada com a canção
"Um chorinho". Além disso, conta também
com a colaboração do próprio Vinicius
de Moraes na elaboração do roteiro com sua poesia
em torno da mulher e do amor. Chico Buarque, Nara Leão,
Ronnie Von e MPB-4 aparecem no filme, acompanhados de uma
trilha sonora que vai desde a bossa nova ao iê-iê-iê,
passando pelas melosas canções norte-americanas
de sucesso na época.
Em contrapartida ao cinema que tentava entender
o golpe militar, as canções de Roberto Carlos
invadem as telas do cinema dentro e fora da produção
do Cinema Novo. Para diversificar o sucesso comercial, com
inspiração clara do novo estilo musical internacionalizado
pelos Beatles e pelo impacto do filme Os reis do iê-iê-iê
(A Hard Day´s Night, 1966), a Jovem Guarda e, em especial,
Roberto Carlos se envolvem em algumas aventuras cinematográficas.
As canções, neste caso, estão dentro
e fora da narrativa e apresentam, segundo a autora, uma narrativa
tímida quase como pretexto para a inserção
de números musicais.
Uma das referências do Cinema Novo,
também na década de 1960, Glauber Rocha atribuía
à música de suas produções uma
importância pouco usual. Em Deus e o diabo na terra
do sol (1964), ele articula em um só texto o messianismo
religioso e o cangaço no nordeste a partir da narrativa
e do uso de uma trilha musical que interfere e atua na construção
de sentido do filme. Glauber misturou canções
de cordel com a música de Villa Lobos, que, por sua
vez, também resgata elementos populares em seus estudos
e composições. Na obra Terra em transe, considerada
matriz estética do tropicalismo, a trilha musical dá
destaque a obras de Villa-Lobos, Giuseppe Verdi e Carlos Gomes,
alternadas com umbanda, samba, carnaval, jazz e bossa nova
cantarolada por Gal Costa.
O que já se anunciava na década
de 1960, a figura do compositor de música para cinema
quase desaparece na virada para os anos 1970, dando lugar
à inserção de canções já
existentes, principalmente em produções do chamado
Cinema Marginal. Um filme que merece destaque nesse contexto,
segundo Márcia, é O bandido da luz vermelha
(1968), de Rogério Sganzerla, em que o diretor assina
a sonoplastia com Edmar Agostinho. A trilha recorta vários
trechos curtos de música erudita com Beethoven e Carlos
Gomes, de música brega hispano-americana, de músicas
de ritual afro-brasileiro, músicas de outros filmes,
rock, além de música popular brasileira como
"Asa branca", de Luiz Gonzaga.
Brega e sertaneja
Já nos anos 1980, a música que
circula nas mídias é a romântica brega,
principalmente a sertaneja, que ao lado do rock convive com
a nova exploração de sonoridades eletrônicas.
Há também uma proliferação do
uso de sintetizadores, como nos filmes Anjos da noite (1986),
de Wilson Barros, com música original de Sérvulo
Augusto, e Feliz ano velho (1988), de Roberto Gervitz, com
composição e programação de Luiz
Xavier. Sempre presente na história do cinema nacional,
a música sertaneja aparece também no primeiro
longa-metragem sonorizado no Brasil: Acabaram-se os otários
(1929), de Luiz de Barros, em que Paraguassu (ou Paraguaçu),
no qual se cantou o samba sertanejo "Triste Caboclo".
O mesmo ritmo embalou a história da dupla Milionário
e José Rico, retratada em Estrada da vida (1980), de
Nelson Pereira dos Santos, e o longa-metragem de estréia
de André Klotzel, A marvada carne (1985), com trilha
musical assinada por Rogério Duprat e Passoca (Marco
Antônio Vilalba), que conta com a presença e
o canto de Tonico e Tinoco. Já o rock invadiu as telas
com Menino do rio (1981), de Antônio Calmon, com a participação
do cantor-ator Evandro Mesquita, vocalista do conjunto Blitz.
Na década de 1990, segundo Márcia,
a canção ganha novamente a atenção
do público e da crítica de cinema, invadindo
inúmeras comédias que configuram a tendência
de produção atrelada à televisão,
com o início da forte produção da Globo
Filmes, com destaque para o pioneiro Pequeno dicionário
amoroso (1996), de Sandra Wernek. Entretanto, para o debate
estético sobre música e cinema, evidencia-se
a interessante presença do movimento musical mangue-beat
no cinema, com a marcante canção "Sangue
de bairro", de Chico Science, em Baile Perfumado (1997),
de Lírio Ferreira e Paulo Caldas.
Nesta década, com a tecnologia digital,
a canção está presente em documentários
que apresentam um claro diálogo com a música,
dos quais, como exemplo, a pesquisadora destaca Paulinho da
Viola: Meu tempo é hoje (2003), com direção
de Izabel Jaguaribe; Vinicius (2005), com direção
de Miguel Faria Júnior. Entre outros mais recentes,
aparecem Simonal: Ninguém sabe o duro que dei (2008),
de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leals, e Lóki:
Arnaldo Baptista (2009), de Paulo Henrique Fontenelle, diretor
de programas do Canal Brasil.
Artigos
CARVALHO, Marcia ou SILVA, M. R. C. . A canção
popular no cinema brasileiro: os filmes cantantes, as comédias
musicais e as aventuras industriais da Cinédia, Atlântida
e Vera Cruz. Revista Universitária do Audiovisual,
v. 00, p. 01-03, 2008.
CARVALHO, Marcia ou SILVA, M. R. C. . Coisas da roça:
a música sertaneja no cinema brasileiro. BOCC. Biblioteca
On-line de Ciências da Comunicação, v.
1, p. 1-9, 2008.
CARVALHO, Marcia ou SILVA, M. R. C. . A trilha sonora do cinema:
Proposta para um 'ouvir' analítico. Caligrama (ECA/USP.
Online), v. 3, p. 1-16, 2007.
CARVALHO, Marcia ou SILVA, M. R. C. . A música
no cinema industrial dos anos 90. Revista AV, v. 3, p. 01-10,
2005.
Tese: "A canção popular
na história do cinema brasileiro"
Autora: Márcia Carvalho
Orientador: Claudiney Carrasco
Unidade: Instituto de Artes (IA)
Financiamento: Fapesp e CNPq
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