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Diversidade sob ameaça
Aquecimento põe
em risco flora da Serra Fina,
que integra o sistema da Mantiqueira
Pesquisa
defendida no Instituto de Biologia (IB) conclui que uma flora
muito diversa e pouco conhecida nas áreas de montanhas
do Sudeste brasileiro está sofrendo fortes ameaças
de extinção devido ao aumento da temperatura.
Foi o que apontou a tese de doutorado do biólogo Leonardo
Meireles, defendida no Instituto de Biologia (IB). O estudo
foi realizado na Serra Fina, que fica na divisa de três
estados: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro,
a região botânica mais conhecida do Brasil, que
tem uma extensão de 165 km2 e pertence ao sistema Serra
da Mantiqueira. A investigação faz um relato
biogeográfico dos últimos 20 mil anos da história
da vegetação do Sudeste, o que denota um outro
cenário climático e vegetacional onde florestas
poderiam ter sido menos extensas e os campos bem maiores do
que se observa hoje. "A vegetação respondeu
às mudanças climáticas pelo intenso resfriamento,
demonstrando o quanto ela é suscetível a essas
mudanças", constata o autor.
Outra conclusão foi que as florestas
do topo da Serra Fina, junto com as do topo da Serra da Mantiqueira,
apresentam alta similaridade com florestas de montanhas do
Sul do país. Este era um padrão fitogeográfico
não descrito para as florestas brasileiras, fato que
intrigou Meireles. Por que essa similaridade? "Modelamos
a distribuição geográfica dessas espécies
para visualizar se mudanças climáticas do quaternário,
o período mais recente da história da Terra,
poderiam explicar a configuração atual",
informa.
O pesquisador empregou algoritmos de modelagem
de distribuição geográfica de espécies
e projetou a sua distribuição potencial em cenários
climáticos mais frios. Notou que essas espécies
poderiam ter obtido, em eventos frios do último máximo
glacial (época de máxima extensão das
capas de gelo durante o último período glacial),
uma distribuição geográfica mais ampla
que hoje. Isso explicaria a conexão entre as floras
da região Sul e das terras de altitude do Sudeste.
Segundo Meireles, essa flora somente não
apresenta uma maior conectividade porque - desde o final do
pleistoceno (caracterizado pela extinção dos
grandes mamíferos) e início do holoceno (referente
aos últimos 11 mil anos) - houve um aumento da precipitação
e das temperaturas médias em relação
ao período frio anterior, estimulando o deslocamento
destas espécies para o topo das montanhas.
Caracterização
A pesquisa de Meireles abordou a composição
da flora da Serra Fina, que possui uma diversidade de vegetação
típica de alto de montanhas do Sudeste brasileiro.
É sabido que ela oculta um importante número
de espécies endêmicas, enfatiza ele, cuja distribuição
geográfica se limita a uma determinada área.
"Este conhecimento a respeito de sua distribuição
e do seu estado de conservação ainda é
mínimo", calcula.
O
seu objetivo foi caracterizar as espécies da vegetação
de altitude da Serra Fina, uma região sem coletas botânicas
até 1997, quando o escocês George Shepherd, orientador
da tese, passou por ali a serviço do projeto Flora
Fanerogâmica do Estado de São Paulo. Meireles
fez um levantamento de espécies da vegetação
dos campos de altitude e das florestas alto-montanas ou nebulares.
Para isso, foram coletadas cerca de 400 espécies que
ocorrem em altitudes superiores a 1.500 metros. São
áreas muito raras no país, nas quais encontram-se
essas espécies.
A descrição de quatro novas
espécies dessa área está em processo
de publicação: três provêm da família
Asteraceae - gênero Senecio, Baccharis e Chinolaena
(típico de montanhas da América do Sul); e outra
espécie é da família Symplocaceae, abundante
nas áreas de altitude do Sudeste. "As três
primeiras são ervas e, a última, arbusto",
explica o biólogo. Há ainda outras três
espécies que estão sendo pesquisadas e que circundam
a Pedra da Mina, revela o biólogo. "Estamos aguardando
para ver se estas são espécies novas. A descrição
será feita pelos especialistas das famílias."
Ocorre que a região da Serra Fina é
quase desconhecida e o que descobriu-se foi que, ao longo
dela, há muitas espécies com distribuição
geográfica restrita. "Vimos que outros atributos
deviam ser estudados em termos de conservação,
mormente quando a espécie tinha um único lugar
conhecido. Hoje é possível perceber que algumas
dessas espécies possuem populações um
pouco mais extensas, aumentando as changes para sua conservação.
Além disso, a descoberta de novas espécies confirma
o quanto se desconhece sobre a composição da
flora de montanhas do Estado de São Paulo", expõe
Meireles.
Shepherd comenta que essa região tem
sido muito procurada pelos montanhistas, visto que a Serra
Fina é vista como uma travessia de alta complexidade.
"É um verdadeiro desafio andar naquele relevo
escarpado".
Dentre as áreas de montanhas do Sudeste,
garante Meireles, certamente esta é a mais difícil
de praticar o montanhismo. Não há em outro lugar
o mesmo grupo de plantas e os mesmos tipos de mata. "A
vegetação dessa região é única
no Brasil", define o biólogo, mas as regiões
dos campos de altitudes têm sido comparadas aos Páramos,
vegetação típica do norte dos Andes.
"É uma história de plantas características
de altitudes bem elevadas da América do Sul. Antes
elas eram conhecidas apenas na região do Itatiaia,
onde têm havido mais pesquisas por causa de suas espécies
endêmicas."
Modelagem
Essa tese de doutorado reservou algumas surpresas
ao seu autor durante as análises. Os resultados diferiram
dos pressupostos originais e isso de certa forma teve estrita
ligação com o passado: muito do que se pode
constatar tem a ver com as mudanças climáticas
da época de glaciação, áreas de
excesso de geleiras no Hemisfério Norte, diferente
do Hemisfério Sul. Não obstante isso, o clima
mudou bastante nesta parte do Brasil. Em decorrência,
Meireles fez uma série de trabalhos com modelagem de
distribuição de espécies no computador
para verificar como teriam mudado no passado.
A situação climática
permitiu que essas espécies, hoje restritas ao topo
de montanhas, ocorressem em altitudes mais baixas, explicando
parte da similaridade dessas florestas com a vegetação
do Sul do país. "Toda flora de montanha do Sul
e Sudeste brasileiro, porém, tem vernizes associados
às áreas de maior altitude. Elas têm altas
semelhanças genéricas e é comum achar
espécies endêmicas realçando o valor de
cada cadeia montanhosa", pontua o pesquisador.
Shepherd
exemplifica a vegetação de Campinas no passado,
a qual, presume-se, ter sido diferente. "O que representa
ser uma área quase insignificante no topo das montanhas
provavelmente foi uma floresta muito maior e que ocupava uma
faixa mais visível do Sudeste, na época de clima
mais frio", crê Shepherd, embora isso ainda seja
discutível, pois não se sabe como foram as mudanças
em termos de pluviosidade. Além do mais, não
existe uma previsão exata de como teria mudado a distribuição.
Ao que tudo indica, estas florestas eram componentes fundamentais
da vegetação.
O mais importante para chegar próximo
disso, de acordo com o botânico, são os estudos
de pólen fossilizados. Eles dizem que tipo de vegetação
ocorria nos lugares no passado. Esta seria a melhor maneira
de comprovar o que foi proposto neste trabalho. Entretanto,
não há no Brasil um número suficiente
para comprovar a extensão das mudanças propostas.
A despeito de não haver dados suficientes para ampliar
as conclusões, Shepherd e Meireles esperam contribuir
indicando novas áreas para investigações
futuras, encorajando mais pesquisadores a fazerem novos levantamentos
no Sudeste.
Hoje a vegetação encontrada
no topo da serra é muito vulnerável, diferente
do passado em que o clima era mais frio e, com a nova realidade
do aquecimento global, as espécies restritas no topo
das serras não têm para onde migrar. Estão
sujeitas à extinção, posto que, não
havendo continuidade em topos de montanha, como há
nos Andes, essas espécies ficam como em ilhas isoladas,
fato que propiciou o seu aparecimento, constituindo um patrimônio
natural único, sendo um limite atual para sua conservação.
"As plantas não têm como mudar de uma ilha
a outra", avalia Shepherd. "Então esta vegetação
se torna muito suscetível às mudanças
climáticas."
Biólogo enfrentou tempestade
As coletas na Serra Fina foram feitas ao longo
de dois anos, de 2005 a 2007. Meireles e dois ajudantes de
campo, guias acostumados à região, e algumas
vezes outros amigos, acampavam no local. As expedições
levavam prensas de mão na qual adicionavam o material
coletado, que era encaminhado ao Departamento de Biologia
Vegetal do IB para ser tratado e incorporado à coleção
do Herbário.
Meireles conta que foram 16 viagens de coleta,
sendo que em quatro chegou ao topo da Pedra da Mina, o que
exigiu um grande preparo físico do pesquisador. "Fiz
treinamento de força e resistência física
para fazer a travessia, que em geral demandava de três
a quatro dias de caminhada."
Para Meireles, a principal dificuldade teve
relação com o relevo da serra, que exige muito
esforço físico das pessoas que se lançam
neste projeto, pois além de tudo é preciso carregar
alimentos, água (lá existe em poucos locais),
materiais para coleta e barracas. As duas áreas de
coletas principais foram a Pedra da Mina, onde foi encontrada
a maioria das novas espécies, e o pico do Capim Amarelo,
onde ocorreram os estudos das florestas nebulares, na maior
altitude até então amostrada.
Já o pior momento, conta ele, foi uma
tempestade que enfrentou em uma das expedições.
O pesquisador, que trabalhava na mata, lembra que foram ventos
muito intensos durante a noite e que a chuva potencializou
o frio. "Daí a importância de ir preparado
para o local, pois as condições mudam de repente",
conta.
A Serra Fina pertence a um conjunto de montanhas
alcalinas com 12 picos de mais de 2.600 metros de altitude,
localizada entre o Parque Nacional de Itatiaia e o maciço
Itaguaré-Marins. Sua principal atração
é a Pedra da Mina, com 2.798 metros, recém-apontada
como a montanha mais alta de toda a Serra da Mantiqueira no
Estado de São Paulo e a quarta mais alta do Brasil,
vindo atrás apenas do Pico da Neblina, Monte Roraima
e Pico da Bandeira.
Artigos
Teles, A. & Meireles, L.D. A new species of Senecio (Asteraceae:
Senecionae) from southeastern Brazil. Brittonia, 62:178-82,
2010.
Heiden, G. & Meireles, L.D. A new dwarf
shrubby species of Baccharis subg. Baccharis (Asteraceae,
Asterae) from southeastern Brasil. Brittonia 62:2010. (no
prelo)
Tese: "Estudos florísticos,
fitossociológicos e fitogeográficos em formações
vegetacionais altimontanas da Serra da Mantiqueira Meridional,
sudeste do Brasil"
Autor: Leonardo Meireles
Orientador: George John Shepherd
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: Fapesp
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