|
Pesquisadora da FEA desenvolve
pó aromático à base de mexilhão
Produto pode ser colocado em bebidas
e em alimentos desidratados
Um
aroma natural em pó à base de mexilhão acaba de ser desenvolvido
na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) pela pesquisadora
Vanessa Martins da Silva, em sua tese de doutorado. Trata-se
de um ingrediente para ser adicionado a bebidas feitas à base
de tomate e também a alimentos desidratados como sopas, salgadinhos
e temperos. O objetivo, segundo sua autora, desde o início,
foi processar o molusco fazendo uso de tecnologias que permitam
a elaboração de outros produtos para carnes bovinas, suínas
e de aves e, desta forma, exibir uma nova opção ao mercado,
“de maneira mais atrativa do que a tradicional, para cozinhas
industriais, restaurantes e supermercados”. A intenção foi
possibilitar o estoque do produto por tempo mais prolongado,
dando uma maior flexibilidade ao seu consumo. Com pequenas
adaptações, o produto poderá ser levado à escala industrial.
O trabalho de Vanessa da
Silva, realizado entre os anos de 2007 e 2011, foi orientado
pela docente do Departamento de Engenharia de Alimentos da
FEA Miriam Dupas Hubinger, responsável pela linha de pesquisa
de “Hidrolisados proteicos microencapsulados”. A pesquisadora
conseguiu chegar ao produto final, o pó do mexilhão, através
de dois processos: o de hidrólise enzimática da carne de mexilhão
e o de secagem spray drying, empregando a goma arábica e a
maltodextrina como agentes carreadores. A função com a adoção
desses agentes foi aumentar a estabilidade física do pó.
O processo de hidrólise enzimática
foi efetuado com o propósito de quebrar a proteína de interesse
em pequenos peptídeos para, desta forma, obter um produto
com maior valor nutricional. “O hidrolisado puro, acondicionado
em ambiente com umidade controlada, em um mês já tinha ficado
liquefeito, levando ao ‘colapso do pó’, ou seja, à perda total
da sua estrutura”, relata. Já o pó adicionado aos agentes
carreadores mostrou uma vida de prateleira superior a 90 dias,
momento em que o escoamento continuou livre (evidenciado pelo
pó solto). Este tempo foi considerado bom, na visão da engenheira
de alimentos, similar ao encontrado nos pós de modo geral.
Para se ter uma ideia, o café solúvel possui uma validade
de 36 meses, quando em embalagem fechada e 30 dias após aberto.
A seguir, Vanessa da Silva
partiu para a secagem por atomização (spray drying), vista
como a etapa mais importante do processo, bastante empregado
em produtos como o leite, café solúvel e polpas de frutas.
O processo de spray drying consiste na aspersão do hidrolisado
num bico atomizador, que vai formar uma nuvem de gotículas
e, com o rápido contato com o ar de secagem, gerará o pó quase
que instantaneamente.
No presente trabalho, o uso
de agentes carreadores visou facilitar a secagem desse produto
pelo fato de ele ser sobremaneira higroscópico, propriedade
que lhe dá amplos poderes de absorver umidade ambiente com
muita rapidez. “É assim que ele perde as suas características
de pó, aglomerando e levando ao colapso, quando torna-se quase
líquido, um efeito não esperado para o produto”, informa a
autora da tese.
O grupo de pesquisa em que
ela está inserida trabalha com hidrolisados proteicos há algum
tempo, tendo começado com hidrolisado proteico de peito de
frango, que já tem uma patente de produto requerida junto
ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). Os
hidrolisados proteicos de resíduos de pele de cação e de carne
de mexilhão vieram depois, sendo que todos eles mantêm semelhanças
com o primeiro projeto de hidrolisado proteico de peito de
frango. “Já tínhamos visto alguns trabalhos ligados à produção
de aromas de outros tipos de frutos do mar – de resíduos de
pescado. Eu me baseei em relatos de revistas internacionais
para a produção deste ingrediente”, esclarece.
De acordo com ela, nas pesquisas
consultadas, poucas abordavam o processamento do mexilhão,
que tanto pode ser cultivado quanto ser extraído da natureza.
A pesquisadora notou em particular que o que mais era abordado
sobre o assunto eram tópicos relacionados à etapa de beneficiamento:
como se obter o molusco e como fazer o congelamento ou o resfriamento.
A engenheira de alimentos, entretanto, identificou que faltava
no mercado o aproveitamento de uma nova matéria-prima como
ingrediente alimentício para aplicação como flavour.
Foi então que ela propôs o
mexilhão como essa matéria-prima de alto valor agregado, quando
comparado com resíduos de peixe, por exemplo. A importância
de produzir esse pó é que não havia no país um aroma com alta
qualidade e alta proteção dos voláteis (de fácil evaporação),
um dos compostos mais relevantes observados no aroma do mexilhão.
A propósito, Vanessa da Silva explica que o flavour é formado
pelo gosto e pelo aroma. “Enquanto o aroma é avaliado pelos
compostos voláteis, o gosto é avaliado por compostos como
os glicídeos e os aminoácidos livres, os quais ainda deverão
ser examinados por meio de uma análise sensorial em estudos
futuros.”
A
ideia de produzir o pó, revela a autora da tese, surgiu de
uma empresa interessada no aroma de mexilhão para ser aplicado
em bebidas à base de tomate, cujo importador de maior destaque
são os Estados Unidos e o único fabricante, a China. “Logo,
não existia este produto no Brasil. Percebia-se que era preciso
alcançar novas alternativas de processamento para esse molusco,
na direção de marinados e desidratados.”
A engenheira de alimentos
conseguiu obter um aroma com alta estabilidade física, ao
determinar as suas condições críticas de estocagem, empregando
a maltodextrina e a goma arábica. No início, ela até procurou
fazer o hidrolisado em pó sem o uso desses agentes, contudo
o pó absorveu a umidade do ar ambiente muito facilmente, chegando
até mesmo a se liquefazer. “Deste modo, ele estaria inadequado
para um processo de estocagem mais prolongado”, conta.
Na verdade, a intenção de
Vanessa da Silva era desenvolver um produto capaz de dar,
além do aroma, também o gosto – o flavour completo. Mas a
sua tese não avaliou o gosto, tarefa que ocorreria numa etapa
posterior, destinada à análise sensorial. No caso, envolveria
um teste de aceitação do produto, antes de ser colocado no
mercado. Esse teste poderia ser conduzido mediante a aplicação
do pó de mexilhão em arroz ou mesmo em uma bebida à base de
tomate, para avaliar o gosto e o aroma finais.
Molusco possui alto teor proteico
Mesmo sendo comercializados
com facilidade, os mexilhões ainda não são consumidos o
quanto deveriam, na opinião de Vanessa da Silva, tendo em
vista os seus benefícios, já que demonstram um alto teor
proteico, são ricos em vitaminas A, B, C (com destaque para
o ácido fólico) e em minerais como o iodo, o cálcio e o
ferro, valiosos para o desenvolvimento humano. O alimento
possui ainda baixos teores de colesterol e, portanto, baixa
gordura. Desponta-se igualmente pelas suas proteínas de
elevada qualidade, isso sem falar que esses moluscos normalmente
têm alguns compostos provenientes de carotenoides, o que
inclusive confere uma cor alaranjada ao produto.
A expectativa da pesquisadora
é que as indústrias reproduzam este aroma, “visto que o
Brasil é o segundo produtor de mexilhão da América Latina,
que o molusco é uma fonte de proteína animal em grande quantidade
e que pode ser uma alternativa também como suplemento alimentar,
por ser rico nutricionalmente em peptídeos”, salienta. O
maior produtor de mexilhão na América Latina é o Chile e,
no mundo, a China.
Apesar do aumento da produção
da aquicultura brasileira nos últimos anos, que tem sido
bastante incentivada pelo Governo Federal para peixes, crustáceos
e moluscos, o país apresentou, em 2007, um consumo de frutos
do mar e de peixes da ordem de 7 kg per capita, muito abaixo
da média mundial, que é de 16,7 quilos per capita por ano.
Santa Catarina, diz a pesquisadora,
é o Estado responsável por 95% da produção brasileira de
ostras e mexilhões cultivados. Outros Estados como o Rio
de Janeiro e São Paulo também são propícios ao desenvolvimento
desses animais, que necessitam basicamente de água, temperaturas
amenas e ricas em nutrientes. O mexilhão normalmente é consumido
nas cidades litorâneas e é comercializado sob a forma congelada
e in natura. Esse molusco se alimenta sugando partículas
orgânicas presentes na água do mar. Uma curiosidade: apenas
num único dia um mexilhão chega a filtrar mais de 90 litros
de água – e junto com ela toda sorte de substâncias.
................................................
Publicação
Tese de doutorado: “Estudo da hidrólise enzimática,
microencapsulação e secagem por spray dryer da carne de mexilhão”
Autora: Vanessa Martins da Silva
Orientadora: Miriam Dupas Hubinger
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos
(FEA)
Financiamento: Fapesp e CNPq
................................................
|
|