A Fiesp e a crise dos anos 80 e 90
Livro revela como tensões econômicas
e
políticas do período repercutiram na entidade
MANUEL
ALVES FILHO
Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), principal
órgão patronal do país, não tinha uma posição única quanto
ao projeto empresarial que poderia vir a ajudar o Brasil
a sair da crise econômica e política que marcou as décadas
de 80 e 90. A proposta neoliberal, que acabou prevalecendo,
não foi o ponto de partida, mas sim de chegada de conflitos
internos à entidade, protagonizados por diferentes frações
do empresariado. A conclusão faz parte do livro Um Ministério
dos Industriais – A Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo na crise das décadas de 1980 e 1990, que acaba
de ser lançado por Alvaro Bianchi, professor do Departamento
de Ciências Políticas do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH) e diretor do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL)
da Unicamp. A obra, produzida pela Editora da Unicamp, é
um desdobramento da tese de doutorado do docente.
O interesse de Bianchi pelo
tema nasceu ainda na graduação, feita na Universidade de
São Paulo (USP). Na oportunidade, ele elaborou um trabalho
de iniciação científica sobre o Pensamento Nacional das
Bases Empresariais (PNBE). Na pós-graduação, as investigações
em torno da trajetória do empresariado brasileiro tiveram
continuidade. “A preocupação de investigar essa temática
emerge na década de 70. Entretanto, os trabalhos que utilizam
modelos de análise mais sofisticados ainda são escassos.
Sobre certos aspectos, a bibliografia em torno do tema se
encontra metodológica e teoricamente defasada. O livro pretende
contribuir para essa atualização”, explica o autor.
O docente da Unicamp diz
que o recorte temporal empregado no livro leva em conta
a crise orgânica (econômica e política) que marcou o período,
bem como as repercussões dessa mesma crise no interior da
Fiesp. Naquele instante, conforme Bianchi, os conflitos
internos à Federação tornaram-se mais evidentes. “Em dois
momentos, em 1980 e 1992, ocorreu algo que normalmente não
ocorria na Fiesp: a formação de diferentes chapas para concorrer
à direção da entidade. O mesmo aconteceu no Ciesp [Centro
das Indústrias do Estado de São Paulo, organização civil].
O que estava no cerne das disputas eram os diferentes projetos
empresariais de superação da crise”.
Dentre
as propostas defendidas pelas diferentes tendências do empresariado,
duas eram dominantes, de acordo com o professor do IFCH.
Uma, de caráter liberal desenvolvimentista, procurava combinar
os preceitos do liberalismo com uma intervenção do Estado
na economia, de modo a dinamizá-la. Outra, de perfil liberal
clássico, via na retirada do Estado da economia o mecanismo
que poderia destravar o desenvolvimento do país. “A literatura
costuma dizer que o neoliberalismo era dominante no meio
empresarial naquele período. O que eu procuro mostrar no
livro é que esse neoliberalismo não é tanto o ponto de partida,
mas sim de chegada desses conflitos internos à Fiesp”, esclarece
Bianchi.
Os embates no interior da
entidade se dão, segundo o docente, por meio de escaramuças
entre os adversários e da publicação de artigos ou da concessão
de entrevistas das lideranças empresariais à imprensa. O
ponto máximo das divergências é, obviamente, a disputa eleitoral.
Bianchi destaca que embora os conflitos mais abertos tenham
se dado no âmbito interno da Fiesp, houve também consequências
externas, dado o peso da entidade na vida política e econômica
da nação. Assim, em alguns momentos, ocorreram discretas
intervenções na Federação por parte das altas autoridades
econômicas do país. “Isso se deu, por exemplo, por meio
da manifestação de preferência por uma chapa ou outra”.
No mergulho que fez nas
fontes de pesquisa – Bianchi consultou os arquivos da própria
Fiesp, publicações da entidade e matérias jornalísticas
do período -, o autor de Um Ministério dos Industriais...
chegou a outras três conclusões que reputa importantes.
A primeira é de que o projeto do empresariado para a superação
da crise não estava definido de antemão. “Ele foi construído
ao longo das décadas e em razão dos conflitos dos empresários
com os trabalhadores e o governo e das divergências existentes
no interior das associações e sindicatos patronais”, afirma.
A segunda, que contraria algumas pesquisas desenvolvidas
no Brasil, sustenta que a organização sindical do empresariado
não declinou a partir da década de 70. “O que eu revelo,
sustentado por dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística], é que a partir da década de 80 ocorreu um
renovado crescimento do associativismo empresarial. Houve,
no período, uma ampliação do número de sindicatos da indústria”.
A terceira e última conclusão
refere-se à distinção normalmente feita entre os setores
modernos e tradicionais da indústria e entre as suas formas
associativas. Na opinião de Bianchi, essas questões tendem
a ser irrelevantes ou, no mínimo, precisam ser tratadas
com mais cuidado. “Do ponto de vista dos setores, um segmento
que hoje é considerado tradicional pode se transformar em
moderno ao incorporar novas tecnologias ou voltar-se para
o mercado externo. A economia brasileira tem um dinamismo
que permite a um determinado setor reinventar-se”, defende.
Do ponto de vista da organização, a literatura, prossegue
o diretor do AEL, divide os arranjos entre sindical corporativo
e civil associativo.
A mesma literatura também
diz que a primeira forma de organização, classificada com
frequência de arcaica, é própria dos setores mais tradicionais
e a segunda, dos mais modernos e dinâmicos. “No livro, eu
mostro que o que existe na verdade são complexos associativos,
que entrelaçam os dois modelos. O empresariado faz uso tanto
de um quanto de outro de modo criativo e dinâmico, conforme
a situação”. Bianchi enfatiza que procurou adotar na pesquisa
que deu origem ao livro uma perspectiva histórico-relacional,
de modo a analisar os processos políticos e econômicos de
maneira mais eficiente e dinâmica. “Busquei mostrar mais
o filme do que o fotograma estático desses processos”.
A
despeito de o livro ser um desdobramento da sua tese de
doutoramento – a pesquisa original foi ampliada e sofreu
algumas correções –, Bianchi diz acreditar que o texto é
acessível tanto à comunidade acadêmica quanto a todos os
que se interessam por compreender melhor alguns aspectos
importantes da história recente do Brasil, tendo como fio
condutor os posicionamentos do empresariado nacional, marcadamente
o paulista. Nesse sentido, o texto de orelha, escrito pelo
professor Ruy Braga, aponta: “O período analisado encontra-se
fortemente marcado por uma persistente crise econômica e
política. Reconstruindo esse complexo momento da vida de
nosso país, torna-se mais fácil compreender os dilemas atuais
de nosso desenvolvimento”.
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Serviço
Título: Um Ministério dos Industriais -
A Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo na crise das décadas de 1980 e 1990
Autor: Alvaro Bianchi
Editora: Editora da Unicamp
Páginas: 288 - Preço: R$ 40,00
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