| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 390 - 31 de março a 6 de abril de 2008
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Historiadora resgata o mito Eliane Lage e ouve
personagens da empreitada cinematográfica da Vera da Cruz


A musa do sonho frustrado

LUIZ SUGIMOTO

Eliane Lage em Ravina (Fotos: Divulgação/Antoninho Perri)Yes, nós temos bananas. Cinema industrial paulista: a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, atrizes de cinema e Eliane Lage é o título da tese de doutorado da historiadora Ana Carolina de Moura Delfim Maciel, apresentada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e que teve sua publicação recomendada pela banca examinadora. No propósito de descortinar o mito Eliane Lage, estrela dos anos 1950, a autora também lança nova luz sobre a controversa tentativa de industrialização do cinema paulista, através da criação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em 1949.

Historiadora pretende
agora editar média-metragem

“Eliane Lage é uma imagem que tremula no imaginário de gerações”, afirma Ana Carolina Maciel, que co-dirigiu com o cineasta Caco Souza o documentário Eliane, em 2002. Foi durante o processo de pesquisa para esta filmagem que a historiadora passou a refletir sobre a permanência da atriz na memória de alguns contemporâneos, em meio a tantas outras integrantes do star system brasileiro.

A tese, orientada pela professora Cristina Meneguello, é baseada em amplo levantamento em periódicos, na autobiografia de Eliane Lage – Ilhas, Veredas e Buritis (Ed. Brasiliense, 2005) – e em depoimentos de atores e técnicos que trabalharam na Vera Cruz, captados pela autora. Um filme de 15 minutos acompanha o trabalho. “Entrevistei cerca de vinte pessoas e, devido à riqueza do material, ainda pretendo editar um média-metragem”.

A Vera Cruz foi uma empreitada dos empresários Franco Zampari e Francisco Matarazzo Sobrinho, conhecido como Cicillo, visando produzir uma cinematografia brasileira de qualidade técnica, capaz de atingir inclusive o mercado externo. Para isso, eles ergueram estúdios gigantescos em São Bernardo do Campo, que foram equipados com as últimas novidades tecnológicas disponíveis no exterior.

Com Mario Sergio, em Caiçara (Fotos: Divulgação/Antoninho Perri)No comando da produção da Vera Cruz, Zampari e Cicillo colocaram Alberto Cavalcanti, que trouxe uma babel de profissionais italianos, franceses e ingleses, capacitados a dotar o cinema nacional de padrões hollywoodianos. Na recepção organizada por Cicillo e Yolanda Penteado aos técnicos estrangeiros contratados, estava Eliane Lage.

Segundo Ana Carolina Maciel, Eliane vivia completamente fora do meio artístico. “Ela voltava de um período morando na Europa com o intuito de trabalhar junto a crianças carentes, motivada por uma experiência anterior no morro da Dona Marta, no Rio de Janeiro. Mas, naquele almoço, ela conheceu o diretor argentino Tom Payne, por quem se apaixonou. E isto selaria seu destino como estrela de cinema”.

Payne, por sua vez, vinha da Inglaterra para ser o assistente do diretor italiano Adolfo Celi em Caiçara, a primeira produção da Vera Cruz, e convenceu Eliane Lage a participar dos testes para o papel de protagonista, devido a sua beleza. Dentre as comparações de que ela seria alvo posteriormente, estava a de ostentar “um misto de Ingrid Bergman e Greta Barbo”.

Eliane Lage fez quatro filmes pela Vera Cruz: Caiçara (1950), dirigido por Adolfo Celi, e Ângela (1951), Terra é sempre terra (1952) e Sinhá Moça (1953), estes com a direção de Tom Payne. “Depois de alguns anos longe do público, ela estrelou Ravina [1958], dirigido por Rubem Biáfora, quando a Companhia Vera Cruz já havia falido”.

Este quinto e último filme de Eliane Lage foi produzido pela Brasilfilmes, mas como ressalta a historiadora, com a utilização de toda a estrutura dos estúdios e de grande parte da equipe técnica da Vera Cruz: “O projeto de cinema industrial de Zampari e Cicillo sucumbiu em 1954, mas o seu legado, não só de equipamentos como de pessoal, continuou germinando o cinema brasileiro por muitos anos”.

Eliane Lage com os filhos Vanessa, Vivien e Tommy (no colo), segurando o troféu recebido por sua atuação em Ravina (Fotos: Divulgação/Antoninho Perri)Criação do mito – Apesar da carreira fugaz, a imagem de Eliane Lage continuou acalantando o sonho de seus fãs, a exemplo de Ignácio de Loyola Brandão, que por ocasião do lançamento do filme Eliane, escreveu em crônica no jornal O Estado de S. Paulo: “Durante quase 50 anos, me perguntei e perguntava: onde está Eliane Lage? Eliane alimentou meus sonhos de adolescência, paixão platônica, já que distante, inacessível, era impossível, vivia em outro mundo, pertencia a outro universo e, além do mais, dizia-se, era rica, esnobe, descendida de uma família milionária tradicional”.

Esta impressão guardada da juventude por Loyola Brandão, um dos entrevistados por Ana Carolina Maciel, deve-se aos antecedentes de Eliane, que contribuíam para sua conotação mítica: era mulher fluente em várias línguas, da família que deu nome ao Parque Lage, no Rio, e cujo avô construíra um império à base de minas de carvão, salinas e estaleiros. “Na Segunda Guerra, houve o confisco de todos os bens da família. Ao afastar-se do cinema, ela teve que trabalhar em diversas funções”.

As opiniões são ambíguas também em relação ao seu talento. Mauro Alice, montador da Vera Cruz, recusa-se a aceitar a afirmação que ouviu da própria Eliane Lage, de que nunca se considerou uma boa atriz. Anselmo Duarte, parceiro da estrela em Sinhá Moça, assegura que ela foi excelente atriz, embora não gostasse de atuar. “Ela negava a importância do cinema em sua vida. Mas, para Loyola Brandão, ela era um mito a ser amado e não questionado”.

Ao analisar o star system brasileiro, Ana Carolina Maciel realça a atuação do Departamento de Publicidade da Vera Cruz, encarregado de eleger e divulgar seus astros e estrelas, uma função estratégica para os estúdios: “Diante das dificuldades de distribuição e exibição, e também da população mais pobre que não tinha acesso às salas de cinema, o departamento cedia fotos e textos para mais de 600 veículos de comunicação do país. Dessa forma, construía seus mitos de papel”.

O cenógrafo Pierino Massenzzi presta depoimento a Ana Carolina Maciel (Fotos: Divulgação/Antoninho Perri)Dentre as imagens de Eliane Lage, explorou-se primordialmente a personalidade despojada de quem se mostrava mais interessada em cuidar de seu sítio do que em seguir na carreira cinematográfica. “A imagem veiculada pela imprensa foi de uma estrela “fora dos moldes”, que aparecia em público de cabelo preso, jeans e botas de fazendeiro, em contraposição ao glamour de uma Tônia Carrero”, exemplifica a historiadora.

O “desaparecimento” de Eliane Lage, aos 31 anos e no auge da beleza, contribuiu para que o mito perdurasse por décadas. Enquanto atriz, ela ganhou bom dinheiro – tinha salários de 15 mil cruzeiros, contra 10 mil do marido – mas as reservas não duraram muito. “Tom Payne dirigiu apenas mais um filme, Arara Vermelha [1957], e também saiu do circuito. Eles montaram um antiquário no Guarujá, onde alguns anos depois o casamento acabou”.

Trilhando seu próprio caminho, Eliane Lage trabalhou como guia turístico e vendeu enciclopédias no Rio de Janeiro, até ver criados os filhos Vanessa, Vivien e Tommy. Partiu sozinha para administrar uma fazenda no interior de Goiás, por muitos anos. Passou alguns períodos em Minas Gerais, mas hoje, aos 80 anos de idade, fixou-se numa pacata cidade do interior goiano.

Porquês do fracasso – Ana Carolina Maciel entrevistou outros contemporâneos da atriz, como Ruth de Souza, Ilka Soares, Marisa Prado e Daniel Filho. Localizou, ainda, personagens como o cenógrafo Pierino Massenzzi, um dos primeiros técnicos estrangeiros contratados pela Vera Cruz, e Galileu Garcia, então no Departamento de Publicidade e hoje diretor de cinema.

Ao instigar os depoentes também sobre a derrocada da Companhia, a pesquisadora percebeu que encontrar uma explicação seria tarefa insana. “Eles apontam motivos variados, o que não significa que estejam errados. Difícil é mensurar qual foi a causa maior. As explicações giram em torno do elevado custo da construção dos estúdios, dos filmes de altos orçamentos e que não se pagavam, ou mesmo da saída prematura de Alberto Cavalcanti”.

Ao pesquisar documentos contábeis da Companhia, a autora constatou que um problema sério, realmente, era o de distribuição e exibição. Havia, ainda, a questão da divisão da receita, já que metade dela ficava com os exibidores, que nada investiam na produção, enquanto a outra metade era dividida entre a Vera Cruz e os distribuidores (Columbia e Universal).

Entretanto, na opinião de Ana Carolina Maciel, é importante contabilizar o saldo de 18 filmes produzidos em apenas cinco anos de funcionamento da empresa, algo que considera bastante significativo ainda nos dias atuais. “O cinema brasileiro é feito de surtos, sem continuidade e dependente de recursos governamentais. Até hoje não temos uma indústria de cinema devidamente consolidada. Tentativa precocemente fracassada, a Vera Cruz submergiu; entretanto, os náufragos – seus filmes – sobreviveram”.

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