| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 390 - 31 de março a 6 de abril de 2008
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Dissertação investiga o papel
(e implicações)
da cirurgia
estética na projeção do corpo ideal

RAQUEL DO CARMO SANTOS

A antropóloga Andrea Tochio de Antonio: imperativo moral de beleza imposto pela sociedade gera cobrança por um corpo ideal (Foto: Antoninho Perri)Ivo Pitanguy, um dos mais renomados cirurgiões de estética do país, afirmou que “o cirurgião plástico é um psicólogo com bisturi na mão”. A frase, emblemática, retrata a supervalorização do corpo na sociedade brasileira, evidenciando que fatores psicológicos pesam muito mais que a intenção de uma reparação estética propriamente dita. Foi o que apurou a antropóloga Andrea Tochio de Antonio em sua dissertação de mestrado apresentada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).

Estudo contempla classes populares

Em pesquisa orientada pela professora Guita Debert e com financiamento da Capes, Andrea foi a campo no Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp, no Setor de Cirurgia Plástica, para investigar as construções contemporâneas nos padrões de beleza nas classes populares. Ao longo de um ano, a antropóloga acompanhou consultas, reuniões científicas e cirurgias, além de entrevistar 73 pacientes, sendo 12 homens e 61 mulheres. “Não tinha idéia das implicações que a cirurgia plástica poderia provocar nas pessoas. Percebi que muitos pacientes depositam, no corpo, a esperança de solucionar problemas no casamento ou de relacionamento social”, explica.

Entre as principais conclusões do estudo, Andrea constatou que o imperativo moral de beleza imposto pela sociedade de uma forma geral provoca uma cobrança por um corpo ideal. Segunda a pesquisadora, essa projeção muitas vezes transforma-se em uma luta acirrada para conquistar a aparência tão valorizada na mídia e em convenções médicas. “É uma indústria da beleza que se encaixa na sociedade consumista que privilegia os resultados rápidos. O corpo torna-se um capital. As pessoas não pensam no sofrimento que o procedimento cirúrgico pode causar, mas sim no resultado final, que muitas vezes nem condiz com a sua expectativa. Para uma cirurgia de mama, por exemplo, são necessárias quatro horas, além dos procedimentos pós-operatórios, que são doloridos” defende.

Andrea não é contra a cirurgia plástica – acredita até que em muitos é necessária –, mas questiona o excesso. “Trata-se de um ciclo vicioso. Ademais, as intervenções estão acontecendo cada vez mais cedo, sobretudo em jovens de 17 e 18 anos”. Segundo a pesquisadora, a maioria dos entrevistados não queria fazer apenas uma cirurgia, mas sim outras duas, pelo menos. Em um dos casos, a pessoa diante da recusa do médico em realizar o procedimento desejado chegou a oferecer outras partes do corpo para a cirurgia”, observa.

Segundo a antropóloga, uma das causas da busca pelo corpo perfeito está na propagação do modelo de beleza associado apenas às coisas boas. “É reforçada a imagem de que as mulheres e homens bonitos ganham mais, são aceitos em qualquer círculo social e ainda possuem mais oportunidades na vida, sem, contudo, informarem sobre a realidade. Trata-se de uma abordagem muito simplista”, argumenta. Este aspecto, prossegue a pesquisadora, faz com que as pessoas que procuram por este tipo de intervenção busquem, na verdade, a melhora da auto-estima, não por acaso uma das justificativas mais recorrentes para a cirurgia.

Andréa destaca que, ao contrário de outras culturas, as mulheres brasileiras valorizam a aparência física, inclusive como forma de ascensão social. “Na cultura alemã, por exemplo, as mulheres valorizam a carreira. Já na Espanha, a família”, exemplifica.

O estudo das implicações da cirurgia plástica nas classes populares, segundo Andrea, é pouco discutida em trabalhos acadêmicos. Em geral, as investigações contemplam as classes com maior poder aquisitivo pelo fato do procedimento ser de custo elevado. Ela conta que não esperava encontrar os mesmos sentimentos e motivação entre os dois segmentos. “Mesmo nas pessoas com menor poder aquisitivo, o corpo é um valor, tanto quanto nas classes altas”, argumenta.

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