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Pesquisadores encontram elo perdido
entre identidade e tamanho de plantas
Descoberta de brasileiros e holandeses
abre frente
nos campos científico e de agronegócios
Existia
um elo perdido entre a identidade e o crescimento de órgãos
de plantas, mas pesquisadores da Unicamp e da Universidade
de Wageningen, na Holanda, descobriram que este elo chama-se
MADS, um conjunto de genes controladores do tamanho dos órgãos
florais das plantas. A descoberta, registrada no artigo “MADS:
the missing link between identity and growth” (MADS: o elo
perdido entre a identidade e o tamanho), foi capa do volume
16 da revista norte-americana Trends in Plant Science. O resultado
traz informações importantes tanto para o desenvolvimento
científico como para o setor de agronegócios. “A aplicação
prática disso é que ficamos cada vez mais perto de descobrir
o mecanismo pelo qual conseguiremos um dia manipular o tamanho
de frutos ou de produtos vegetais em geral. Quando manipular
o tamanho desses órgãos florais for possível, poderemos produzir
melhores produtos agrícolas”, explica o professor do Instituto
de Biologia (IB) Marcelo Dornelas, um dos autores do artigo
ao lado de Camila Maistro Patreze, Gerco Angenent e Richard
Immink. Por meio da descoberta deste
papel dos MADS, os pesquisadores constataram que a identidade
de um órgão é que determina seu tamanho. A descoberta do mecanismo
molecular pelo qual um fruto ou uma folha pode diminuir ou
aumentar é importante, na opinião de Dornelas, pois quanto
maior o tamanho do órgão (fruto ou folha, por exemplo) a ser
consumido, maior a vantagem comercial da planta. “Consumimos
diferentes partes das plantas. Por exemplo, da alface queremos
as folhas, da maçã, pêra ou do tomate, precisamos do fruto.
Então, conseguirmos manipular ou compreender o mecanismo pelo
qual esses frutos podem aumentar ou diminuir de tamanho é
um passo muito interessante”, acrescenta Dornelas.
Ele enfatiza que as informações
existentes até a pesquisa eram de que se alguém conseguisse
manipular o tamanho de folhas, por exemplo, o fruto não viria
junto, como é o caso da alface. A pesquisa põe fim ao senso
comum de que é preciso ter um grande número de células para
se obter um grande órgão. “O tamanho de cada parte (órgão)
da planta é decidido separadamente. Não é porque a alface
dá folhas enormes que as plantas e os frutos também serão
grandes. Então, da mesma maneira, se você conseguisse manipular
o tamanho de alguma estrutura da flor, você não conseguiria
automaticamente manipular o tamanho do fruto. Porque o fruto
vem de uma estrutura dessa flor”, explica de forma simplificada.
Dornelas
ressalta que, apesar de os experimentos terem sido feitos
de forma sofisticada, é possível explicar o mecanismo em um
raciocínio mais simples. O elo foi encontrado na flor Arabidopsis,
planta com o genoma totalmente sequenciado há dez anos. Durante
a investigação, na qual se pretendia entender o que determinava
o tamanho das partes da planta, já que sépalas (parte verde)
sempre são menores e as pétalas (parte branca ou colorida)
maiores, os pesquisadores perceberam que o que controla o
órgão é o gene, que determina: isso é uma sépala, isso é uma
pétala. “Então a sépala sempre terá esse tamanho, pouco importa
onde ela foi formada. Hoje em dia, se eu quisesse pegar as
folhas de uma planta e forçá-la a produzir uma sépala, ela
também produziria. Mas a sépala não será do tamanho que a
folha era. Ela será pequena, como é o tamanho da sépala. Qualquer
sépala será sempre do mesmo tamanho. Qualquer fruto será sempre
do mesmo tamanho. Se eu pegasse um pé de melancia e produzisse
uma uva, esta não seria do mesmo tamanho da melancia”, acrescenta
Dornelas.
Ele explica que os órgãos
estão organizados como se fossem anéis que se sobrepõem compondo
a flor. Cada anel decide o tamanho dos órgãos de maneira separada.
O anel de fora são as sépalas, no segundo, se tem as pétalas
e no terceiro, os estames e no quarto as pétalas. Os menores
órgãos da fase inicial da flor dão origem às pétalas, que
acabam formando o maior órgão da flor. As pétalas acabam cobrindo
as sépalas, que inicialmente teriam os maiores órgãos. Sendo
assim, a maneira como a planta constrói cada órgão nada tem
a ver com a lógica da construção de uma casa em que para se
ter um edifício grande é preciso um grande alicerce. “Se analisarmos
a flor bem no início do desenvolvimento, o órgão que é muito
grande no início de sua formação, dá um órgão que não é tão
grande no final (as sépalas). E um órgão que é muito pequeno
no começo dá o maior órgão que temos na flor, a pétala”, explica.
Ao fazer a manipulação da
planta, trocando os genes de anéis, o resultado obtido foi
apenas sépalas pequenas no lugar onde estariam as pétalas.
A tentativa de manipular a expressão dos genes para trocar
os órgãos de lugar não interferiu no tamanho dos órgãos. “Veja:
se cada anel decide o tamanho de maneira independente, a hora
que peguei uma sépala com esse tamanho e a coloquei no maior
órgão que ela produz, essa sépala deveria ser maior. E se
eu conseguisse trocar a folha por uma outra coisa, ela também
não seria grande. Porque se realmente cada parte da folha
é decidida de maneira diferente, se eu tiver uma sépala que
cresce até um ponto mas a pétala cresce mais, e eu trocar
essa pétala por uma sépala, essa outra sépala deveria crescer
para fora da flor mais do que a primeira. Porém, isso não
acontece, ela fica até menor”, explica Dornelas.
Dornelas exemplifica dizendo
que a planta funciona como um painel de interruptores, onde
uns ficam ligados e outros não. Esses genes que permitem que
no lugar de uma pétala o pesquisador faça uma sépala, mudando
a posição desses interruptores num painel. “Se eu falar para
você que a receita para se produzir pétala ou outro órgão
floral é o interruptor número 1 ficar on (ligado) e o 2, off
(desligado) eu te descrevo um mapa para você programar esse
painel para obter um órgão. Se no lugar do primeiro interruptor
que deveria ser on você colocar off, ou mexer em um desses
interruptores, você terá outro órgão. O que esses fatores
de transcrição fazem é ligar e desligar interruptores gênicos
do genoma da planta. Então, ele vai programar a planta para
fazer este ou aquele órgão em lugar específico”, exemplifica.
A conclusão dos pesquisadores
é de que não se consegue mudar o crescimento de um órgão sem
mudar sua identidade. Sequer produzir numa mesma flor sépalas
do tamanho das pétalas. “É impossível, em 107 genes do tipo
MADS diferentes que você pode combinar entre eles nas mais
diferentes combinações, estabelecer uma quantidade de combinações
gigantesca. Próxima à quantidade de combinações e formas que
você tem na estrutura de plantas que você conhece”, acrescenta.
O sequenciamento do genoma
total realizado por outros cientistas foi importante para
que o grupo formado por brasileiros e holandeses buscasse
entre todos os genes de uma Arabidopsis aquele responsável
pelo controle do tamanho dos órgãos dela. “Sabíamos que qualquer
que fosse o gene controlador do tamanho dos órgãos, já estaria
sequenciado. Nosso trabalho então seria ficar mexendo no baú
de genes até encontrar o que nos interessava”, conclui Dornelas.
A
descoberta deste elo perdido poderá auxiliar também pesquisas
em que se estudam a variabilidade de tamanho entre as plantas
durante a evolução. A variação na expressão e na combinação
desses genes é que gera toda a variabilidade de tamanho, segundo
o professor. “O MADS era o que faltava para estabelecer como
se consegue ter das primeiras plantas que apareceram, que
eram muito simples, até plantas com tamanhos e formas diferentes.
Era o que faltava para explicar esse grupo de genes. Por isso
o chamamos de elo perdido”, declara.
A parceria entre Dornelas
e pesquisadores holandeses teve início em 2007, quando o professor
da Unicamp desenvolvia seu projeto de doutorado. Os pesquisadores
já foram parceiros em outro artigo, que foi capa da revista
Plant Journal em 2010. Segundo Dornelas, os holandeses pretendem
renovar acordo com a Unicamp.
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Publicação
Dornelas, M.C; Patreze,C.M;Angenent,G.C and Immink, R.G.H.
“MADS: the missing link between identity and growth?”. Trends
in Plant Science, Vol. 16, N. 2, 89-97, 2010.
Financiamento: Capes, CNPq e Fapesp
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