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Estudo revela como mutações em proteína
interferem no coração em síndrome rara
Pesquisadores da Unicamp e Harvard mostram como
é possível “reverter” alterações cardíacas em doença

Síndrome de LEOPARD é uma desordem hereditária rara caracterizada por anormalidades na pele, coração, ouvido interno, craniofacial, entre outras, da qual se tem notícia de cerca de 500 portadores no mundo todo. Aproximadamente 90% dos portadores desta síndrome apresentam hipertrofia cardíaca, cuja causa é a mutação da proteína SHP2, uma tirosina fosfatase. Tão rara quanto a doença é a sua descrição na literatura e nos buscadores da internet. Mas recentemente o assunto ganhou grande repercussão em um artigo científico – “Rapamycin reverses hypertrophic cardiomyopathy in a mouse model of LEOPARD syndrome-associated PTPN11 mutation” – que acaba de ser publicado por pesquisadores da Unicamp, em parceria com pesquisadores da Harvard Medical School, no The Journal of Clinical Investigation (JCI), de alto impacto na área médica. Além do artigo, o trabalho também mereceu, na edição de fevereiro, destaque em editorial denominado “RAS signaling pathway mutations and hypertrophic cardiomyopathy: getting into and out of the thick of it”, divulgado em
http://www.jci.org/articles/view/44972 e em
http://www.jci.org/articles/view/46399.

Os estudos da fisioterapeuta Talita Miguel Marin, sua autora principal, indicaram um novo caminho de como as mutações nessa proteína, escoradas em princípios moleculares, realizam interferências no coração. A pesquisadora demonstrou que, interferindo nessa via, é possível “reverter” as alterações cardíacas, que são a principal causa de mortalidade nesses indivíduos.

Segundo o cardiologista da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Kleber Franchini, orientador da tese de doutorado de Talita Marin, recém-defendida dentro do Programa de Pós-Graduação em Fisiopatologia Médica da Faculdade, o que se sabia até aqui era que essas mutações induziam parte da síndrome, não havendo, porém, certeza dos seus efeitos sobre o sistema cardiovascular. Ao estudar a proteína SHP2, a fisioterapeuta verificou como ela estava implicada nisso e nos genes da hipertrofia cardíaca.

Por esse trabalho ainda, a fisioterapeuta recebeu um prêmio do Departamento de Cardiologia do Beth Israel Deaconess Medical Center-Harvard Medical School e acaba de receber um prêmio da American Heart Association. A investigação, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi desenvolvida ao longo do doutorado de Talita Marin no Laboratório de Fisiopatologia Cardiovascular colaborativamente com a Harvard Medical School, Estados Unidos. Os primeiros testes mostraram-se favoráveis em células animais. A ideia é definir a abordagem molecular da hipertrofia cardíaca porque, em sua maioria, ela acontece devido a uma sobrecarga do coração e à mutação gênica.

O que se está sugerindo agora é a etapa clínica de testes em seres humanos. “Provavelmente será um estudo multicêntrico mundial sediado nos Estados Unidos e talvez contribuamos com alguns pacientes. Pois a expectativa é saber como as alterações na proteína determinam modificações funcionais nas células. Isso ainda não sabemos”, afirma Franchini.

Terapêutica
A fisioterapeuta propôs ainda um tratamento específico que pode resultar em benefício aos portadores dessa síndrome. Ela constatou que a terapêutica, mesmo sendo conduzida por um período limitado de tempo (quatro semanas), conseguiu reverter a síndrome em animais, melhorando significativamente as suas funções cardíacas. Resta saber se tal modelo poderá ser replicado igualmente em seres humanos.

A substância que está sendo sugerida, a partir desse estudo, no tratamento da hipertrofia cardíaca em pacientes portadores de Síndrome de LEOPARD, é a rapamicina, uma droga imunossupressora usada especialmente para evitar a rejeição de órgãos transplantados. A esperança, informa o cardiologista, é fazer este tratamento por um perío­do suficiente até que se reverta o processo. “Um seguimento maior poderá indicar se essa é a melhor abordagem ou se é preciso buscar vias alternativas de tratamento. Daí a preocupação de Talita estudar a estrutura da proteína e o que essas mutações promovem”, frisa Franchini.

Ele conta que são particularidades dos pacientes que têm esta síndrome a lentiginose (manchas na pele), a diminuição do tamanho corporal, a dismorfia facial (que inclui hipertelorismo – deformação congênita do crânio e da face, com afastamento excessivo dos olhos), a ponte nasal plana, a hipertrofia cardíaca, o pectus excavatum (peito escavado ou de sapateiro) e o pectus carinado (peito carinado ou de pombo). Contudo, entre estas manifestações clínicas – que em geral ocorrem em crianças com idade entre três e seis anos –, a hipertrofia cardíaca é a mais significativa.

De acordo com a fisioterapeuta, a hipótese que fundamentou esse trabalho veio de um estudo anterior do laboratório publicado na conceituada revista Circulation Research em 2008 – “SHP2 negatively regulates growth in cardiomyocytes by controlling focal adhesion Kinase/Src and mTOR pathways” – que também recebeu relevo na revista através de um editorial sobre ele. Nesse artigo, o grupo descreveu a importância da regulação da atividade da proteína tirosina quinase e da via Akt/mTOR pela SHP2 na gênese da hipertrofia cardíaca.

Talita Marin procurou testar nos modelos da síndrome de LEOPARD, gerados no Laboratório da professora Maria Irene Kontaridis, titular na Harvard Medical School, se estas vias – no modelo da doença – realmente tinham o mesmo comportamento observado in vitro. Notou-se que sim, que a FAK (Quinase de Adesão Focal) estava superativada, que a tirosina fosfatase SHP2 estava mutada e que esses animais apresentavam uma severa hipertrofia cardíaca que acabava evoluindo para falência cardíaca e morte. Os estudos da fisioterapeuta nos EUA duraram um ano.

Na hipertensão arterial, informa Franchini, a pressão alta leva a uma sobrecarga do coração, que aumenta de tamanho e, posteriormente, entra em falência. No momento, lamenta, não há tratamento para a parte cardíaca. Por outro lado, será possível desenvolver medicamentos próprios para atacá-los e tratar a hipertrofia, além de “brecar” sua progressão para a insuficiência cardíaca.

Talita Marin abordou alguns alvos moleculares críticos nesse processo de transformação de um sinal mecânico em um sinal bioquímico e depois ela observou que este mecanismo tinha uma aplicação mais geral. O cardiologista diz que, apesar de a doença ser rara, a sua importância não está nisso mas na prova de conceito encontrada em um mecanismo da hipertrofia cardíaca sobre o qual se é capaz de interferir e obter resposta. A fisioterapeuta salienta ainda que, apesar da raridade de casos de Síndrome de LEOPARD, a manifestação clínica mais grave e que oferece risco de morte a esses pacientes é a cardiomiopatia hipertrófica congênita, doença do coração com incidência de 1 caso para cada 100 crianças nascidas e para a qual os autores do trabalho propõem tratamento.

Na síndrome de LEOPARD, Talita Marin, seu orientador Kleber Franchini e o grupo da professora Maria Kontaridis procuraram descrever os mecanismos moleculares responsáveis pelas alterações gênicas e fenotípicas do coração hipertrofiado. A identificação de alguns desses mecanismos permitiu apontar a região mais sujeita à interferência farmacológica, de modo a agir nela para evitar alterações cardíacas. Isso poderá auxiliar no tratamento a ser instituído.

Tal síndrome incide na população em geral. As suas manifestações são normalmente relativas à insuficiência cardíaca. “Todavia é evidente que estudamos a hipertrofia como um determinante futuro de insuficiência cardíaca”, explica Franchini. Os portadores da Síndrome de LEOPARD que têm hipertrofia cardíaca morrem em torno de 45 anos, por falência cardíaca. Normalmente, apresentam sintomas como falta de ar, inchaço no corpo, barriga d’água, cansaço e palpitação.

Como as doenças cardiovasculares são as doenças mais prevalentes da população, já que ela está envelhecendo, esse problema será cada vez mais incidente, juntamente com o câncer. “Essas doenças podem ser usadas como um modelo para generalizar informações de como esta célula funciona e de como é possível interferir quando ela está doente. Esse é um ponto fundamental dentro da Cardiologia”, expõe o cardiologista.

É fato que menos de 30% das pessoas que começarem a ter sintomas por causa de insuficiência cardíaca estarão vivas após cinco anos. Trata-se de uma doença de alta letalidade, muito maior que vários cânceres, com os quais se convivem por pelo menos uma década. A insuficiência cardíaca tem um agravante: vem sempre associada a uma qualidade de vida muito ruim, determinando que as pessoas passem por consultas médicas frequentes e estejam tomando medicamentos regularmente.

Achados
O trabalho de Talita Marin representa parte de uma linha de pesquisa mais ampla – intitulada Mecanismos moleculares de hipertrofia em insuficiência cardíaca – que existe há dez anos na Unicamp e que vem tentando desvendar os mecanismos moleculares envolvidos na hipertrofia cardíaca, o que já redundou em diversas publicações internacionais e somou cerca de 70 trabalhos.

Na verdade, compara o cardiologista, esta hipertrofia aparece envolvida em situações fisiológicas e patológicas como no caso das doenças de válvulas, no infarto do miocárdio e na hipertensão arterial. Além disso, é um prenúncio de alterações que levam o indivíduo a ter insuficiência cardíaca.

Para ele, a colaboração com Harvard reforça a pujança do ambiente científico da Unicamp, a sua facilidade para se inserir num contexto internacional e a atuação de sua pós-graduação, que atrai alunos de excelente qualidade. A pesquisa sobre esse tema começou com o mestrado da pesquisadora.

O principal achado de Talita Marin foi confirmar sua hipótese validada anteriormente em células cardíacas em cultura, em um modelo animal (LEOPARD), enfatizando que a FAK é muito importante e está relacionada à gênese de hipertrofia cardíaca. “Encontramos esta proteína ativada nesse modelo, contudo o que o paper propõe é um tratamento para essa síndrome baseado num modelo já proposto em células de ativação em cascatas de outras proteínas. Com ele, conseguimos dar visibilidade para a via que a gente acreditava estar sendo crucial para a hipertrofia cardíaca”, relata a fisioterapeuta.

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Publicações
Tese de Doutorado:
“Efeito do silenciamento da tirosino-fosfatase Shp2 nas alterações fenotípicas dos miócitos cardíacos e efeito da deleção e mutações da Shp2 em corações de camundongos submetidos ao estresse mecânico”
Autora: Talita Miguel Marin
Orientador: Kleber Gomes Franchini
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: Fapesp

Marin TM, Keith K, Davies B, Conner DA., Guha P, Kalaitzidis D, Wu X, Bauer M, Bronson R, Franchini KG, Neel BG. e Kontaridis MI. Rapamycin normalizes hypertrophic cardiomyopathy in a mouse model of LEOPARD Syndrome-associated PTPN11 mutation. J Clin Invest. doi:10.1172/JCI44972.

Marin TM, Clemente CFMZ, Santos AM, Picardi, PK. Pascoal VDB, Lopes-Cendes I, Saad MJA e Franchini KG. Shp2 Negatively Regulates Growth in Cardiomyocytes by Controlling Focal Adhesion Kinase/Src and mTOR Pathways. Circ. Res., 2008; 103:813-24.

Oliveira MV, Marin TM, Clemente CF, Costa AP, Judice CC and Franchini KG. SHP-2 regulates myogenesis by coupling to FAK signaling pathway. FEBS Lett, 2009; 583(18):2975-81.

Franchini KG, Clemente CF, Marin TM. Focal adhesion kinase signaling in cardiac hypertrophy and failure. Braz J Med Biol Res, 2009; 42(1):44-52.

Judice CC , Marin TM, and Franchini KG. Calcium and the mechanotransduction in cardiac myocytes. Front Biosci (Elite Ed), 2009; 1:189-99.
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Por que Síndrome de LEOPARD?

As letras deste nome formam a palavra inglesa “leopard”.

L = lentiginose
E = anormalidades no ecocardiograma
O = hipertelorismo ocular
P = estenose da válvula pulmonar
A = anormalidade de genitália
R = retardo de crescimento
D = deafness (surdez sensorial ou perda da audição devido ao mal funcionamento do ouvido interno)

 

 

 


 
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