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Convergência digital reposiciona empresas
Tese mostra como fronteiras convencionais de negócios
foram redesenhadas nos serviços TeleCom

CARMO GALLO NETTO

Os negócios das empresas que prestam serviços de telecomunicações no Brasil (TeleCom) – termo cunhado para designar segmentos de televisão, telefonia e internet – eram historicamente distintos, concentrados e regulados e tinham fronteiras de negócios claramente definidas. A partir da década de l990, inovações tecnológicas permitiram agregar em uma mesma rede serviços de telefonia móvel e fixa, de transmissão de dados e de vídeo, criando possibilidades de convergência entres esses diferentes segmentos. Constituem exemplos a TV sobre IP, a TV no celular, a voz sobre IP e a integração fixo-móvel, entre outros.

Essas novas composições nos serviços TeleCom vêm ameaçando as fronteiras convencionais de negócios, determinando um rápido (re) posicionamento dos atores envolvidos, tanto quanto à revisão dos negócios quanto ao desenvolvimento e aquisição de competências para responder de forma efetiva aos novos cenários. Com a convergência digital, os mercados das empresas envolvidas se encontram em processo de redefinição. As decisões impostas pelas novas realidades podem definir a capacidade de uma empresa de TeleCom sobreviver ou não em seu mercado de origem, em um novo mercado ou em vários mercados simultaneamente.

O fenômeno levou a pesquisadora Luciana Cristina Lenhari, graduada em economia, a procurar entender como as empresas que prestam serviços de televisão e de telefonia no Brasil, focadas na produção, distribuição e entrega de conteúdo audiovisual de entretenimento (CAE), estão adquirindo ou utilizando recursos para se tornarem competitivas na exploração de novos modelos de negócios.

Orientado pelo professor Ruy Quadros, o trabalho constituiu tema do doutorado, desenvolvido no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, dentro da linha de pesquisa “Gestão estratégica da inovação tecnológica”. Além de utilizar a literatura sobre visão baseada em recursos e inovação em serviços, a autora realizou ampla pesquisa qualitativa junto a empresas de TV (Globo, SBT, Band e Net Serviços) e de telefonia (Oi, Telefônica, Tim e Claro).

A economista considera que este processo lhe permitiu a elaboração de um modelo de análise e sua aplicação em um modelo de transferência de recursos do período pré-convergência para a atual fase de convergência digital. Para ela, “esses elementos permitiram concluir que as estruturas dessas empresas revelam adaptação às condições desses novos mercados e envolvem estratégias para a criação do que vislumbram como o futuro do serviço de conteúdo audiovisual de entretenimento (CAE)”.

A tese foi norteada pela hipótese de que as estratégias dessas empresas não se baseiam apenas na adaptação às condições do mercado emergente, mas visam simultaneamente criar o mercado futuro de serviços de CAE. Neste caso, os atores ou os empresários inovadores mudariam as estruturas de modo a influenciar e alterar a conformação do mercado.

Por que o CAE
Ao justificar a escolha do conteúdo audiovisual de entretenimento, Luciana explica que, com a convergência digital, as empresas que prestam serviços de telefonia fixa e móvel no Brasil vêm demonstrando cada vez mais interesse pelo serviço – tradicionalmente dominado e oferecido primeiramente pela televisão aberta gratuita e depois também pelas empresas de TV por assinatura –, atraídas pelas novas oportunidades de negócios.

Do seu lado, as empresas de TV aberta comercial passaram a diversificar seus negócios oferecendo conteúdos em diferentes formatos e mídias, a exemplo da internet. Para ela, esses novos modelos de negócios deverão se expandir com a introdução da TV digital e serão impulsionados pela necessidade de enfrentar a concorrência das operadoras de telefonia. A propósito, ela constata que embora a TV aberta comercial seja detentora da maior parte dos investimentos publicitários do país, na medida em que a convergência ganhe fôlego, vislumbra-se a divisão do bolo publicitário, afetando-as.

Dados apresentados pela pesquisadora mostram que, com menos clientes novos assinando o serviço de telefonia fixa e a provável estagnação da base de assinantes do serviço de voz da telefonia móvel, as empresas de telefonia terão que descobrir meios de convencer os usuários a despenderem maiores quantias para adquirir novos e diferentes serviços. É o que, segundo ela, determina a importância da inovação e do investimento em novos serviços e tecnologias.

O aumento de 54,3% no número de assinantes de TV paga em apenas três anos, crescimento coincidente com a entrada das operadoras de telefonia, particularmente as fixas, na oferta de TV por assinatura via satélite, é um indicador da relevância que o serviço de CAE está ganhando nessa fase de convergência, segundo a autora.

Proposta de análise
A investigação das estratégias das empresas e o levantamento dos recursos acumulados no processo de desenvolvimento tiveram como base primordial pesquisas empíricas desenvolvidas entre 2008 e 2009 nas oito empresas de TV e telefonia mencionadas.

A pesquisadora considera que as entrevistas permitiram aproveitar as experiências de profissionais em seus respectivos negócios; aquilatar suas expectativas em relação à exploração do CAE no atual contexto da convergência digital; e captar visões do que será o mercado futuro. Ela resume essas percepções em três itens: o evidente aumento da concorrência em CAE; a evolução do conceito de CAE, pois a cadeia de conteúdo deve considerar todas as mídias e as diferentes linguagens que ele assume em cada uma delas; e a possibilidade de acessar CAE em qualquer lugar, dispositivo e formato. Luciana afirma que “as mudanças em curso estão moldando o desenho de novos modelos de negócios e a adaptação, aquisição e desenvolvimento de vários recursos dentro das categorias propostas”.

A pesquisa qualitativa somada ao referencial teórico permitiu à pesquisadora a elaboração de um modelo de análise e sua aplicação a partir de um conceito de transferência de recursos do período pré-convergência digital para a atual fase convergente, o que possibilitou respostas aos pressupostos iniciais do trabalho. Como mostra a figura nesta página, no modelo de transferência de recursos do período pré-convergência digital para a convergência digital, ela criou várias categorias de análise.

Os recursos por ela considerados são: tecnológicos – que correspondem à tecnologia física utilizada na empresa; mercadológicos – relacionados com a criação ou manutenção de mercado; intangíveis – ligados à percepção do cliente ou consumidor; organizacionais – intrínsecos à organização da empresa como unidade produtiva de bens e serviços; humanos estratégicos – que focam o indivíduo e a capacidade de aprendizado e interação em relação aos conhecimentos e tecnologias necessários que fazem a diferença no mercado; financeiros – relacionados ao fluxo de caixa e de dinheiro que uma empresa pode dispor ou alavancar no mercado e as implicações que o ativo pode ter em relação à sua estratégia; e políticos – relacionados principalmente ao poder de influência nas políticas públicas.

Na convergência, ela cria os conceitos: transfere – nos casos em que a empresa transfere integralmente um recurso de um período para outro; transfere/adapta – quando a transferência de recursos se dá em parte ou integralmente mas devidamente adaptados; adquire/desenvolve – quando recursos não disponíveis são adquiridos e desenvolvidos para atender às necessidades; e desenvolve – quando os recursos já disponíveis precisam ser adaptados e desenvolvidos com base nas estratégias dos concorrentes.

Conclusões
Para Luciana é possível reaproveitar (transferir/adaptar) praticamente todos os recursos pré-convergência porque as empresas de televisão e telefonia já estão empenhadas em criar/desenvolver o mercado futuro. Afirma que são essas empresas, apoiadas nos avanços tecnológicos, que permitem a evolução do conceito e o acesso ao serviço de CAE. Como elas estão criando o mercado futuro, o aproveitamento dos recursos pré-convergência se mostra um caminho natural. “Uma empresa que consiga mobilizar recursos internos e externos pode ser considerada robusta e capaz de competir no mercado de CAE no âmbito da convergência digital. As empresas de televisão e telefonia possuem parte dos recursos necessários, normalmente os mais estratégicos. Mas, atualmente, é difícil dizer se a mobilização desses recursos lhes permitirá uma posição de destaque na convergência”.

Com base no objetivo a que se propusera – o de entender como as empresas de serviços de televisão e telefonia têm utilizado os recursos por elas acumulados e como têm adquirido outros, de forma a se tornarem competitivas na exploração de novos modelos de negócios originados pelo fenômeno da convergência digital –, Luciana considera que em maior ou menor grau as empresas de TV são competitivas em todas as categorias de recursos analisados.

A pesquisadora acrescenta que os pontos fortes dessas empresas estão na eficiente mobilização dos seus recursos políticos, com vistas a garantir vantagem competitiva sustentável e ainda nos recursos tecnológicos, mercadológicos e organizacionais que acumularam como tradicionais produtoras de CAE. Alinha como seus pontos fracos a dificuldade de incorporar a interatividade possibilitada pela introdução da TV digital em seu modelo de negócio e também a pouca tradição de fazer parcerias, recursos que podem ser apontados como chave na atual fase da convergência.

Por outro lado, ela observou que as empresas de telefonia estão conseguindo mobilizar em maior ou menor grau todas as categorias de recursos que lhes permitam diversificar seus negócios, embora tenham um longo caminho a percorrer. Constituem seus pontos fortes os recursos financeiros – tanto os oriundos de suas atividades de origem (voz) como os resultantes de sua capacidade de obtê-los junto a instituições financeiras – como a capacidade de estabelecer parceiras que as ajudam no processo de aprendizado e no compartilhamento de riscos. No seu entender, o maior desafio dessas empresas é o de competir com as de TV no terreno político, em que estas revelam tradicional domínio.

Luciana conclui que a percepção de oportunidades e de ameaças não está relacionada apenas com a identificação de oportunidades em potencial, mas com todo o processo de busca sistemática e de seleção dessas oportunidades. “Isso deve incluir investimento em atividades de pesquisa, sondagem e investigação das necessidades dos clientes e necessidade de integrá-las às possibilidades tecnológicas. Ademais, envolve a compreensão da evolução das indústrias e dos mercados e das prováveis respostas de fornecedores e concorrentes”.


 


 
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