A
estrutura social brasileira experimentou uma fase de melhoria
entre os anos de 2004 e 2008. Nesse período, um número
significativo de pessoas trocou a condição de miséria pela
de pobreza ou deixou a situação de pobreza para se inserir
na baixa classe média. Entretanto, os mesmos fatores que
proporcionaram esse avanço não foram suficientes para gerar
novas oportunidades aos indivíduos pertencentes à média
e alta classe média, que permaneceram estagnados em seus
respectivos extratos sociais. A constatação faz parte de
estudo recém-concluído pelo professor Waldir Quadros, do
Instituto de Economia (IE) da Unicamp, que está disponível
no site do IE (www.eco.unicamp.br), no item “Textos de Discussão
– TD-148”. “O resumo da ópera é o seguinte: a estrutura
social brasileira melhorou no período analisado, mas não
chega a estar uma maravilha. Não é possível dizer, como
defendem alguns, que o Brasil transformou-se em um país
de classe média”, afirma.
O estudo em questão teve origem numa espécie de inconformismo
de Waldir Quadros diante dos dados fornecidos pela Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2005, realizada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o professor, os números eram um tanto estranhos.
Revelavam uma melhora inédita da situação social brasileira,
mas não eram capazes de explicar o motivo de tal evolução.
O economista resolveu esperar, então, a divulgação das Pnads
de 2006 e 2007 para formular uma análise mais detalhada
dos números. Para isso, o pesquisador teve que desagregar
a análise de forma que permitisse desvendar a situação que
estava subjacente aos índices oficiais.
Conforme Waldir Quadros, embora constitua um banco de dados
valioso, a Pnad deve ser usada com cuidado pelos analistas
e pesquisadores. “A Pnad é capaz de apontar se a estrutura
social evoluiu, mas não é capaz de mensurar inequivocamente
o quanto evoluiu. Além disso, não é possível tomar um ano
discreto para fazer análises isoladas. Para interpretar
corretamente os dados da Pnad, faze-se necessário estudar
uma série histórica, que por sua vez deve corresponder a
uma determinada conjuntura”, sustenta. Para explicar melhor
essa metodologia, o docente da Unicamp cita o intervalo
compreendido entre os anos de 2004 e 2008. Nele, foi possível
identificar uma tendência de melhoria da condição social,
em razão da conjugação de alguns fatores.
O primeiro e mais importante deles foi o crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB), que vem a ser a soma de todas
as riquezas produzidas pelo país. No período, o aumento
médio anual do PIB brasileiro foi de 4,5%. No qüinqüênio
1998/2002, a taxa havia sido de apenas 1,7%. “Ou seja, trata-se
de uma conjuntura específica, que deve ser quebrada a partir
de 2009, em razão dos reflexos da crise financeira internacional.
É bem provável que a partir do ano que vem nós tenhamos
uma conjuntura econômica diferente, que trará reflexos para
a nossa estrutura social”, esclarece Waldir Quadros. Paralelamente
ao crescimento do PIB, continua o economista, também foi
registrado no período tomado para estudo o aumento real
do salário mínimo.
Embora o salário mínimo já viesse sendo corrigido em termos
reais no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso,
essa medida não conseguia fazer, por si só, com que a estrutura
social sofresse alterações importantes, visto que na época
o desempenho do PIB era bastante tímido. Dito de maneira
simplificada, o segundo fator anulava os efeitos do primeiro.
“Era uma situação diferente da atual, em que temos PIB e
salário mínimo crescendo conjuntamente”, compara Waldir
Quadros. Ademais, prossegue o docente da Unicamp, entre
2004 e 2008 também houve a ampliação da política de transferência
de renda, principalmente por meio da concessão do programa
Bolsa Família.
Tal política, ainda que também existisse no governo FHC,
não produzia efeitos positivos sobre a estrutura social
naquela época, igualmente por causa do fraco desempenho
do PIB. “Sem a contribuição de um PIB mais robusto, o Bolsa
Família não era capaz de ajudar as pessoas a mudarem de
classe social. Era como se a miséria fosse assistida. Tratava-se
de um programa importante para as famílias beneficiadas,
mas que não produzia qualquer efeito positivo na estrutural
social”, considera Waldir Quadros. Essa situação mudou significativamente
no período 2004/2008, reforça o pesquisador, por conta da
conjugação de fatores com condições de proporcionar impactos
sociais relevantes, principalmente a mais expressiva geração
de empregos. “De fato, a situação de uma parcela importante
da população melhorou, a despeito de qualquer propaganda
de governo”, constata Waldir Quadros.
Esta análise colide com posicionamentos adotados por uma
determinada linha do pensamento econômico, que entende que
não é preciso haver crescimento econômico para que ocorram
mudanças na estrutura social. Para os adeptos dessa posição,
bastaria adotar políticas sociais conseqüentes para que
a miséria fosse reduzida. “Nós, ao contrário, sempre defendemos
a idéia de que sem o crescimento da economia não é possível
promover avanços sociais significativos”, esclarece o docente
da Unicamp. Waldir Quadros assinala, porém, que a melhoria
registrada no período 2004/2008 não alcançou todos os segmentos
da pirâmide social.
As classes A e B, por exemplo, permaneceram estagnadas em
suas respectivas posições. Isso ocorreu, de acordo com o pesquisador, porque o crescimento
recente deu-se a partir de uma estrutura econômica dilapidada,
notadamente por conta do desmantelamento do setor industrial.
“Como a nossa estrutura industrial perdeu, ao longo dos
últimos anos, elos importantes da sua cadeia, principalmente
por conta do avanço da importação (dólar barato) e da política
monetária (juros altos), ocorreu o que chamamos tecnicamente
de situação de baixa performance. Nesse cenário, há uma
forte limitação das oportunidades para os integrantes das
média e da alta classe média”, detalha o economista.
Ademais, prossegue Waldir Quadros, o referido crescimento
da economia está intimamente relacionado com o bom desempenho
do agronegócio, ou seja, com o comércio internacional de
commodities. “Trata-se de um setor que não cria emprego
e nem gera grandes oportunidades para as classes A e B”,
insiste. A esse respeito, o economista criou uma imagem
que ajuda a explicar bem a situação da atual estrutura social
brasileira. Segundo ele, tomando-se por base a figura de
uma pirâmide, no segmento compreendido pela classe C ocorre
o que ele classifica de “pororoca social”. “É uma espécie
de zona de tensão, que abriga tanto o filho da média classe
média que não consegue uma boa colocação profissional quanto
o filho da massa trabalhadora que está em busca de ascensão”.
Na opinião de Waldir Quadros, se o Brasil quiser que a
sua estrutura social experimente um avanço ainda mais amplo
e significativo do que o identificado no período 2004/2008,
o país terá que alterar as bases do seu desenvolvimento.
“Se o crescimento do PIB, associado a outros fatores, é
o que explica o avanço recente das condições sociais brasileiras,
como aponta o nosso estudo, fica claro que precisamos adotar
políticas econômicas que nos permitam caminhar a passos
mais largos. Em outras palavras, temos que recuperar a estrutura
industrial e proteger a economia. Precisamos usar os recursos
que virão do petróleo e do comércio de commodities, por
exemplo, para impulsionar nosso desenvolvimento industrial
e dos serviços a ele associados. Senão fizermos grandes
bobagens, penso que teremos condições de ingressar num novo
patamar econômico e social, a despeito do tamanho e da duração
da crise internacional”, infere.
Evolução do PIB e do salário mínimo
real