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As diferentes faces da Serra do Lopo
Estudo faz constatações
inéditas sobre desenvolvimento
da florística e da fitossociologia do local
CARMO
GALLO NETTO
Um
leigo certamente ficaria intrigado com uma pesquisa sobre
o levantamento de espécies arbóreas presentes nas duas faces
da Serra do Lopo – localizada no extremo sul da Serra da Mantiqueira
e que pode ser avistada da rodovia Fernão Dias –, cujo cume
divide os estados de Minas Gerais e São Paulo nos respectivos
municípios de Extrema e Joanópolis, e se perguntaria, a exemplo
do repórter, qual a sua importância e pertinência. E a surpresa
seria maior se soubesse que o trabalho de campo se estendeu
por cerca de dois anos e teve à frente uma jovem que abriu
caminho na mata calçando botas para precaver-se das cobras
e portando instrumentos necessários à demarcação das áreas
de estudo.
O trabalho desenvolvido pela
bióloga Leila Fumiyo Yamamoto, orientado pela professora Luiza
Sumiko Kinoshita e co-orientado pelo professor George John
Shepherd, deu origem à tese de doutorado apresentada ao Instituto
de Biologia (IB) da Unicamp que trata da florística e fitossociologia
de espécies arbóreas ao longo do gradiente altitudinal nos
dois lados da Serra do Lopo. A florística atém-se ao levantamento
das espécies ocorrentes numa determinada região, enquanto
a fitossociologia trata das comunidades vegetais no que concerne
à sua estrutura.
O estudo concentrou-se em
1.074 plantas, pertencentes a 177 espécies arbóreas, e levou
a descobertas surpreendentes. Uma delas é a de que há uma
diferenciação das espécies arbóreas encontradas na Serra do
Lopo, entre a face noroeste, voltada para o interior, e a
face sudeste, voltada para o mar. Das 177 espécies apenas
45 ocorreram tanto em Extrema (noroeste) e Joanópolis (sudeste).
Os estudos existentes envolvendo serras, em geral baseados
em apenas uma de suas faces, as consideram com o mesmo tipo
de vegetação em todas as demais.
Entre os parâmetros fitossociológicos
analisados apresentaram diferenças significativas entre as
duas faces o número de espécies, as alturas máximas e mínimas
e a ramificação. Por outro lado, em relação à mesma face,
os parâmetros fitossociológicos não se alteraram com a altitude,
resultado inesperado, visto que diversos estudos em gradientes
altitudinais, realizados no sudeste do Brasil, têm sugerido
que a altitude tende a ter efeito, por exemplo, sobre a densidade,
a altura e o diâmetro médio das espécies. Observou-se também
uma substituição gradual das espécies ao longo do gradiente
altitudinal – entre 1.150 a 1.650 m de altitude.
Por outro lado, as análises
de similaridade indicaram uma maior semelhança da vegetação
do topo da Serra do Lopo e da face sudeste com as florestas
ombrófilas montanas e alto-montanas do sul e sudeste do Brasil,
enquanto a vegetação da face noroeste apresenta maior similaridade
com as florestas estacionais de São Paulo. Além de tudo, a
Serra do Lopo apresentou um dos maiores índices de diversidade
em relação aos dados que se conhecem de florestas acima de
mil metros de altitude no sudeste brasileiro.
Com efeito, Leila explica
que o estudo teve o objetivo de determinar a composição florística
e caracterizar a estrutura da floresta da Serra do Lopo; classificar
sua vegetação; analisar o efeito da altitude nessa vegetação;
averiguar a existência de diferenças entre as duas faces da
montanha; e comparar sua florística com os resultados de outros
estudos realizados nas regiões sudeste e sul do Brasil. Para
tanto, ela coletou todos os indivíduos lenhosos com mais de
três metros de altura com flores e/ou frutos em diversas localidades
da Serra do Lopo e também nas parcelas (áreas) de 10x10 m,
devidamente demarcadas, a 50 m de distância uma das outras,
de forma que houvesse cinco parcelas a cada 100 m de altitude
em seis cotas – entre 1.150 e 1.650 m de altitude – em cada
face, perfazendo 30 parcelas de cada lado da serra e 60 totais.
As parcelas foram instaladas para o estudo fitossociológico.
Os pesquisadores esclarecem
que, embora o complexo da Serra da Mantiqueira se estenda
pelos estados de SP, MG, RJ e ES e constitua um importante
centro de conservação e de diversidade de espécies da flora
e da fauna, poucos são os trabalhos com descrições florísticas
e estruturais da Serra, o que a torna pouco conhecida a despeito
de sua importância florística e ecológica.
Ao final do seu trabalho,
Leila destaca algumas constatações em relação à Serra do Lopo:
apenas 25% das espécies são comuns a ambas as faces; ocorre
uma aproximação florística na vegetação situada no topo da
serra; observa-se uma tendência de diferenciação das espécies
com o aumento da altitude; ocorre alteração do número de espécies
em relação à altitude; as alturas máximas e mínimas e as ramificações
apresentaram diferenças significativas entre as duas faces.
Ela afirma que os diversos trabalhos envolvendo gradientes
altitudinais realizados no Brasil em geral têm ignorado o
efeito na composição e na estrutura da vegetação que diferentes
faces de uma montanha possam apresentar. O trabalho mostra
que essas diferenças podem ser significativas. Ela não encontrou,
em relação à altitude, diferenças significativas nos parâmetros
fitossociologicos, diferentemente do que apontam diversos
trabalhos realizados no sudeste do Brasil.
Políticas
públicas
Uma das implicações do trabalho é o de poder orientar as políticas
públicas nos processos de reflorestamento, pois ele lista
e indica a proporção das espécies encontradas, porque diz
Leila “um reflorestamento se faz a partir de espécies predominantes
na região”. O professor George, como é mais conhecido, considera
que “só se pode viabilizar a exploração de determinada árvores
conhecendo em que regiões elas são predominantes, o que o
tipo de estudo realizado determina”. Além disso, acrescenta
Luiza, esse tipo trabalho informa a comunidade sobre as espécies
existentes em uma região, o que pode ser importante para pesquisadores
interessados em determinadas espécies, “e com isso nossas
pesquisas podem servir de base para outras áreas de estudo”.
George destaca também que do ponto de vista da proteção de
áreas verdes é importante conhecer a sua composição, “pois
não se justifica investir recursos, normalmente parcos, em
áreas sem interesse ambiental”.
O docente lembra que hoje
pouco se conhece sobre a Serra da Mantiqueira, o que justifica
o tipo de levantamento que realizam. Para Luiza, estudos como
esse são fundamentais para o encaminhamento de políticas públicas,
pois revelam as especificidades das áreas. George enfatiza
que em relação à preservação muitas decisões são tomadas sem
o real conhecimento do que existe em cada área e “face aos
recursos limitados as decisões precisam ser criteriosas”.
Ele lembra que alguns tipos de vegetação são razoavelmente
conhecidas, o que não acontece com as florestas acima de mil
metros, devido às dificuldades de acesso.
Para o professor, são estudos
desse tipo que permitem ainda avaliar em que grau uma área
encontra-se danificada e o que é necessário para recuperá-la.
Em uníssono, os pesquisadores constatam que o trabalho identificou
uma área que apresenta um dos maiores índices de diversidade
em relação a florestas acima de mil metros de altitude em
território brasileiro, tratando-se, portanto, de uma região
que merece ser estudada e preservada.
Características observadas
Na Serra do Lobo ocorrem as chamadas chuvas orográficas. Massas
de ar quentes e úmidas que chegam do mar batem na montanha,
e à medida que se elevam se esfriam, condensam e formam nevoeiro
no topo dela. Essas massas de ar uma vez do outro lado da
serra se encontram mais quentes e secas. Dessa diferença resultam
uma face mais fria e mais úmida e outra mais seca e mais quente.
Essas diferenças, supôs Leila inicialmente, deveriam acarretar
diferenças na vegetação e foi isso que ela se propôs a estudar,
considerando também eventuais variações com a altitude.
O professor George lembra,
a propósito do estudo, que se sabe muito pouco sobre a natureza
das florestas que ocorrem nas montanhas do sudeste e mal se
conhecem as variações que ocorrem nas matas que cobrem a Serra
da Mantiqueira. E mais: é necessário pesquisar se existem
diferenças nas matas de cada uma das faces das montanhas,
pois quase todos os trabalhos se restringem a uma face e os
resultados são generalizados para as demais. Esta característica
faz o trabalho inédito em termos da Serra da Mantiqueira e
de Brasil. A escolha da Serra do Lopo se deveu às características
das faces dessa serra, a proximidade de Campinas, por tratar-se
uma floresta em bom estado de preservação e por guardar semelhanças
com outras florestas do sudeste do País.
Leila observou que na face
fria da Serra do Lopo localizam-se os indivíduos mais altos,
enquanto a face mais seca apresentou maior quantidade de indivíduos
ramificados e número de espécies significativamente maiores.
As diferenças podem ser atribuídas às diferenças de umidade,
temperatura e à incidência de radiação solar.
Os pesquisadores fazem questão de enfatizar que é comum estudar
apenas um lado de uma serra e estender as observações para
os outros. Os resultados dos estudos por eles empreendidos
mostram que essa generalização é perigosa. Luiza afirma que
“há necessidade de pesquisar as diferentes faces de uma montanha
porque uma pode ser muito diferente da outra”. George considera
que “há um longo caminho a percorrer antes que se chegue a
modelos que permitam generalizações em relação ao que ocorre
na natureza”.
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