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Muito além das quatro linhas
Metodologia busca abordagem sistêmica para
treinamentos de equipes de futebol
JEVERSON
BARBIERI
Uma
nova visão sobre o futebol, que engloba questões da inteligência
combinadas com sistemas, estratégias e táticas, é a mais nova
contribuição da ciência para este esporte que, apesar de ser
amplamente difundido, ainda carece de estudos científicos
mais aprofundados. Pesquisa de doutorado desenvolvida por
Rodrigo Aparecido Azevedo Leitão, da Faculdade de Educação
Física (FEF), e orientada pelo professor Antonio Carlos Moraes,
analisou as ações técnico-táticas dos jogadores ao longo das
principais fases da Copa do Mundo de 2006, realizada na Alemanha.
E, na prática, ele implementou um modelo de treinamento fundamentado
na complexidade de circunstâncias apresentadas por uma partida
de futebol, na categoria sub-17 (jogadores até 17 anos de
idade) de um clube profissional do estado de São Paulo.
Com relação aos resultados,
Rodrigo afirmou que foram “muito consistentes”. Na condição
de técnico dessa equipe sub-17, Rodrigo teve permissão para
aplicar a metodologia desenvolvida, respeitando uma programação
de acordo com a faixa etária. De todas as categorias do clube,
do sub-11 ao profissional, a sub-17 foi a que obteve os resultados
mais significativos. Comparando o trabalho não-tradicional
executado por Rodrigo com os parâmetros dos testes tradicionais
realizados pelo clube, foi possível observar uma grande evolução
com a nova metodologia. “Os resultados obtidos pela equipe
nas competições foram muito bons, chegando a ter 83,3% de
aproveitamento nos pontos disputados”, atestou Rodrigo. Como
consequência, vários jogadores foram promovidos de categoria
antes do prazo previsto.
Segundo Leitão, o que se busca
é a “engrenagem perfeita” – sua ideia é trabalhar com desafios
e conflitos. O pesquisador esclarece que, nessa perspectiva,
o treinador define a maneira como os sistemas defensivo, ofensivo,
de transição defensiva e de transição ofensiva irão atuar.
Por exemplo: se um dos comportamentos prevê que toda vez que
a equipe perder a bola, tem como objetivo recuperá-la em cinco
segundos, ela, para fazer isso, vai precisar de uma série
de estratégias que a levem a atingir seu objetivo independentemente
da circunstância do jogo. “Eu me preocupo em criar exercícios
e jogos nos quais esse comportamento apareça o tempo todo”,
afirmou. E como isso se dá em forma de jogo – e não apenas
nos treinamentos físico, tático e técnico –, a prática será
vantajosa para o jogador e, ao mesmo tempo, competitiva.
Nessa perspectiva, esclarece
o pesquisador, o jogador fica motivado o tempo todo a tentar
resolver o problema, já que ele está sendo desafiado. Assim,
diz ele, fica fácil inserir qualquer atleta no esquema, desde
o mais talentoso até aquele que tenha mais dificuldades. Como
os jogadores reclamam muito dos treinamentos físicos – que,
tradicionalmente, contribuem muito pouco para o aperfeiçoamento
–, a grande vantagem dessa metodologia, de acordo com Rodrigo,
está no fato de que a bola está presente o tempo todo. “Jogador
não gosta de treino físico. Ele quer é estar com a bola e,
utilizando-a o tempo todo, é possível criar uma sobrecarga
física – que também é tática, técnica e psicológica – com
muito mais empenho”, esclareceu. Como exemplo, Rodrigo disse
que em uma partida normal, os atletas dão em média de 60 a
70 arrancadas. Com essa nova metodologia, nos treinamentos
os jogadores fazem uma média muito maior, empenhando-se mais.
“Quando vão para o jogo, eles fazem muito melhor”, disse.
Imprevisibilidade
Durante uma partida, explica Leitão, existem inúmeras circunstâncias
imprevisíveis, desconhecidas pelo jogador. E o que faz uma
equipe vitoriosa é conseguir que ela responda melhor a essas
circunstâncias. Para Rodrigo, os treinos hoje não proporcionam
isso ao atleta. “O jogador sabe passar, chutar, driblar e
se movimentar, mas como fazer isso o tempo todo, de uma forma
organizada e inteligente? Como faço para que na hora do jogo
o treinador não precise ficar gritando o tempo todo à beira
do gramado, como se o jogador fosse controlado por controle
remoto? Eu diria que, para ganhar o jogo, o atleta deve estar
preparado para resolver circunstâncias imprevisíveis da melhor
maneira possível”, garantiu.
Um
aspecto da pesquisa que Rodrigo considera inovador é a contestação
sobre alguns pontos da inteligência múltipla – que preconiza
que o indivíduo que tem talento para o esporte ou a música,
seguramente, praticará esporte ou música muito bem. O questionamento
é feito na medida em que a inteligência circunstancial – muda
a circunstância, muda a resposta – se apresenta. O pesquisador
entende que o jogador inteligente não é só aquele que sabe
driblar melhor ou aquele que tem a perspicácia para fazer
uma jogada maravilhosa. Na verdade, opina o pesquisador, jogador
inteligente é aquele que consegue tomar a melhor decisão,
com ou sem bola, a qualquer momento do jogo e isso pode ser
um drible, uma “bicicleta” ou um passe. O problema é que num
jogo de futebol o jogador tem pouquíssimo tempo para tomar
uma decisão. Portanto, o treino não deve servir como base
para deixar o jogador mais preparado para, sozinho, desequilibrar
uma partida. Deverá servir para prepará-lo objetivando tomar
a decisão mais adequada, seja para uma jogada individual,
seja para uma composição coletiva do que irá acontecer.
Reclama-se muito no futebol
profissional, especialmente no Brasil, da falta de tempo para
preparação das equipes antes de um campeonato. Procurando
otimizar o treinamento, Rodrigo desenvolveu uma nova proposta
de modelo de treino, classificada por ele como “revolucionária”.
Ela customiza o tempo de treino e desenvolve o raciocínio
do atleta objetivando o que é necessário para vencer um jogo.
Com isso, deixa de fora coisas que são insistentemente trabalhadas
e que, no final das contas, segundo o autor da tese, não farão
diferença no resultado final.
No futebol brasileiro e nos
países que ainda não evoluíram nos estudos sobre esse assunto,
as dimensões física, técnica, tática e psicológica são fragmentadas
e trabalhadas de forma separada. Nessa nova perspectiva, essas
partes estão integradas – o trabalho é sistêmico. “Tenho que
criar um cérebro comum para os onze jogadores não perderem
a autonomia, mas ao mesmo tempo, dados os fatores emocionais,
técnicos, táticos e físicos, agirem de uma forma coesa, como
se fossem um só”, afirmou Rodrigo.
Nessa perspectiva complexa
– e como a ideia é customizar o tempo – os ganhos vêm mais
rápido. Na visão do pesquisador, o trabalho de longo prazo
faz com que se mude o paradigma de que no futebol chega-se
ao topo, tenha o período de manutenção e, consequentemente,
uma queda por ser difícil manter-se na ponta por longo tempo.
A nova metodologia prevê uma constante evolução porque há
uma otimização do trabalho de forma integrada. “A ciência
não pode se distanciar da realidade prática. Se eu monto uma
proposta que diz que vai precisar de dez meses para dar certo,
isso é irreal, porque ninguém fica todo esse tempo num clube
se não conseguir resultados imediatos. Nosso pensamento é
ir para a prática. Qual o problema da prática? Entender os
motivos que levam um time à derrota e à vitória. Eu diria
que o longo prazo é importante, mas no nosso caso pensamos
num programa real para resolver as coisas em curto prazo”,
assegura.
Copa de 2006
Segundo Rodrigo, em tese os melhores jogadores do mundo estavam
na Copa do Mundo da Alemanha, em 2006. Como o objetivo era
investigar a inteligência coletiva e individual dos jogadores,
nada melhor do que momentos de grande pressão em que a decisão
não está somente no que cada jogador quer fazer, mas também
em uma série de circunstâncias envolvidas no processo. A análise
mostrou dados bastante interessantes como, por exemplo, que
grande parte das seleções não se preocupou muito em criar
referências – um “cérebro coletivo” –, no entanto, muitas
investiram na resolução do jogo de uma forma individual. “Obviamente
que não estamos desconsiderando o talento e a criatividade
do jogador, porém se o investimento ficar apenas nisso teremos,
nos momentos cruciais, decisões comuns”, previu.
Rodrigo cita exemplos de clubes
como Barcelona, Inter de Milão e Real Madrid, nos quais é
perceptível uma preocupação em criar um mecanismo coletivo
de decisões, muito provavelmente por ter mais tempo de preparação
do que uma seleção que se reúne esporadicamente. No entanto,
como o trabalho ainda é tradicional com a fragmentação do
físico, técnico e tático, os jogadores não conseguem atingir
o nível desejado.
A análise demonstrou que as seleções que optaram por ter como
referência a marcação por zona, ou jogo zonal, conseguem ter
um comportamento coletivo mais equilibrado do que as equipes
que optam por marcações individuais.
No Mundial, a Itália foi mais
inteligente. Muitas vezes, a melhor equipe na média não é
campeã porque em algum momento não foi mais inteligente que
a outra e naquela circunstância isso tinha um peso maior.
França, Itália e Alemanha foram equipes que optaram a maior
parte do tempo por referências que criaram ações coletivas
mais coesas. Na maior parte do tempo, analisados os resultados
das últimas partidas, são as equipes que na média manifestaram
uma inteligência coletiva de uma forma mais coesa. “Eu diria
que a França tem uma vantagem sobre as outras, porque naquele
país já existe, faz algum tempo, uma preocupação com a construção
de propostas inovadoras para o treinamento”. O mesmo vale
para a Espanha, que há alguns anos investe nesse tipo de conhecimento,
e que hoje tem sido sensação em torneios internacionais com
sua seleção nacional e com a equipe do Barcelona.
Questionado sobre como esse
tipo de metodologia pode chegar aos clubes de futebol, o orientador
lembrou que a universidade tem um papel inverso ao do clube.
Para Moraes, os profissionais de clubes que procuram a Unicamp
para adquirir conhecimento e desenvolver pesquisas é quem
são os responsáveis por levarem essa e outras metodologias
para os clubes de origem. Para ele, de fato, existe um certo
distanciamento entre a teoria e prática, no entanto, compete
ao clube – quando envia um preparador físico, por exemplo,
para a universidade – dar a oportunidade para que ele desenvolva
o trabalho depois. Moraes lembrou que esse trabalho, pautado
pelo individualismo, gerará um trabalho coletivo no futuro.
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