Estudo
realizado pela bióloga Cássia Maria Toledo Saccon descreve
o efeito local no envenenamento causado pela serpente Bothrops
jararacussu ou popularmente conhecida por jararacussu, cujo
gênero é responsável por 90% dos acidentes ofídicos. Segundo
Cássia, o acidente pode provocar um efeito sistêmico e outro
local. “Os efeitos sistêmicos, caracterizados por hemorragia
interna e insuficiência renal, podem levar a pessoa à morte.
Porém, o uso de soro ou antiveneno tem se mostrado eficaz
em neutralizá-los”, explica Cássia.
O que corresponde à descoberta da bióloga é a ação dos
efeitos locais, caracterizados por hemorragia, necrose,
dor e inchaço. Eles ocorrem de forma rápida e progressiva
no local onde ocorreu a picada e não são neutralizados pelo
soro ou outros recursos terapêuticos. “Pela sua ação progressiva,
esses efeitos podem gerar problemas permanentes no membro
acidentado, como atrofia e perda de função e, em alguns
casos, podem levar até mesmo à amputação”, esclarece.
Neste modelo de envenenamento, Cássia estudou as alterações
em três vias proteolíticas endógenas que, já se sabe, estão
associadas a atrofias patológicas, quando ativadas. A suspeita
seria que a ação do veneno nestas vias poderia preencher
uma lacuna sobre o assunto e levar ao desenvolvimento de
novas terapias para o tratamento do dano local, resultantes
do acidente. “Conseguimos traçar o perfil das principais
vias proteolíticas endógenas no envenenamento botrópico
e isso é uma das maiores descobertas do estudo. A partir
de testes com inibidores será possível obter mais esclarecimentos
sobre a ação dessas vias na regeneração do tecido e assim
propor novas terapias”, esclarece.
As vias estudadas foram as calpaínas – proteases ativadas
por cálcio –, as catepsinas lisossomais – proteases ácidas
localizadas no lisossomo que são compartimentos celulares
–, e a via proteossômica – relacionada à degradação seletiva
de proteínas e muito estudada em diversas patologias. Cada
uma das vias possui características diferenciais e foi descrita
na pesquisa orientada pelo professor Stephen Hyslop e apresentada
no Instituto de Biologia (IB).
O estudo envolveu a análise histológica dos músculos envenenados
de camundongos em diversos intervalos de tempo de uma a
72 horas e de sete a 28 dias após a injeção da peçonha.
Pelos resultados, Cássia constatou que as calpaínas são
ativadas nos primeiros momentos após o envenenamento. Isto
significa, segundo a bióloga, que esta via poderia contribuir
com o dano tecidual. Já as catepsinas e a via proteossômica
estão ativadas nos momentos mais tardios do envenenamento
e por isso podem ter relação com a regeneração muscular.
Avaliaram-se também os períodos em que ocorrem as principais
alterações teciduais causadas pela peçonha, e essas alterações
foram divididas em fases. Na primeira fase, ocorre a hemorragia
e necrose do tecido, entre seis e doze horas após o envenenamento.
Num segundo momento, entre 12 horas e 72 horas, ocorre o
que se chama de infiltrado inflamatório e, na terceira fase,
a partir de sete dias há a presença de células regenerativas,
facilmente reconhecidas por possuírem um núcleo central.