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Pesquisadores desenvolvem
nanopeneiras poliméricas

Produzidas com materiais biocompatíveis,
podem ser usadas na liberação controlada de medicamentos


LUIZ SUGIMOTO

Luis Enrique Gutierrez-Rivera, autor da tese, e a professora Lucila Cescato, orientadora da pesquisa: superfície lisa facilita o escoamento e permite a retrolavagem (Foto: Antoninho Perri)Pesquisadores da Unicamp acabam de desenvolver nanopeneiras poliméricas, com aplicações principalmente em processos biológicos, que prometem ser alternativa bem mais eficaz do que as membranas de microfiltração disponíveis no mercado. São materiais biocompatíveis e biodegradáveis de uso potencial, por exemplo, em cápsulas implantadas no corpo humano para a liberação controlada de medicamentos.

“Não há registro na literatura de peneiras ou membranas com este polímero e a mesma homogeneidade e dimensões submicrométricas dos poros. Essas características permitem direcioná-las para aplicações biológicas como filtração de vírus, bactérias e glóbulos vermelhos”, afirma Luis Enrique Gutierrez-Rivera, que defendeu a tese de doutorado no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW).

Microscopia eletrônica da nanopeneira (Imagens: Divulgação)Segundo a professora Lucila Cescato, orientadora da pesquisa, o processo de fabricação das nanopeneiras envolveu a litografia interferométrica (ou holográfica), técnica desenvolvida no Laboratório de Óptica do IFGW, que ela coordena. “A técnica consiste em projetar um padrão de interferência, gerado através de dois feixes de laser que, quando coincidem no espaço, demarcam regiões claras e escuras, intercaladamente”.

Este padrão de luz e sombra, conforme explicação da docente, é gravado duas vezes no material fotossensível (no caso, a resina negativa SU-8). A resina é girada em 90 graus entre as exposições e submetida posteriormente à revelação. “Quando removemos a região não-sensibilizada, formam-se os poros. E, se promovermos mais exposições ao padrão de interferência, é possível gerar estruturas tridimensionais”.Gutierrez-Rivera informa que desenvolveu nanopeneiras feitas do polímero PLLA (mistura de ácido poli-L-láctico), que tem a propriedade de se decompor e ser absorvido pelo organismo. “Na década de

Fotografia digital da nanopeneira (Imagens: Divulgação)1990, o material dominante em sistemas microeletromecânicos para aplicações biomédicas era o silício, mas nos últimos anos vem sendo cada vez maior a utilização de polímeros, devido às suas propriedades de biocompatibilidade e moldabilidade”.

Lucila Cescato observa, entretanto, que as membranas comerciais são produzidas através da síntese de polímeros, o que implica em pouca uniformidade no tamanho dos poros e também na sua estrutura. “As indústrias de alimentos e químicas utilizam largamente estas membranas na filtração de partículas em função do baixo custo. Ocorre que esses processos não exigem tanta seletividade; coadores de café, por exemplo, são membranas deste tipo”.

Microscopia eletrônica da nanopeneira separando partículassubmicrométricas de poliestireno (Imagens: Divulgação)Já em uma hemodiálise, onde a seletividade é essencial, irregularidades no tamanho dos poros e na morfologia oferecem uma probabilidade, ainda que pequena, de que uma bactéria passe pela membrana. “Diferentemente dos materiais sólidos, os sistemas vivos são mais complicados, havendo células que se contraem e conseguem passar por cavidades menores que o seu tamanho”, ilustra a professora do IFGW.

Além da homogeneidade dos poros, as nanopeneiras possuem superfície lisa, o que facilita o escoamento e permite a retrolavagem, quando um dos problemas na filtração é o entupimento e inutilização das membranas. Por outro lado, Lucila Cescato atenta que por serem muito finas, as nanopeneiras não funcionam em processos industriais com taxa de filtragem e pressão elevadas. “O preço também não seria competitivo para uso em larga escala. Sua melhor aplicação é na filtragem por difusão”.

Drug delivery
Por conta disso, Luis Gutierrez-Rivera buscou nanopeneiras com dimensões e características apropriadas para cápsulas que funcionam como microrreservatórios de onde drogas são difundidas para o fluxo sanguíneo (Drug Delivery System). “A uniformidade dos poros torna o processo muito mais controlável. A eficácia das drogas depende da concentração adequada: doses acima do indicado são tóxicas, enquanto que doses baixas não possuem efeito terapêutico e geram resistência”.

Outra aplicação pensada para esses dispositivos, de acordo com o autor da tese, é em microrreservatórios contendo células vivas produtoras de substâncias como a insulina. Na tela do computador, ele mostra o desenho de uma cápsula de 4 milímetros. “Além de controlar a taxa de difusão de insulina para o corpo, a nanopeneira protege as células produtoras em seu interior, já que o diâmetro reduzido dos poros impede que os anticorpos entrem para destruí-las”.

Nas três imagens acima, as irregularidades  das membranas poliméricas em  relação a diâmetro dos poros, superfície e perfil lateral (Imagens: Divulgação)As nanopereiras poderiam substituir as membranas poliméricas em mais uma aplicação importante, como biossensores que monitoram o fluxo de sangue através das artérias para detectar possíveis estreitamentos. A vantagem dos dispositivos desenvolvidos por Gutierrez-Rivera está, mais uma vez, na uniformidade dos poros e da estrutura, ao passo que as membranas comerciais apresentam problemas de permeabilidade e seletividade com frequência.

Baixo custo
Na tese, o autor explica que em membranas comerciais a máxima homogeneidade de poros, na faixa submicrométrica, é obtida pela técnica de track etching, ainda assim com distribuição aleatória e variação de tamanho em torno de 35%. “Na última década, têm sido empregadas técnicas de fotolitografia de alta resolução para alcançar melhor homogeneidade e dimensões apropriadas para novas aplicações biológicas, tais como análise de proteínas e separação de vírus”.

A ressalva do pesquisador é que para fotolitografar poros com dimensões submicrométricas são necessárias fontes de comprimento de onda muito pequenos, como feixe de elétrons, feixe de íons, luz ultravioleta ou raio-X, sistemas extremamente caros ou que se restringem a áreas muito pequenas. “A técnica que utilizamos – exposição holográfica ou litografia interferométrica – mostrou-se uma alternativa interessante e de baixo custo para gravação de poros com dimensões na faixa de 0,2 a 1 mícron, em áreas de até 4 polegadas, de uma só vez”.

Como acrescenta a professora Lucila Cescato, esta técnica permite gravar poros extremamente pequenos em uma área grande, o que seria muito difícil com outro tipo de processo. “O sistema de escrita por feixe de elétrons ou de íons, cujo instrumental é caríssimo, grava em áreas de 100 por 100 mícrons [100 mícrons equivalem a um décimo do milímetro]. Recorrendo à litografia holográfica, gravamos praticamente com a mesma resolução (poros na faixa de 200 a 600 nanômetros) em áreas de centímetros”.

Buscando parceiros para testar aplicativos

O desenvolvimento das nanopeneiras poliméricas por Luis Gutierrez-Rivera compreendeu desde a escolha dos materiais e processos, passando pela obtenção das estruturas poliméricas furadas, até a sua caracterização como dispositivos de separação e filtração de partículas. Agora, o autor da tese deverá realizar um pós-doutorado focando as aplicações para as micropeneiras e caracterizando vazão, resistência e outras grandezas, direcionando-as a processos biológicos e farmacológicos.

O próximo passo nesse sentindo, segundo a professora Lucila Cescato, será a busca de interação com grupos das áreas de biologia e de química envolvidos com esse tipo de aplicação. “Nós chegamos a produzir cápsulas no mesmo material, mas não temos conhecimento nem instrumental, por exemplo, para inserir células dentro delas ou para medir o fluxo de drogas ou outras substâncias”.

A importância da interdisciplinaridade leva Lucila Cescato a recordar a origem do próprio Laboratório de Óptica do Instituto de Física, coordenado por ela. “O foco principal era o estudo de materiais fotossensíveis e, para isso, desenvolvemos a técnica de interferometria. Com o tempo, começamos a utilizar esse instrumental para produzir componentes ópticos difrativos e posteriomente cristais fotônicos, o que se tornou nosso forte”.

A sugestão de desenvolver componentes mecânicos como as peneiras por meio da interferometria, acrescenta a pesquisadora, veio do professor Luiz Otávio Saraiva Ferreira, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), com o incentivo da professora Maria Aparecida Silva, da Faculdade de Engenharia Química, co-orientadora de Gutierrez-Rivera durante o mestrado. “Idealizamos as nanopeneiras para uso em fármacos, mas elas podem servir na filtração de partículas entre 100 nanos e 1 mícron – é a chamada faixa de ultrafiltração, em que se inserem elementos como fumaça de tabaco, látex, asbesto, glóbulos vermelhos, bactérias e vírus”.


 
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