Pesquisadores desenvolvem
nanopeneiras poliméricas
Produzidas com materiais biocompatíveis,
podem ser usadas na liberação controlada de medicamentos
LUIZ SUGIMOTO
Pesquisadores
da Unicamp acabam de desenvolver nanopeneiras poliméricas,
com aplicações principalmente em processos biológicos, que
prometem ser alternativa bem mais eficaz do que as membranas
de microfiltração disponíveis no mercado. São materiais
biocompatíveis e biodegradáveis de uso potencial, por exemplo,
em cápsulas implantadas no corpo humano para a liberação
controlada de medicamentos.
“Não há registro na literatura de peneiras ou membranas
com este polímero e a mesma homogeneidade e dimensões submicrométricas
dos poros. Essas características permitem direcioná-las
para aplicações biológicas como filtração de vírus, bactérias
e glóbulos vermelhos”, afirma Luis Enrique Gutierrez-Rivera,
que defendeu a tese de doutorado no Instituto de Física
Gleb Wataghin (IFGW).
Segundo
a professora Lucila Cescato, orientadora da pesquisa, o
processo de fabricação das nanopeneiras envolveu a litografia
interferométrica (ou holográfica), técnica desenvolvida
no Laboratório de Óptica do IFGW, que ela coordena. “A técnica
consiste em projetar um padrão de interferência, gerado
através de dois feixes de laser que, quando coincidem no
espaço, demarcam regiões claras e escuras, intercaladamente”.
Este padrão de luz e sombra, conforme explicação da docente,
é gravado duas vezes no material fotossensível (no caso,
a resina negativa SU-8). A resina é girada em 90 graus entre
as exposições e submetida posteriormente à revelação. “Quando
removemos a região não-sensibilizada, formam-se os poros.
E, se promovermos mais exposições ao padrão de interferência,
é possível gerar estruturas tridimensionais”.Gutierrez-Rivera
informa que desenvolveu nanopeneiras feitas do polímero
PLLA (mistura de ácido poli-L-láctico), que tem a propriedade
de se decompor e ser absorvido pelo organismo. “Na década
de
1990,
o material dominante em sistemas microeletromecânicos para
aplicações biomédicas era o silício, mas nos últimos anos
vem sendo cada vez maior a utilização de polímeros, devido
às suas propriedades de biocompatibilidade e moldabilidade”.
Lucila Cescato observa, entretanto, que as membranas comerciais
são produzidas através da síntese de polímeros, o que implica
em pouca uniformidade no tamanho dos poros e também na sua
estrutura. “As indústrias de alimentos e químicas utilizam
largamente estas membranas na filtração de partículas em
função do baixo custo. Ocorre que esses processos não exigem
tanta seletividade; coadores de café, por exemplo, são membranas
deste tipo”.
Já
em uma hemodiálise, onde a seletividade é essencial, irregularidades
no tamanho dos poros e na morfologia oferecem uma probabilidade,
ainda que pequena, de que uma bactéria passe pela membrana.
“Diferentemente dos materiais sólidos, os sistemas vivos
são mais complicados, havendo células que se contraem e
conseguem passar por cavidades menores que o seu tamanho”,
ilustra a professora do IFGW.
Além da homogeneidade dos poros, as nanopeneiras possuem
superfície lisa, o que facilita o escoamento e permite a
retrolavagem, quando um dos problemas na filtração é o entupimento
e inutilização das membranas. Por outro lado, Lucila Cescato
atenta que por serem muito finas, as nanopeneiras não funcionam
em processos industriais com taxa de filtragem e pressão
elevadas. “O preço também não seria competitivo para uso
em larga escala. Sua melhor aplicação é na filtragem por
difusão”.
Drug delivery
Por conta disso, Luis Gutierrez-Rivera buscou nanopeneiras
com dimensões e características apropriadas para cápsulas
que funcionam como microrreservatórios de onde drogas são
difundidas para o fluxo sanguíneo (Drug Delivery System).
“A uniformidade dos poros torna o processo muito mais controlável.
A eficácia das drogas depende da concentração adequada:
doses acima do indicado são tóxicas, enquanto que doses
baixas não possuem efeito terapêutico e geram resistência”.
Outra aplicação pensada
para esses dispositivos, de acordo com o autor da tese,
é em microrreservatórios contendo células vivas produtoras
de substâncias como a insulina. Na tela do computador, ele
mostra o desenho de uma cápsula de 4 milímetros. “Além de
controlar a taxa de difusão de insulina para o corpo, a
nanopeneira protege as células produtoras em seu interior,
já que o diâmetro reduzido dos poros impede que os anticorpos
entrem para destruí-las”.
As
nanopereiras poderiam substituir as membranas poliméricas
em mais uma aplicação importante, como biossensores que
monitoram o fluxo de sangue através das artérias para detectar
possíveis estreitamentos. A vantagem dos dispositivos desenvolvidos
por Gutierrez-Rivera está, mais uma vez, na uniformidade
dos poros e da estrutura, ao passo que as membranas comerciais
apresentam problemas de permeabilidade e seletividade com
frequência.
Baixo custo
Na tese, o autor explica que em membranas comerciais a máxima
homogeneidade de poros, na faixa submicrométrica, é obtida
pela técnica de track etching, ainda assim com distribuição
aleatória e variação de tamanho em torno de 35%. “Na última
década, têm sido empregadas técnicas de fotolitografia de
alta resolução para alcançar melhor homogeneidade e dimensões
apropriadas para novas aplicações biológicas, tais como
análise de proteínas e separação de vírus”.
A ressalva do pesquisador
é que para fotolitografar poros com dimensões submicrométricas
são necessárias fontes de comprimento de onda muito pequenos,
como feixe de elétrons, feixe de íons, luz ultravioleta
ou raio-X, sistemas extremamente caros ou que se restringem
a áreas muito pequenas. “A técnica que utilizamos – exposição
holográfica ou litografia interferométrica – mostrou-se
uma alternativa interessante e de baixo custo para gravação
de poros com dimensões na faixa de 0,2 a 1 mícron, em áreas
de até 4 polegadas, de uma só vez”.
Como acrescenta a professora
Lucila Cescato, esta técnica permite gravar poros extremamente
pequenos em uma área grande, o que seria muito difícil com
outro tipo de processo. “O sistema de escrita por feixe
de elétrons ou de íons, cujo instrumental é caríssimo, grava
em áreas de 100 por 100 mícrons [100 mícrons equivalem a
um décimo do milímetro]. Recorrendo à litografia holográfica,
gravamos praticamente com a mesma resolução (poros na faixa
de 200 a 600 nanômetros) em áreas de centímetros”.
Buscando parceiros para testar
aplicativos
O desenvolvimento
das nanopeneiras poliméricas por Luis Gutierrez-Rivera
compreendeu desde a escolha dos materiais e processos,
passando pela obtenção das estruturas poliméricas
furadas, até a sua caracterização como dispositivos
de separação e filtração de partículas. Agora, o autor
da tese deverá realizar um pós-doutorado focando as
aplicações para as micropeneiras e caracterizando
vazão, resistência e outras grandezas, direcionando-as
a processos biológicos e farmacológicos.
O próximo passo
nesse sentindo, segundo a professora Lucila Cescato,
será a busca de interação com grupos das áreas de
biologia e de química envolvidos com esse tipo de
aplicação. “Nós chegamos a produzir cápsulas no mesmo
material, mas não temos conhecimento nem instrumental,
por exemplo, para inserir células dentro delas ou
para medir o fluxo de drogas ou outras substâncias”.
A importância
da interdisciplinaridade leva Lucila Cescato a recordar
a origem do próprio Laboratório de Óptica do Instituto
de Física, coordenado por ela. “O foco principal era
o estudo de materiais fotossensíveis e, para isso,
desenvolvemos a técnica de interferometria. Com o
tempo, começamos a utilizar esse instrumental para
produzir componentes ópticos difrativos e posteriomente
cristais fotônicos, o que se tornou nosso forte”.
A sugestão de
desenvolver componentes mecânicos como as peneiras
por meio da interferometria, acrescenta a pesquisadora,
veio do professor Luiz Otávio Saraiva Ferreira, da
Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), com o incentivo
da professora Maria Aparecida Silva, da Faculdade
de Engenharia Química, co-orientadora de Gutierrez-Rivera
durante o mestrado. “Idealizamos as nanopeneiras para
uso em fármacos, mas elas podem servir na filtração
de partículas entre 100 nanos e 1 mícron – é a chamada
faixa de ultrafiltração, em que se inserem elementos
como fumaça de tabaco, látex, asbesto, glóbulos vermelhos,
bactérias e vírus”.
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