Biofilmes antimicrobianos
protegem alimentos
Testes feitos na FEQ mostram que
invólucros
são seguros e podem chegar às prateleiras
CARMO
GALLO NETTO
O
problema é corriqueiro e bem conhecido dos consumidores
de queijos: principalmente depois de retiradas as embalagens,
fungos e outros microrganismos ganham rapidamente a superfície.
Há ainda o problema da utilização de invólucros sintéticos,
não biodegradáveis. O que fazer?
A garantia da segurança
microbiológica e a manutenção da qualidade nutricional dos
produtos alimentícios processados, bem como a necessidade
de redução da utilização de embalagens sintéticas, são alguns
dos principais desafios enfrentados pelo setor de comercialização
de alimentos. Estas questões têm levado nas últimas décadas
ao desenvolvimento de embalagens – filmes e coberturas –
elaboradas a partir de matérias-primas renováveis, como
os polissacarídeos, as proteínas e os lipídios.
Ainda que esses filmes e
coberturas não venham a substituir totalmente as embalagens
plásticas tradicionais, podem contribuir significativamente
para a redução de seu uso e, mais que isso, atuar como suportes
na liberação controlada de substâncias ativas que evitem
o desenvolvimento de microrganismos, além de limitar a migração
de umidade, aromas e lipídios.
Na produção de queijos,
por exemplo, os conservantes são adicionados diretamente
na massa ou, em alguns casos, o produto é imerso em uma
solução do antimicrobiano. Modernamente se propõe que o
agente antimicrobiano esteja no próprio invólucro e seja
liberado ao longo do maior tempo possível, de maneira a
preservar o produto, aumentando o que se denomina vida de
prateleira.
Diante dessa perspectiva,
a tecnologia de biofilmes antimicrobianos vem despertando
o interesse de pesquisadores que procuram compreender e
controlar os mecanismos que determinam a transferência para
a superfície do alimento de agentes ativos incorporados
na matriz polimérica de que é constituído o filme. Diante
da constatação de que na maioria dos alimentos sólidos e
semi-sólidos o crescimento microbiano ocorre na superfície,
surge a possibilidade de utilização de menores quantidades
de conservantes químicos em relação ao que se utiliza quando
adicionados diretamente no produto.
Trabalhos desse tipo vêm
sendo desenvolvidos, desde 2000, no Laboratório de Engenharia
de Produtos e Processos em Biorrecursos, dirigido pelo engenheiro
químico Theo Guenter Kieckbusch, da Faculdade de Engenharia
Química (FEQ) da Unicamp, que desenvolveu técnica de obtenção
de filmes de alginato com baixa solubilidade em água.
Mais recentemente foi incorporada
a essa linha de pesquisa a obtenção de filmes compostos
de alginato e quitosana devido à possibilidade desses dois
biopolímeros formarem complexos polieletrolíticos, por exibirem
centros de cargas opostas, que permitem melhorar as propriedades
dos filmes em relação aos obtidos através desses componentes
quando utilizados isoladamente. Além disso, a quitosana
apresenta atividade antimicrobiana inerente, o que poderia
contribuir para o caráter ativo do filme.
Foi
com base nessas idéias que a pesquisadora Mariana Altenhofen
da Silva, orientada pelo professor Theo, como é mais conhecido,
desenvolveu sua pesquisa de doutorado focada no estudo da
mistura dessas duas macromoléculas – alginato e quitosana
–, com o objetivo de obter possíveis matrizes para a liberação
controlada de agentes antimicrobianos, concentrando-se,
no caso, na utilização do sorbato de potássio e natamicina,
de efeitos e usos sobejamente comprovados. Os trabalhos
foram desenvolvidos em parceria com o Instituto de Tecnologia
de Alimentos (Ital), de Campinas, que teve a participação
direta das pesquisadoras Marta Hiromi Taniwaki e Beatriz
Thie Iamanaka.
Além de visar a otimização
do processo de elaboração de filmes de alginato e de filmes
compostos de alginato e quitosana, o trabalho ateve-se a
determinar a eficiência de dois agentes antifúngicos – sorbato
de potássio e natamicina, incorporados nos filmes, contra
três microrganismos de alta ocorrência em queijos , com
vistas a uma possível aplicação como embalagem antimicrobiana
em alimentos de umidade intermediária.
A autora deteve-se também
no estudo da cinética de liberação da natamicina nas matrizes
poliméricas formadas e na determinação do efeito de sua
adição nas propriedades químicas e físicas dos filmes.
Mariana concluiu que a metodologia
desenvolvida no trabalho permite a efetiva obtenção de filmes
ativos de alginato e filmes ativos compostos de alginato
e quitosana contendo natamicina. Ela descreve as condições
que permitem a confecção de filmes com características adequadas
para aplicação como embalagem de alimentos –aparência atraente,
baixa massa solubilizada em água, baixa permeabilidade ao
vapor de água, baixo grau de intumescimento e propriedades
mecânicas apropriadas para o manuseio. Segundo ela, “os
resultados obtidos permitem afirmar que os filmes desenvolvidos
contendo natamicina apresentam excelente perspectiva de
atuação como filmes antimicrobianos para alimentos”.
O processo
O professor Theo conta que foi levado a desenvolver a tecnologia
de filmes de alginato quando se deu conta que o seu processo
de obtenção não era simples porque o produto apresentava
alta solubilidade em água. Ele introduziu então duas etapas
na sua produção: da primeira, resulta um filme simples,
solúvel em água que, em seguida, submetido a um pós-tratamento
com solução de cloreto de cálcio, torna-se menos solúvel
e mais resistente. O resultado foi auspicioso porque desse
processo resultaram filmes menos solúveis que os obtidos
a partir de proteínas, de amido ou de produtos dele derivados,
que levam a perdas de 30% a 40%. O alginato, muito usado
na indústria e por isso muito conhecido, é um polímero natural,
de estrutura linear e que dá origem a um filme transparente.
O pesquisador explica que
na obtenção desses filmes atualmente se usa, além do alginato,
a quitosana, que depois da celulose é o biopolímero mais
abundante no mundo. Então ele passou a estudar a formação
de filmes compostos de alginato e quitosana, cujas moléculas,
por apresentarem respectivamente centros negativos e positivos,
não exigiram a presença de íons positivos de cálcio para
se unirem.
A idéia inicial era usar
o filme na embalagem de alimentos que tivessem baixa umidade,
adicionando durante sua formação um antimicrobiano – o sorbato
de potássio – que fosse sendo liberado lentamente e que
tivesse uma ação muito efetiva sobre fungos e outros microrganismos.
O objetivo inicial foi a utilização em queijos e por isso
foram testados os microrganismos que crescem em suas superfícies.
Os filmes assim obtidos
foram submetidos a ensaios microbiológicos no Laboratório
de Microbiologia do Ital. No processo, os microrganismos
a serem combatidos são aplicados sobre um gel de Ágar sobre
o qual é aplicado um pequeno disco do filme. Como mostra
a figura nesta página, em torno desse disco delinea-se um
anel protegido dos microrganismos que se desenvolveram apenas
a partir dele.
No
entanto, verificou-se que a utilização do sorbato de potássio,
o mais comum dos antimicrobianos utilizados em alimentos,
não funcionou como se pretendia, pois, além de liberá-lo
rapidamente, o filme não apresentava as propriedades e as
características desejadas.
Mariana conta que o sucesso
foi alcançado quando passaram a utilizar como antimicrobiano
o produto natural natamicina e metade da concentração máxima
de quitosana (17,5%) na mistura. A natamicina provavelmente
interage com a quitosana apresentando liberação mais lenta,
conforme desejavam. A utilização de 35% de quitosana, na
mistura, levou a filmes de cor amarelada que apresentaram
algumas deformações e fissuras, fatores que dificultam o
controle da liberação do antimicrobiano.
Extrapolando os resultados,
o professor Theo está convencido de que utilizando 20% de
quitosana se conseguirá uma liberação ainda mais lenta,
mantendo-se no filme as características desejadas quanto
à solubilidade menor em água, resistência mecânica e quanto
ao resultado com o emprego da natamicina que foi surpreendente
quanto à baixa velocidade de liberação.
Estes ensaios não foram
realizados por Mariana durante a pesquisa por limitação
de tempo, pois a idéia da utilização da natamicina surgiu
quando os trabalhos já iam adiantados. A propósito, o orientador
considera que o emprego da natamicina constituiu o grande
achado, e surgiu de um trabalho realizado em Minas Gerais
que mostra a utilização da substância na conservação de
queijos. Ele considera que a transposição dos resultados
do laboratório para a indústria demanda ainda um longo caminho.
O professor Theo pretende
na seqüência obter filmes de alginato com outros polímeros,
como a pectina, com vistas a contornar o problema do alginato
que gera filmes resistentes, duros, mas de pouca plasticidade,
com o objetivo de conseguir propriedades adequadas quanto
à resistência, solubilidade e capazes de liberarem antimicrobianos
com a velocidade adequada.