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A poesia eletrônica, quem diria, faz 50 anos


ÁLVARO KASSAB

O livro/cd-rom Poesia eletrônica: negociações com os processos digitais, recém-lançado pelo pesquisador Jorge Luiz Antonio, já foi chamado de quase-enciclopédia da poesia eletrônica, gênero cuja primeira obra data de 1959 com o engenheiro alemão Theo Lutz. O autor, porém, não vai parar por aí: além de manter um blog para as devidas atualizações, decidiu aprofundar suas incursões na modalidade em pesquisa de pós-doutorado no Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, cujo tema é Tecno-arte-poesia: mapeamentos e leituras. Na entrevista que segue, Antonio fala sobre o papel da ciberpoesia.

(Foto: Reprodução)Jornal da Unicamp – Seu livro Poesia eletrônica: negociações com os processos digitais parte da premissa de que a poesia eletrônica acaba de completar 50 anos. Qual foi, digamos, o “marco cronológico” da obra?
Jorge Luiz Antonio – Toda afirmação desse tipo necessita de uma justificativa: de acordo com o resultado de minhas pesquisas, até o presente momento, a poesia eletrônica teve seu início em 1959, ou talvez no ano anterior, com uma experiência textual, denominada “Stochastische Texte” (Textos estocásticos), cujo relato-manifesto foi publicado na revista alemã Augenblick, de outubro/dezembro de 1959.

Theo Lutz escolheu as cem primeiras palavras de Das Schloss (O Castelo), de Franz Kafka, e criou novos textos a partir delas, usando um programa computacional que produzia frases na estrutura da língua alemã.

Essa data e esse aspecto vêm sendo corroborados por outros estudiosos do assunto no Brasil e no exterior. Vale ressaltar que a preparação dos textos estocásticos aconteceu antes da publicação, mas isso é assunto que preciso pesquisar. Cada país tem seu precursor: EUA (1960), Itália (1961), Canadá (1964), Brasil (1966 e/ou 1972) etc.
As primeiras experiências, feitas com os grandes computadores, me parece que são lembradas por poucos estudiosos, mas a segunda – por ocasião do surgimento do computador pessoal – e a terceira – criação da rede digital – tornaram a poesia eletrônica mais conhecida.

Prehistoric Digital Poetry: An Archaeology of Forms, 1959-1995, de Chris Funkhouser, é uma das boas obras que trazem uma pesquisa muito significativa desse primeiro tempo.
No momento, vamos estabelecer o ano de 1959 como início. Se pesquisas posteriores me indicarem uma data anterior, farei as modificações na próxima edição do livro cd-rom.

JU – Existem muitas denominações para esse tipo de poesia. É possível estabelecer um nome geral?
Jorge Luiz Antonio – Até o presente momento, não pude fazer isso. No primeiro momento das pesquisas, fui listando os nomes que os poetas e criadores vinham conceituando. Muitos deles criaram outras palavras. A lista tem mais de oitenta denominações. Todo esse garimpo me permitiu chegar à conclusão que cada nome corresponde a um estágio da tecnologia, o que me levou a considerar nove tipologias não estantes.

De um modo geral, há termos mais comumente usados como computer poetry em muitas línguas, com exceção dos franceses, que preferem poésie numérique; poesia digital, de uso mais popular; ciberpoesia, especialmente usado nos primeiros momentos; o termo “poesia eletrônica” é o mais usado nos meios universitários norte-americanos, especialmente porque é o nome de um festival internacional, o E-Poetry, e porque um dos seus presidentes, Loss Pequeño Glazier (EUA), escreveu Digital Poetics: The Making of E-Poetries.

JU – Como foi seu trabalho de prospecção das diferentes vertentes e plataformas da modalidade? Trata-se de mapeamento inédito do gênero no país? Se sim, você teve a intenção de preencher essa lacuna bibliográfica?
Jorge Luiz Antonio – O trabalho de pesquisa foi lento, exigiu diferentes estratégias de busca, mas foi gratificante.

A pesquisa foi despertada quando fiz em 1997 o curso de Infopoesia e Poesia Sonora, com E. M. de Melo e Castro, e foi sendo aprofundada principalmente a partir de 1999, quando preparei o projeto de pesquisa para o doutorado (2000-2005) e está se desdobrando na pesquisa de pós-doutorado, no DTL-IEL-Unicamp, sob a supervisão do professor Paulo Franchetti, com bolsa Fapesp (2009 a 2011), cujo tema é: “Tecno-arte-poesia: mapeamentos e leituras”.

O livro cd-rom apresenta três grande partes – teoria, história, antologias –, cujo encadeamento lógico se completa com uma tipologia contendo exemplos comentados.
É preciso explicar o termo “mapeamento inédito do gênero no país”. Para não me estender na resposta e também não correr o risco de reduzi-la ou truncá-la, vou considerar dois tipos de publicações: livros e periódicos impressos ou eletrônicos.

A primeira obra brasileira sobre o assunto de que tenho conhecimento é Ensaio sobre o texto poético em contexto digital, de Antonio Risério (1998). O estudo panorâmico e particular que o autor realizou continua válido e é de boa qualidade.
Embora não trate exclusivamente de poesia digital, encontramos a teorização e bom mapeamento em Processos criativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais, de Julio Plaza e Monica Tavares (1998).

No período de 2000 a 2008, há uma série de livros que tratam de ciberespaço, literatura, informática, tecnologia, hipertexto, sempre abordando muitos temas, não especificamente a poesia eletrônica. Os nomes dos organizadores e dos autores desses textos estão na bibliografia do meu livro cd-rom, que é, por sinal, bastante extensa.
Luz e letras: ensaios de Arte, Literatura e Comunicação, de Eduardo Kac (2004), traz um registro importante dos anos de 1980, tanto da obra do autor como de outros pioneiros.
Arteciência: afluência de signos co-moventes, de Roland de Azeredo Campos, é uma obra que traz boas relações entre poesia e Física.

Há autores, na área da Teoria Literária, que trataram do assunto: Literatura e comunicação na Era da Eletrônica (Fábio Lucas, 2001), Novo Manual de Teoria Literária (Rogel Samuel, 2007). Acabei de receber, por exemplo, Teoria da Literatura: criatividade e estrutura, de Francisco Soares –professor português, radicado em Angola, e que já viveu em Campinas.

No estudo da videopoesia, com muitas referências à poesia eletrônica, temos Comunicação tecnoestética nas mídias audiovisuais, de Denise Azevedo Duarte Guimarães (2007).

Há dissertações e teses que precisam ser mapeadas. Tenho algumas, mas a lista continua a crescer.

Não teria como abordar os capítulos e trechos de livros, cujos primeiros registros que encontrei são de 1964 (Algumas reflexões sobre poética de vanguarda e 22 e a poesia de hoje, ambos de Cassiano Ricardo), 1967 (Melo e Castro, Italo Calvino, Octavio Paz), 1970 (Dick Higgins), 1973 (Richard Bayley), 1976 (Pedro Barbosa) etc.
Também fica difícil fazer uma síntese de periódicos. Não foi, na verdade, um mapeamento específico, por isso refiro-me apenas à entrevista de Erthos Albino de Souza (1932-2000) a Carlos Ávila em 12 de janeiro de 1983, no jornal Estado de Minas, Belo Horizonte.

JU – Quais são, em sua opinião, os pontos que separam a poesia eletrônica da convencional? O ciberleitor é diferente do leitor de obras impressas? Ele interage mais?
Jorge Luiz Antonio – A poesia eletrônica é uma continuação da poesia até então existente. Ela é uma poetização da tecnologia computacional.

O adjetivo “eletrônica”, “digital”, “cibernética” etc. particulariza o tipo de poesia, pois indica uma linguagem híbrida, que envolve poesia, artes e tecnologia.

De um modo geral, há uma espécie de “realização” daquilo que, ao lermos, um poema nos desperta: imagens, sons, movimentos, interatividade ao nível de ideias e imaginário etc. Além dessa “realização”, essa linguagem tecno-artística-poética produz novos significados. Ela se torna um tipo de poesia contemporânea, formada de palavras, formas gráficas, imagens, grafismos, sons, elementos esses animados ou não, que são, na maior parte das vezes, itnerativos, hipertextuais e/ou hipermidiáticos e constituem um texto eletrônico, um hipertexto e/ou uma hipermídia.

JU – O sr. afirma que seu livro investiga “as negociações semióticas da poesia com as tecnologias computacionais (mediação, intervenção e transmutação)”, ressaltando em seguida que essa mediação gera trocas e partilhas. Quais são as mais relevantes e como elas se dão?
Jorge Luiz Antonio – As trocas e partilhas ocorrem em três momentos. Nem sempre e não necessariamente esses momentos são sequenciais ou obedecem a uma continuidade cronológica. Nem sempre são os mesmos poetas que alcançam esses momentos.

MÁQUINA

Luzes de mais
ofuscam os meus olhos.
Luzes de menos
fazem-me doente.
Dêem-me um dispositivo automático
para regular o sol
ao nascer, no zénite e no poente.

Parece-me adequado exemplificar com poemas que sejam anteriores à poesia eletrônica ou que estejam em época próxima. O primeiro momento é quando os neologismos e conceitos tecnológicos são assimilados para uso social e profissional e passam a ser a temática das poesias. “Máquina”, de E. M. de Melo e Castro, de 1950, é um caso interessante em que o eu-poético fala de um ciborgue. Como é um poema curto, vale transcrevê-lo:

Eno Teodoro Wanke (1929-2001), poeta, historiador e engenheiro, publica o soneto “O computador”, no qual explica o que é um computador da sua época e o apresenta em forma de verso rimado e metrificado. Usar o soneto para falar da “mais humana máquina inventada” faz lembrar a programação a que o soneto está submetido: número de estrofes e de sílabas métricas, tipos de rimas etc. E curiosamente o soneto faz parte do livro O acendedor de sonetos, que, de certa forma, é uma referência a uma outra questão da tecnologia, a exemplo do soneto “O acendedor de lampiões”, de Jorge de Lima, publicado em XIV Alexandrinos, de 1914, que evoca o lampião de gás, anterior à luz elétrica, que modificou a paisagem noturna das cidades no final do século XIX.

Uma outra fase, ou segundo momento, não necessariamente posterior, do ponto de vista cronológico, compreende a partilha de procedimentos da tecnologia e da ciência que passam a ser imitados ou aproveitados para o fazer poético.

Esses dois primeiros momentos não podem ser denominados de poesia eletrônica, no sentido que foi conceituado no livro cd-rom. É por isso que dediquei o segundo capítulo – Poesia, arte, ciência e tecnologia – a um panorama histórico desde a Grécia Antiga à atualidade.

“C(r)omossomos”, de Paulo Bruscky, de 1995, é um exemplo em que a fotografia microscópia dos cromossomos é apropriada pelo título: “como” “somos”, “cromossomos”, ou mesmo, “cromo” “somos”.

Num terceiro momento ocorre a intervenção do poeta na tecnologia, transformando a linguagens artísticas e tecnológicas. Um dos muitos exemplos é “vita4pm” – disponível em: http://warnell.com/real/four04.htm –, de Ted Warnell (Canadá), que faz uma homenagem ao poeta brasileiro Philadelpho Menezes, utilizando o código linguístico (os dados biográficos) como um tecido que, com cores, compõe o retrato do poeta.

JU – A poesia eletrônica se relaciona fortemente com as artes plásticas, a ciência e a tecnologia. Quais foram as contribuições que essa imbricação trouxe para a renovação da linguagem?

Jorge Luiz Antonio – A resposta anterior mostrou três momentos e três exemplos, dentre os muitos que o livro cd-rom apresenta.
O conhecimento científico e a sua linguagem específica trouxeram novos elementos ao fazer poético. A assimilação dos procedimentos das diversas artes permitiu que a poesia se transformasse de evocadora – de sons, de imagens – em um produto híbrido capaz de produzir novos significados. De igual forma, a tecnologia ofereceu algumas realizações não possíveis anteriormente, mas igualmente imaginadas. Quem diria, por exemplo, que a máquina de produzir textos, imaginada em As viagens de Gulliver, aconteceria nos anos de 1960 e 1970?


Continua nas páginas 6 e 7


 
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