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O
professor Enio Peres da Silva, coordenador do projeto Lh2: "Nós conseguimos
sair na frente" |
O motorista
chega num posto de combustível e abastece o seu carro com álcool.
Ao acionar a ignição, o produto não é injetado diretamente
no motor a combustão, como ocorre convencionalmente, mas num reator que
o transformará em hidrogênio. Em seguida, o gás irá
alimentar uma célula a combustível que, por meio de uma reação
eletroquímica, gerará eletricidade e fará o veículo,
dotado de motor elétrico, movimentar-se. E o melhor tudo: sem contribuir
para a poluição atmosférica. A cena ainda é imaginária,
mas não deverá levar mais do que uma década para se tornar
real. Pesquisadores do Laboratório de Hidrogênio (LH2) da Unicamp
acabam de construir o primeiro protótipo brasileiro - e possivelmente um
dos raros no mundo - de um reformador de etanol para a produção
de hidrogênio. O equipamento, que inicialmente deverá substituir
geradores de eletricidade movidos a diesel e painéis fotovoltaicos, que
transformam energia solar em elétrica, já está sendo preparado
para funcionar também em automóveis.
Embora
seja complexa, a tecnologia desenvolvida pelos especialistas da Unicamp pode ser
explicada da seguinte maneira: basta colocar o etanol de um lado da máquina
e usar a eletricidade que sai do outro. Para chegar a esse estágio, porém,
uma equipe formada por físicos, químicos, engenheiros químicos,
engenheiros mecânicos e engenheiros eletricistas teve que trabalhar duro.
Valeu a pena. Embora outros grupos de pesquisa estejam envolvidos com projetos
semelhantes no Brasil, nós conseguimos sair na frente, afirma o professor
Ennio Peres da Silva, coordenador do LH2, ligado ao Instituto de Física
Gleb Wataghin (IFGW).
De acordo com ele, o equipamento
é na realidade um sistema integrado, composto por um gerador de hidrogênio
que utiliza o processo de reforma do etanol, uma unidade de purificação
desse gás, uma célula a combustível e um inversor que transforma
a corrente elétrica contínua em alternada. Desses componentes, apenas
a célula a combustível foi importada. O resto foi desenvolvido
aqui, na Unicamp, afirma o professor Ennio, sem disfarçar a satisfação.
De acordo o docente, o protótipo gera 300 W de energia.
Mas
os especialistas do Laboratório de Hidrogênio já estão
trabalhando em dois novos equipamentos, com capacidade para produzir 1 kW e 5
kW, respectivamente. Os dados obtidos com a operação do novo sistema
integrado, esclarece o docente, permitirão uma análise objetiva
dos custos envolvidos e das reais possibilidades da tecnologia contribuir para
a diversificação da matriz energética nacional. Conforme
o professor Ennio, a idéia inicial é que os aparelhos sejam utilizados
como substitutos de geradores de eletricidade a diesel e painéis fotovoltaicos.
A
vantagem da tecnologia desenvolvida pela Unicamp sobre os sistemas convencionais
é que, além de ser genuinamente brasileira (com exceção
da célula a combustível), ela não polui e ainda usa matéria
prima nacional e renovável, que é o etanol extraído da cana-de-açúcar.
Embora ainda estejamos analisando os nichos em que o equipamento pode ser
utilizado, uma das possibilidades é o atendimento de comunidades isoladas,
que hoje não são servidas pela eletricidade. Isso vai ao encontro,
por exemplo, do projeto de universalização do fornecimento de energia
elétrica proposto pelo governo federal, explica o responsável
pelo LH2.
Segundo ele, já existem entendimentos
para levar o equipamento para uma comunidade isolada do Pantanal, para operar
de forma experimental. Um sistema que produz 5 kW de eletricidade tem capacidade
para proporcionar iluminação e uso de algum eletrodoméstico
(rádio ou TV) para cerca de 50 residências, assegura. A tecnologia
também poderia servir, no entender do professor Ennio, às indústrias
que querem reduzir os gastos com energia elétrica, sobretudo nos horários
de pico, quando a tarifa é mais cara. Nesse caso, no lugar de comprar,
a empresa geraria a sua própria eletricidade, a um custo inferior,
afirma o docente da Unicamp. Apesar do avanço representado pelo desenvolvimento
do novo sistema, os pesquisadores do Laboratório de Hidrogênio pretendem
dar novas aplicações para ele. E já estão trabalhando
na adaptação para o uso em automóvel.
Até
o ano que vem, estima o professor Ennio, um carro já estará rodando,
em caráter experimental, movido por uma célula a combustível,
que usará o hidrogênio acondicionado em cilindros. Posteriormente,
esses tubos serão substituídos pelo reformador. Embora
seja difícil precisar uma data para a conclusão do projeto, o docente
da Unicamp acredita que esse desenvolvimento consumirá por volta de uma
década. Nosso objetivo é demonstrar a viabilidade tecnológica
desta alternativa e analisar os efeitos de uma frota desses carros circulando
inicialmente em São Paulo, onde o problema da poluição é
mais grave, adianta.
O professor Ennio acredita
que esses veículos ecologicamente corretos poderiam ser utilizados, em
princípio, na composição das frotas de táxis e ônibus,
já que possivelmente serão mais caros do que os convencionais. Mais
tarde, quando houver mercado para eles, a tendência é que a produção
em escala faça com que os preços caiam e se tornem competitivos,
antevê. Os motoristas e a natureza agradecem.