Pesquisador
mostra em livro a importância das trilhas
sonoras nas produções cinematográficas
ANTONIO
ROBERTO FAVA
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O
filme King-Kong, de 1933, primeira produção a fundir diálogos,
ruídos e música |
O
professor Ney Carrasco, do Instituto de Artes da Unicamp, está investigando
mais a fundo o desenvolvimento da música no cinema mudo. Ele pretende demonstrar,
por exemplo, que a música sempre esteve presente na constituição
da linguagem cinematográfica, ainda que esse tipo de arte não fizesse
uso do som em seus primeiros anos de difusão. Ney, coordenador de Graduação
do curso de Música do Instituto e um especialista em música de cinema,
deve lançar, ainda este ano, o livro Sygkhonos: a formação
da poética musical, pela Editora Via Lettera, de São Paulo, no qual
concentra suas pesquisas nos objetivos e funções de músicas
na produção cinematográfica.
Seu
trabalho de pesquisa antecede a história da projeção das
primeiras imagens numa parede, inicialmente realizadas empiricamente pelos franceses
Louis (1864-1948) e Auguste Lumière (1862-1954). Mas, desde então,
a música tornou-se elemento fundamental na produção de uma
película cinematográfica.
A
apresentação pública dessa primeira produção
cinematográfica, das imagens na parede, marca oficialmente o início
da história do cinema, ocorrida há exatos 108 anos, no dia 28 de
dezembro de 1895, no Grand Café, em Paris. O público viu, pela primeira
vez, a projeção de filmes curtíssimos, breves testemunhas
da vida cotidiana da época, como A saída dos operários
da fábrica, A chegada do trem na estação, O almoço
do bebê e O mar. O som só viria três décadas depois,
no final dos anos 20, com o filme O Cantor de Jazz, de 1927, o primeiro a trazer
diálogos, ainda que poucos, e números musicais, diz o pesquisador.
O filme ganhou o Oscar especial. Em 1877, o francês Émile Reynaud
criou o teatro óptico, combinação de uma lanterna mágica
(caixa cilíndrica iluminada a vela, que projetava imagens desenhadas em
uma lâmina de vidro) e espelhos para jogar os filmes de desenhos numa tela.
Já Eadward Muybridge, fotógrafo nos Estados Unidos, experimentava,
naquela época, o que denominou de zoopraxinoscópio, cujas imagens
irrompiam se decompondo em fotogramas de uma corrida de cavalos.
Com
isso, Muybridge já vislumbrava um filme, quer dizer o cinema acompanhado
com algum tipo de som, diz. Por fim, outro americano, o prolífico
Thomas Alva Edison, desenvolvia, com o auxílio do escocês William
Kennedy Dickson, o filme de celulóide e um aparelho para a visão
individual de filmes chamado Kinetoscópio.
Convém salientar
que um filme, por mais simples que seja, é composto de imagens e som, não
apenas a música, que forma a trilha sonora da película. A presença
de uma obra musical numa fita é tão importante que nem mesmo o cinema
conseguiu ser totalmente silencioso. Podemos dizer que o cinema surge mudo,
mas não silencioso, devido aos solos musicais de um pianista ou de uma
orquestra acompanhando a sessão do cinema, explica.
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O
professor Ney carrasco: " O cinema surge mudo, mas não silêncioso |
A
música se constitui em um elemento fundamental na concretização
de um filme. Além de destacar o conteúdo emocional da história,
a trilha tem o poder de ser um instrumento narrativo de extremo valor, articulando
estados psicológicos e até mesmo substituindo personagens. Um bom
exemplo disso é o filme O Tubarão, no qual a presença da
fera é várias vezes indicada apenas pela música tema escrita
por John Willians, imprimindo um clima de suspense.
No
começo, o erudito No início da história do cinema,
enquanto não se tinha o som sincronizado, havia o músico tocando
ao vivo ou um músico sozinho tocando nas salas mais humildes ou
uma orquestra sinfônica nas salas mais ricas. No repertório, geralmente
músicas eruditas. Um filme que ilustra bem como era uma sala de cinema
daquela época é o clássico Cantando na Chuva, com Gene Kelly
no papel principal.
Como se pode observar,
a presença da música ficou evidente desde o início do cinema.
No entanto, nota-se que a relação entre espectador e a tela é
fria e carente de real envolvimento. Faltava algo mais para despertar ou
intensificar a emoção do público, e a resposta não
poderia ser outra e mais simples que a música, diz Ney. Nenhuma outra
forma de arte é tão eficiente e rápida quando se quer mexer
com os sentimentos de uma pessoa, com a vantagem de ser uma linguagem universal.
Havia até coletâneas que catalogavam peças eruditas de acordo
com o tipo de atmosfera ou emoção que se pretendiam dar à
sala de projeção.
Ney revela
ainda que desde 1908, quando Camille Saint Saens foi requisitado para escrever
a música do filme O assassinato do Duque de Guise, com aproximadamente
20 minutos de duração, passaram a existir acompanhamentos. Ou seja,
músicas escritas especialmente para cada filme. Bem, 18 anos mais tarde,
a música deixava de ser executada ao vivo. Foi nessa época que surgia
o Vitaphone, tecnologia patrocinada pelos irmãos Warner. O Vitaphnone era
um aparelho que incluía um projetor e um toca-discos, que funcionava em
sincronia ao filme projetado.
A primeira
demonstração do evento em sincronia com o filme foi
o filme Don Juan, com acompanhamento musical gravado no novo sistema, o Vitaphone.
Mas é preciso ressaltar que o marco desse novo processo, o cinema
sonoro, é considerado o filme O Cantor de Jazz, de 1927, no qual foi possível,
pela primeira vez, ouvir alguém falar e cantar, com o entertainer Al Jolson,
russo naturalizado americano. Com isso, O Cantor de Jazz pode ser considerado
o filme que inaugurou efetivamente o que se denominou de cinema sonoro comercial,
diz o pesquisador do Instituto de Artes.
No
ano seguinte surgia Luzes de Nova Iorque, de Bryan Foy, o primeiro filme inteiramente
falado. O filme King-Kong, de 1933, é outra produção considerada
histórica realizada pelo cinema americano. Isso porque foi o primeiro filme
no qual se manipularam as três pistas diálogos, ruídos
e música de modo independente, tornando-se possível mixá-las.
É daí que se originou aquilo que hoje se conhece por trilha sonora.
Pela primeira vez pôde-se obter um fundo musical junto com os diálogos,
coisa banal hoje em dia, algo inimaginável em 1927.
Rádio
à mostra A princípio, curiosamente, havia certa desconfiança
quanto à trilha sonora musical de um filme. Os céticos não
depositavam muita confiança de que o cinema era uma atividade de entretenimento
que pudesse dar certo. Se por um lado o público não via com bons
olhos que um pianista ou uma orquestra tocasse ao vivo, por outro, estranhava
também que alguém pudesse caminhar pelo deserto ao som de uma orquestra
invisível. Assim, nos primeiros anos do cinema sonoro, para o público
não ficar se perguntando de onde vinha a música, deixavam à
mostra um rádio, uma vitrola ou qualquer outra fonte musical, conforme
explica Ney.
Desde o cinema mudo, canções
são utilizadas como valiosos elementos promocionais. Mais tarde, com o
fortalecimento da indústria fonográfica, esse recurso assumiu proporções
imensuráveis. O exemplo disso é o filme A primeira noite de um homem
que, segundo Ney, é uma obra que utiliza na sua trilha sonora músicas
pops integralmente cantadas. A trilha sonora desse filme, grande sucesso dos anos
60, foi composta pela dupla Paul Simon e Art Garfunkel.