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Romero:
longe dos cargos públicos, administrador defende mestrado na FEM |
Presidente
da Companhia Paulista de Força de Luz (CPFL) empresa responsável
pela distribuição de energia elétrica em 260 municípios
paulistas no período de 1991 a 1994, ele acumulou uma experiência
que o capacita a detectar nós na rede. Saber até que ponto a Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vem conseguindo desenvolver seu papel
de órgão regulador do setor, com autonomia e independência,
é o objeto da dissertação de mestrado de Silvio Romero Ribeiro
Tavares, defendida em junho junto ao Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia
Mecânica (FEM) da Unicamp, sob orientação do professor Moacir
Trindade de Oliveira Andrade.
Depois de ocupar
vários cargos públicos, Romero vem dando aulas e consultorias em
planejamento estratégico e marketing, e decidiu aproveitar parte dos créditos
obtidos na pós-graduação em administração na
USP para dar seqüência à vida acadêmica.
O processo
de privatização que eclodiu em meados dos anos 1990 levou à
criação das agências para solidificar um modelo importado
dos países desenvolvidos, em que o Estado deixa a condição
de produtor para assumir o papel de regulador. As principais agências são
a Aneel (energia elétrica), ANP (petróleo), ANA (água) e
Anatel (telecomunicações). A forma jurídica de autarquia
especial assegura uma série de prerrogativas, como receita própria,
diretores nomeados pelo Senado e por mandatos não coincidentes com o do
presidente da República. No caso da Aneel, criada em dezembro de 1996,
isto implicaria autonomia política, administrativa e financeira para, enquanto
agente de Estado, regular e fiscalizar a geração, transmissão,
distribuição e comercialização de energia pela empresas
concessionárias; mediar conflitos entre elas, o governo e os consumidores;
conceder, permitir e autorizar instalações e serviços de
energia; garantir tarifas justas; zelar pela qualidade do serviço e exigir
investimentos; estimular a competição entre os operadores e assegurar
a universalização do atendimento, entre outras atribuições.
A
ação das agências, em que pese a suposta autonomia, tem sido
cerceada pelo governo, segundo Silvio Romero. O primeiro tipo de cerceamento apontado
por ele é de natureza institucional-legal, por meio das medidas provisórias
baixadas pelo Executivo, que são uma exceção ao princípio
da legalidade. No apagão de 2001, a Aneel aparentemente
foi responsabilizada pela crise, juntamente com o Ministério das Minas
e Energia. Ambos os órgãos acabaram atropelados pela Câmara
de Gestão da Crise de Energia (GCE), criada pelo governo federal (através
de medida provisória) para gerenciar o processo de racionamento. A Aneel
teve parte de suas atribuições suspensas. A GCE funcionou até
fevereiro do ano seguinte, quando se concluiu que não haveria risco de
desabastecimento. A medida provisória será sempre uma espada
de Dâmocles sobre a autonomia das agências, que o governo poderá
acionar quando lhe interessar, observa Romero.
Caixa
único Outro tipo de cerceamento é de natureza econômico-financeira.
A Aneel recebe das concessionárias um percentual equivalente a 1% das contas
pagas pelos consumidores, garantindo em tese uma receita própria. Na
prática, porém, seguindo a regra da administração
pública brasileira, o orçamento da Aneel é incorporado ao
da União, para aprovação pelo Congresso, e quem libera os
recursos financeiros, pelo princípio do caixa único, é o
Ministério do Planejamento, que muitas vezes retém parte do dinheiro
a título de contingenciamento. Notícias veiculadas pela imprensa
dão conta de que o atual governo do PT vem retendo grande parte (mais de
50%) das verbas das agências, por conta da discussão do seu papel
e autonomia.As agências viraram a bola da vez, diz.
O
terceiro tipo de cerceamento das agências abordado na dissertação,
de natureza cultural, é chamado pelo autor de efeito prismático,
onde uma luz direta é distorcida e se reflete para todos os lados. Ou
seja, uma agência num país de primeiro mundo, que cumpre função
técnica, apolítica, clara e definida, aqui ganha funções
outras, conforme o jeito brasileiro. O episódio do acordo geral
do setor elétrico, resultante doapagão, ilustra bem
o exemplo de sociedade prismática: o governo pediu o racionamento, a população
atendeu, mas depois as empresas reclamaram da queda no consumo e no faturamento,
alegando desequilíbrio econômico-financeiro. E a conta de R$ 9 bilhões
sobrou para o consumidor, que pagou por uma energia que não consumiu, enquanto
as empresas receberam por uma energia que não geraram nem distribuíram,
critica Silvio Romero.
A
verdade, segundo
o administrador, é que a GCE ocupou um vazio deixado pelo então
Ministério de Minas e Energia e pelo Conselho Nacional de Política
Energética, que não cumpriam sua função de definição
de políticas para o setor elétrico brasileiro. O problema
está no modelo e sua gestão, e não na agência, que
deverá ser preservada, inclusive em suas prerrogativas, para bem cumprir
sua missão de agente de Estado, conclui.