Quando obteve, em 2005, o seqüenciamento genético parcial do fungo causador da vassoura-de-bruxa, praga que praticamente dizimou a cacauicultura da Bahia, uma equipe coordenada pelo professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, acreditava ter em mãos as informações necessárias para propor medidas de combate à doença. Afinal, o grupo acabara de desvendar o “manual de funcionamento” do microorganismo. Apesar desse feito e dos vários estudos que sucederam o mapeamento, os pesquisadores ainda não conseguiam formular uma ação clara que fosse capaz de derrotar o Crinipellis perniciosa, posteriormente rebatizado de Moniliophtera perniciosa. Os princípios estavam somente começando a emergir. As respostas às principais perguntas dos cientistas estavam, quem diria, numa fazenda baiana. Valendo-se unicamente da intuição, o agricultor Edvaldo Sampaio criou um conjunto de técnicas que se mostrou eficaz contra o fungo. Sem saber, ele estava validando, com seus testes de campo, o trabalho científico desenvolvido em laboratório. O método, considerado literalmente como a salvação da lavoura, já está sendo adotado por inúmeros cacauicultores.
Praga quase
dizimou as
plantações
da Bahia
em dez anos
O professor Gonçalo Pereira e os demais plantadores de cacau tomaram conhecimento das técnicas adotadas por Edvaldo Sampaio por meio de uma lista de discussão na internet, a Lista do Cacau, coordenada pelo docente da Unicamp. Ela reúne cerca de 750 pessoas, entre agricultores, jornalistas, pesquisadores, políticos etc. Ao falar dos resultados positivos que vinha obtendo com o seu método original, o cacauicultor baiano enviou ao grupo algumas fotos de plantas livres da vassoura-de-bruxa e altamente produtivas. Um dos participantes notou, então, que as árvores apresentavam um corte superficial no caule e quis saber do que se tratava. O procedimento, batizado de roletamento, era um dos artifícios empregados por Edvaldo Sampaio para combater o fungo.
Por intermédio dessa técnica, o agricultor conseguia induzir o florescimento precoce do cacaueiro, antecipando assim a safra para a primeira metade do ano, justamente o período em que o fungo tem mais dificuldade para se desenvolver e, conseqüentemente, atacar a planta. “Nós já tínhamos conhecimento de que a reprodução do microorganismo acompanhava o ciclo produtivo do cacau. Entretanto, não sabíamos exatamente como fazer para interromper esse processo. Nós estávamos tentando adiantar o florescimento das árvores com o auxílio de hormônios, mas infelizmente a medida não deu resultado. Sabíamos que uma alternativa para chegar a esse objetivo seria a técnica do anelamento das plantas. Portanto, quando vimos a foto com o roletamento compreendemos imediatamente o que ele tinha conseguido”, explica o docente do IB. Ao se informar mais detidamente sobre as iniciativas de Edvaldo Sampaio, o professor Gonçalo Pereira não titubeou e disparou a seguinte mensagem para os demais membros da lista de discussão: “O Edvaldo achou a solução para os nossos problemas”.
O entusiasmo do especialista tinha razão de ser. As pesquisas conduzidas por ele e sua equipe davam, sem que ninguém soubesse, sustentação científica às práticas adotadas pelo cacauicultor baiano, embora este tenha sido classificado inicialmente como “excêntrico” por vários de seus pares, para usar um termo politicamente correto. Além do roletamento, Edvaldo Sampaio lançou mão de outras técnicas contra a vassoura-de-bruxa. Ele passou a realizar, por exemplo, a poda das árvores no período compreendido entre outubro e dezembro, em vez de janeiro a março, como é feito convencionalmente.
Com isso, o produtor fez com que os ramos amadurecessem antes do momento em que o fungo apresenta maior esporulação no campo. Como o microorganismo só penetra em tecido jovem, a poda antecipada tira a sincronia do fungo com a planta. Outra iniciativa tomada por Edvaldo Sampaio foi adubar o solo com bastante uréia, substância rica em nitrogênio. Conforme Gonçalo Pereira, isso provavelmente aumenta a quantidade de nitrogênio circulante na planta, atingindo os espaços entre as células do cacau, que são justamente as áreas onde o Moniliophtera perniciosa costuma de instalar. Ao receber doses elevadas de nutrientes, o microorganismo sofre transformação e assume uma forma não-infecciosa. “No ciclo normal da doença, isso só ocorre quando os tecidos infectados da planta começam a morrer. O aumento do nitrogênio acaba por mimetizar esse sinal, enganando o fungo, que muda de fase antes do tempo. Além disso, o microorganismo encontra a planta ainda forte e com grande capacidade de resistência”, esclarece o docente da Unicamp.
A redenção – Conforme Gonçalo Pereira, que responde pela coordenação do Laboratório de Genômica e Expressão, o cacauicultor baiano encontrou soluções simples para um problema altamente complexo. “O Edvaldo Sampaio vive dizendo que as técnicas adotadas por ele respondem pela sua redenção. Eu me arrisco a dizer que elas também serão responsáveis pela redenção da cacauicultura brasileira”, antevê o pesquisador. E isso não é pouco. Desde que a vassoura-de-bruxa chegou à Bahia em 1989, introduzida possivelmente de forma criminosa, a produção brasileira de cacau despencou assustadoramente. Um ano antes, ela era da ordem de 400 mil toneladas ao ano. Uma década depois, caiu para 100 mil toneladas no mesmo período.
As conseqüências das perdas provocadas pela praga foram terríveis, notadamente para os baianos. A começar pela descapitalização dos agricultores, que passaram a contrair dívidas cada vez mais elevadas junto aos bancos para poder fazer frente aos problemas de caixa. A esse problema somou-se a brusca queda do preço do cacau no mercado internacional – baixou de US$ 4 mil a tonelada para apenas US$ 600. No sul da Bahia, o faturamento da cacauicultura foi reduzido de US$ 1,5 bilhão ao ano para somente US$ 60 milhões. “O que veio no rastro dessa crise foi ainda mais nocivo para o Estado. Pelo menos 200 mil empregos foram ceifados, o que fez com que surgissem inúmeras favelas em diversas cidades da região cacaueira. Ato contínuo, explodiram os casos de violência, de prostituição infantil e de outros problemas de ordem social”, conta o professor Gonçalo Pereira, que além de ser baiano, tornou-se cacauicultor após o início do projeto, num claro sinal da sua crença no trabalho que então se iniciava.
Conhecimento
compartilhado |
Em vista das novas descobertas em relação à vassoura-de-bruxa, aceleradas pelas práticas do agricultor Edvaldo Sampaio, a expectativa dos produtores baianos é de que a cacauicultura volte a ser viável no Estado. O sentimento é compartilhado pelo professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, cuja equipe realizou o seqüenciamento genético do fungo causador da praga. “As técnicas adotadas por ele, além de encontrarem explicações na ciência, são de baixo custo e de fácil aplicação. Penso que esse é um exemplo fantástico de soluções obtidas com pouca intervenção tecnológica, mas baseada em conhecimento de ponta. Imagino que estratégias como essa tenham enorme potencial para resolver diversos problemas brasileiros, principalmente aqueles que são específicos de regiões tropicais”, afirma o docente.
Assim como Gonçalo Pereira, centenas de cacauicultores de várias partes do Brasil já foram conhecer as fazendas de Edvaldo Sampaio, localizadas no sul da Bahia. Lá, para a surpresa dos visitantes, os cacaueiros estão sempre carregados de frutos saudáveis, ao contrário do que ocorre na maioria das plantações, e mesmo entre vizinhos do cacauicultor. O proprietário, conforme o docente da Unicamp, não se nega a compartilhar o método que desenvolveu com seus pares. “Além de inteligente, o Edvaldo é extremamente generoso. Nos últimos meses, ele tem dedicado parte do seu tempo para ministrar palestras e ensinar suas técnicas a quem se interessar”.
Se não fosse a intuição e a iniciativa desse homem inconformado com a situação em que se encontrava a sua lavoura, que assim como as demais também foi fortemente atacada pela vassoura-de-bruxa, a ciência levaria pelo menos mais uma década para chegar aos resultados alcançados por ele, segundo estima o professor Gonçalo Pereira. “Felizmente, ele nos ajudou a queimar várias etapas e verificamos a enorme importância do contato com o produtor, bem como a necessidade de a Universidade ir além das suas fronteiras. Não tenho dúvidas de que o caminho para vencer a vassoura-de-bruxa é esse”. Em tempo: os cacauicultores que adotaram os procedimentos propostos por Edvaldo Sampaio já estão obtendo bons resultados em suas plantações. |