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Pesquisa investiga participação da
sociedade em políticas de segurança
Reuniões de Conseg revelam
que preconceito
ainda perdura em determinados setores
JEVERSON
BARBIERI
Tese
defendida pela socióloga Ana Paula Galdeano Cruz, que investigou
a participação da sociedade civil na discussão das políticas
de segurança e prevenção da violência na cidade de São Paulo,
concluiu que o quadro atual é de mudanças e paradoxos no campo
dos direitos humanos. A pesquisa, eminentemente etnográfica,
revelou que grupos particulares usam a linguagem do direito
para fazer suas reivindicações. Ao fazerem isso de maneira
individual, tendem a negligenciar os direitos de outros grupos,
em geral os segmentos mais estigmatizados da sociedade, como
as prostitutas, os favelados, os travestis e os jovens infratores.
Configura-se aí uma ambiguidade,
afirma Ana Paula, que fez um trabalho comparativo nos territórios
de Sapopemba (zona leste) e Campo Belo (zona sul), na capital
paulista, orientada pela professora Maria Filomena Gregori,
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.
A pesquisadora participou dos encontros e debates dos Conselhos
Comunitários de Segurança (Conseg) desses locais e, a partir
de suas anotações, verificou que as reivindicações estão no
direito à cidade, no direito ao respeito à lei de zoneamento
urbano, no direito a um trânsito menos caótico e, ainda, no
direito dos jovens pobres. No entanto, ficou bastante perceptível
para a autora que as pessoas ainda pensam em grupo e não como
uma coletividade. Ao reivindicarem as suas necessidades, esses
grupos automaticamente segregam partes da sociedade, excluindo-os
dos conselhos e das discussões, gerando um novo impasse: a
circulação de preconceitos e estereótipos.
Criados em 1985, pelo ex-governador
Franco Montoro, os Conseg tem entre os seus objetivos a aproximação
entre os vários setores da sociedade. A socióloga lembra que
Montoro tinha essa idéia de participação muito viva, tanto
que o Conseg foi implementado em São Paulo durante o período
da ditadura militar. Quem implementou esses conselhos há vinte
anos foram delegados de polícia, muitos dos quais contrários
às mudanças que sinalizavam a formação de uma nova polícia.
Eles foram responsáveis por chamar e mobilizar pessoas da
comunidade que enxergavam os direitos humanos como “privilégio
de bandidos”. Em contrapartida, as entidades locais de direitos
humanos viram esses espaços como retrógrados, o que acabou
por impedir a aproximação entre esses representantes.
Durante sua pesquisa, em 2005
e 2008, Ana Paula percebeu uma nova aproximação das entidades
de direitos humanos dos conselhos, muito em razão das mudanças
ocorridas na própria sociedade. “Representantes das entidades
de direitos humanos trabalhavam com jovens dentro daquele
espaço”, observou. Mesmo assim, as disputas entre as entidades
ainda se configuram. Ela citou como exemplo a diretora de
uma escola que vivenciava no cotidiano a violência dos jovens
e, como forma de atenuar a situação, solicitou a presença
da polícia no local com um aumento das rondas e legitimando
inclusive algumas ações mais truculentas por parte da polícia.
Por outro lado, a conselheira tutelar, que pertencia a um
grupo da Teologia da Libertação, solicitava a punição dos
policiais que agem com arbitrariedade na relação cotidiana
com os moradores mais pobres.
“Tramas”
Ana Paula utiliza o termo “tramas institucionais” para mostrar
como disputas de ordem pessoal, institucional e simbólica
comprometem a resolução dos problemas no âmbito desses encontros.
Disputas do tipo diretora da escola versus entidades de direitos
humanos, e entidades de direitos humanos versus polícia mostram
que existe de fato uma aproximação. Para a socióloga, mesmo
com todas as dificuldades, os conselhos são fundamentais porque
é o espaço aonde as pessoas vão publicizar suas demandas e
reivindicações. A existência dos conselhos como espaço participativo
capaz de congregar estado e sociedade é fundamental.
No que diz respeito às tramas
institucionais das políticas de prevenção à violência no Estado
de São Paulo, mais especificamente na cidade de São Paulo,
elas revelam que o grande problema transcende os conselhos.
Os Conseg são simplesmente espaços nos quais as pessoas fazem
as demandas e tentam chegar até instituições como a secretaria
de educação e a secretaria de infraestrutura. Segundo Ana
Paula, a secretaria de segurança pública deveria ter um projeto
sistêmico, porém, o que existe na verdade é uma falta de propostas
políticas para prevenção da violência. Ela alega que existe
um discurso institucional que valoriza a prevenção da violência,
mas ainda não existe uma instituição que possa acolher as
demandas e transformar isso em políticas concretas. “Falar
é uma coisa, executar políticas é outra completamente diferente”,
afirmou.
A pesquisadora ressaltou também
que ainda existe uma limitação de entidades representativas
nesse espaço, sobretudo em regiões mais centrais, muito dominadas
por associações de bairro e que articulam pouco a participação
de entidades mais ligadas ao movimento de direitos humanos,
que são aquelas que abrangem os direitos na área da infância
e da adolescência. Claramente nesses encontros é possível
perceber que quando essas entidades estão diante das associações
de bairro, por exemplo, disparam mecanismos que ela intitula
de “surdos” e ao mesmo tempo explícitos, que levam a segregação
política desses grupos. Mas ao mesmo tempo, esses grupos estão
acostumados a reivindicar, são grupos mobilizados politicamente
e também se retiram desses espaços quando percebem que suas
demandas mais ligadas aos pobres não são acolhidas.
Esse é o quadro geral, é o
quadro onde algumas instituições que dominam os Consegs tendem
a segregar os grupos mais estigmatizados e, por outro lado,
entidades muito mobilizadas politicamente se retiram muito
rapidamente desses encontros. Acho que tem esses dois lados.
“No fundo o Conseg é um espaço onde você vê claramente a ausência
de reciprocidade entre os grupos. Um espaço onde as intolerâncias
afloram de uma maneira muito clara”.
Operação policial
A atuação da pesquisadora não se limitou à participação nos
encontros e debates realizados nos Conseg. Ana Paula acompanhou
duas operações policiais denominadas Saturação, que foram
realizadas em 2005 e 2008, nas zonas leste e centro-sul. Ela
contou que presenciou um verdadeiro cenário de guerra, aonde
uma série de tropas policiais seguiu até as favelas para ficar,
no mínimo, um período de quarentena, com o discurso oficial
de dissuadir o tráfico de drogas e aproximar a polícia da
comunidade.
Esse objetivo oficial, pelo
menos no que diz respeito à aproximação entre polícia e comunidade,
tem efeito contrário ao desejado. A população, conta a pesquisadora,
sente na verdade muita humilhação, porque os policiais são
truculentos. Existe, inclusive, uma série de reclamações contra
policiais que entram com o pé na porta dos barracos, de pessoas
que são espancadas, enfim, atitudes acompanhadas de muita
arbitrariedade.
Ao mesmo tempo, o que o Estado
diz é que o objetivo primeiro da operação Saturação é promover
um clima de calmaria nas comunidades. A partir daí, ele entra
com o programa Virada Social, criado pelo governo estadual
para enfrentar a complexidade das regiões do Estado com registros
de altos índices de criminalidade e que no discurso social
está relacionado com a operação Saturação.
Em seu trabalho, a pesquisadora
identificou uma completa ausência de link entre essas atividades
nas duas comunidades aonde foi feita a etnografia (Sapopemba
e Campo Belo).
A operação Saturação nesses
dois lugares é apenas performática. Existe uma performance
da polícia para mostrar que trabalha, que está combatendo
o tráfico, mas essa ação é muito tímida no seu objetivo de
eliminar o tráfico, garantir segurança à população e melhorar
as relações com a polícia. “A população quer isso, eles demandam
direito à segurança. O problema é quando isso é completamente
desconectado da proteção social desses públicos vulneráveis”.
Avaliação
Ana Paula contou que, a partir de seu trabalho no Ministério
da Justiça, ela teve oportunidade de avaliar programas de
prevenção à violência. Começou fazendo etnografias em favelas
de Belo Horizonte, quando conheceu o programa Fica Vivo –
Controle de Homicídios, do governo mineiro. Ela atesta que,
apesar de serem governados pelo mesmo partido, o PSDB, as
experiências de São Paulo e Minas Gerais são muito diferentes.
Segundo a autora da tese, eles pensam muito diferente em termos
de prevenção de violência. Embora nos últimos cinco anos as
taxas de homicídio em São Paulo tenham baixado significativamente,
ela considera o programa mineiro mais entusiasta.
No seu entendimento, Ana Paula
considera que é preciso fazer outros tipos de avaliação. “Não
é só a diminuição das taxas que importa”, disse. Para ela,
uma série de fatores pode estar contribuindo para esse decréscimo,
entre eles o encarceramento, a participação da sociedade civil
através do trabalho de assistência e o aumento de escolaridade
da população. Porém, ela cita outras dimensões que devem ser
investigadas como a vulnerabilidade preferencial dos jovens
pobres do sexo masculino, que são os principais afetados como
vítimas e perpetradores da violência. “É preciso avaliar se
o Estado tem conseguido garantir os direitos desse público.
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