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Reestruturação produtiva põe Brasil
na rota das migrações internacionais
ÁLVARO
KASSAB
As
transformações causadas pela reestruturação produtiva
recolocaram o Brasil na rota das migrações internacionais.
Esse fluxo, iniciado no final da década de 1990, intensificou-se
e consolidou-se neste início de século. É o que apontam
estudos coordenados pela demógrafa Rosana Baeninger, professora
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e
pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo)
da Unicamp. “O deslocamento da mão-de-obra tornou-se muito
mais rápido para acompanhar a mobilidade do capital em
esfera global”, analisa a especialista, associando o fenômeno
à pulverização da produção, cujo objetivo final é o barateamento
de custos.
São
Paulo, passados mais de cem anos da chegada dos primeiros
grandes contingentes de europeus, é a principal porta
de entrada dos estrangeiros, sobretudo de latino-americano
e asiáticos, boa parte deles estabelecida na indústria
de confecção. “Por se tornar uma metrópole financeira,
São Paulo participa intensamente desse processo”, avalia
a demógrafa.
Na
entrevista que segue, Rosana Baeninger analisa as causas
e consequências desse fluxo e outros fenômenos demográficos,
inclusive a saída de brasileiros para o exterior.
Jornal
da Unicamp – O que há de novo referente às migrações nas linhas
de pesquisa desenvolvidas pelo Nepo?
Rosana Baeninger – Nesse cenário de final
do século XX e começo do XXI, a novidade em termos migratórios
foi o fato de o Brasil ter se consolidado nas rotas das migrações
internacionais. Em meados dos anos 1980 e na década de 1990,
assistimos ao fenômeno da emigração dos brasileiros – nos
pautamos bastante por isso. Entretanto, no final da década
de 1990 e no começo dos 2000, ficou patente a importância
do Brasil na rota das migrações internacionais não apenas
no âmbito latino-americano, mas também em contexto mais amplo.
JU – Qual seria?
Rosana Baeninger – Tem a ver com as transformações provocadas
pela reestruturação produtiva no cenário internacional, além
da inserção do país nesse âmbito. Do ponto de vista dessa
nova configuração, até a década de 1960 o Brasil não fazia
parte, no contexto regional, das migrações latino-americanas.
Ele era um país muito mais de emigração, sobretudo em razão
dos exilados políticos e também da saída de muitos brasileiros
para o Paraguai.
JU – Mas registravam-se
também saída para outros países.
Rosana Baeninger – Sim, mas tratava-se de uma questão muito
pontual. Nas décadas de 1960 e de 1970, essas saídas tinham
a ver com o exílio ou com a saída de estudantes.
JU – Quando foi
deflagrada essa nova configuração?
Rosana Baeninger – A partir da década de 1990, o processo
de reestruturação produtiva transformou o deslocamento da
mão-de-obra, que se tornou muito mais rápido para acompanhar
a mobilidade do capital em esfera global. As migrações internacionais
passaram a se configurar de uma maneira bastante nítida no
Brasil.
JU – Como se deu
esse processo?
Rosana – Num primeiro momento, nós vamos presenciar a emigração
de brasileiros para os Estados Unidos, para a Europa e para
o Japão. Mesmo nesse cenário, já constatávamos uma imigração
para o Brasil que nada tinha a ver com aquela histórica registrada
no final do século XIX, na qual foi forte a presença sobretudo
de europeus.
Trata-se
de uma nova imigração, composta basicamente por bolivianos
que vinham trabalhar na cidade de São Paulo num nicho econômico
histórico e fortemente relacionado a imigrantes, que é a indústria
de confecção. Nessa rede, os coreanos são a ponta – os bolivianos
vieram trabalhar para eles. Interessante observar que tanto
bolivianos como coreanos foram parar no Bom Retiro, bairro
onde os judeus se estabeleceram durante muito tempo na indústria
da confecção.
Passados mais de 100 anos,
portanto, São Paulo volta a ser uma a porta de entrada para
a migração internacional, só que agora de latino-americanos
e coreanos, entre outras nacionalidades. Isso é um fato novo.
JU
– Em que medida?
Rosana Baeninger – Existiam fluxos muito pontuais de
bolivianos para São Paulo e de coreanos para o interior paulista,
principalmente nos anos 1940 e 1950. Mas é nesse cenário de
reestruturação produtiva, no qual a mão-de-obra articulada
de migração internacional ganha força numa produção em série.
A partir de então, o Brasil se transformou em rota de imigração
internacional.
JU – Quais seriam
as características mais marcantes do país nesse contexto?
Em que medida têm peso a precarização do trabalho e o capital
volátil?
Rosana Baeninger – A reestruturação está muito vinculada
à pulverização da produção com vistas ao barateamento de custos,
ou seja, a produção não se concentra em um único lugar. Ele
implica, portanto, numa desconcentração. O tecido, matéria
prima dos bolivianos, por exemplo, não é originário do Brasil.
Ele é oriundo da própria Coréia. As peças, posteriormente,
são exportadas para outros países.
Essa flexibilização da produção
se dá também em outros ramos, entre os quais o da indústria
automobilística. Temos exemplos clássicos, como o daquele
fabricante de artigos esportivos, cuja produção é feita “em
pedaços”, em diferentes países.
Com São Paulo, embora o Brasil tivesse uma migração de fronteira
bastante significativa muito antes da década de 1990, o país
entra na rota das migrações internacionais pela metrópole,
ou seja, a cidade é um polo financeiro gerador de riquezas.
Continua
nas páginas 6 e 7
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