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O Haiti é aqui
Docente do IFCH e grupo de 6 alunos
vão desenvolver trabalho de campo no país
JEVERSON
BARBIERI
Cercados
de muita expectativa, um grupo de seis alunos de graduação
e uma aluna de mestrado, coordenados pelo professor Omar Ribeiro
Thomaz, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
da Unicamp, partem no próximo dia 31 de dezembro para uma
pesquisa de campo no Haiti. O objetivo é treiná-los em situações
de conflito e pós-conflito, tendo como referência um projeto
de pesquisa que está sendo desenvolvido naquele país nos últimos
anos, numa parceria com o Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Thomaz
revelou que está vivenciando essa nova experiência com muito
entusiasmo, uma vez que para o aluno de ciências sociais o
treinamento em pesquisa de campo, de sua perspectiva, preenche
uma grande lacuna na grade curricular. “A pesquisa de campo
é crucial para uma reflexão sobre os nossos textos clássicos
e para rever nossos conceitos, ou seja, ela interpela o universo
conceitual que levamos para a sala de aula”, argumentou o
docente.
Ademais,
o docente disse ainda estar convicto de que, no contexto brasileiro
atual, o Haiti é um país especial. Os estudantes, segundo
ele, estão mobilizados em razão da situação no país e, por
conta disso, considerou que essa era uma boa oportunidade
para entrarem em contato com a realidade haitiana. Saliente-se
que o Brasil vem desempenhando, nos últimos anos, um papel
muito importante naquele país. “O Brasil capitaneia as tropas
da Organização das Nações Unidas (ONU) estacionadas no país.
Sua presença é percebida, por boa parte da população, como
mais uma ocupação internacional. É importante para os alunos
um contato qualificado com este tipo de realidade”, afirmou
Thomaz.
Composta por Marcos Pedro
Magalhães Rosa, Daniel Felipe Quaresma dos Santos, Otávio
Calegari Jorge, Diego Nespolon Bertazzoli e Rodrigo Charafeddine
Bulamah (alunos do curso de Ciências Sociais do IFCH); por
Werner Garbers Elias Pereira (aluno de graduação do Instituto
de Estudos da Linguagem – IEL) e pela mestranda em Antropologia
Social Joanna Da Hora, a equipe será treinada para lidar com
situações de conflito.
Thomaz confessa que gostaria que os alunos mudassem, como
ele mudou, depois que foi para o Haiti pela primeira vez.
“Nunca mais fui a mesma pessoa. O campo muda a gente. Eu gostaria
que os alunos tivessem essa experiência e a transmitissem
aos seus colegas após o retorno. A idéia é fazer uma apresentação
pública sobre os resultados da pesquisa, bem como sobre como
vivenciaram a pesquisa de campo”, disse.
A
motivação
O interesse de Thomaz pelo Haiti teve início em 1998, depois
de convidado para conversas com lideranças de movimentos sociais
haitianos comprometidos com a questão dos direitos humanos.
“Eles queriam saber como tinha sido a redemocratização no
Brasil e o lugar dos movimentos sociais no processo. Fiquei
absolutamente impactado”, assegurou.
Impressionado com as lideranças,
desde os movimentos de base até os intelectuais, o docente
contou que ficou com a idéia fixa de retornar ao país. Em
2000, teve contato com uma pesquisa comparativa em um curso
sobre as relações entre elites nacionais e pobreza e desigualdade
em distintas partes do mundo, centrada na UFRJ e coordenada
pela socióloga Elisa Reis e pelo sociólogo holandês Abram
de Swaan, da Social Sciences School of Amsterdan. Na época,
o projeto era desenvolvido concomitantemente no Brasil, África
do Sul, Índia, Bangladesh e Filipinas. Propus que o Haiti,
por suas particularidades, fosse contemplado, o que foi aprovado.
Fiquei responsável por esta parte do projeto, contou.
Com o apoio dessa equipe,
o docente retornou ao Haiti onde ficou por três meses realizando
pesquisa sobre as percepções de distintos grupos de elite
sobre a pobreza e desigualdade em seu país. O questionário
geral foi adaptado então aos termos da realidade haitiana,
e o resultado geral da pesquisa foi publicado em 2005 (Haitian
elites and their perceptions of poverty and of inequality.
In: Elisa P. Reis; Mick Moore. (Org.). Elite Perceptions of
Poverty & Inequality. 1a. ed. Londres / Nova Iorque, 2005).“Naquela
altura, o que mais me impressionou foi, de um lado, a importância
da questão nacional: falar do Haiti é algo absolutamente decisivo
para os haitianos; por outro lado, as tensões com os estrangeiros
no cotidiano. As ocupações se sucederam ao longo do tempo,
e a presença de estrangeiros vinculados às organizações não-governamentais
e a organizações internacionais chega a ser opressiva. Este
conjunto de tensões me parecia interessante investigar, declarou.
Thomaz
teve ainda a oportunidade de voltar ao Haiti nos anos de 2005
e 2007, em curtos períodos, e nesse momento elaborou um projeto
de pesquisa que procurava cruzar informações sobre as elites,
suas dinâmicas de reprodução ao longo do tempo e a questão
nacional. Encaminhado para análise ao CNPq, o projeto foi
aprovado e o docente imaginou, então, que seria uma boa oportunidade
para que um grupo de alunos do IFCH pudesse ter um treinamento
de campo em uma região especial do mundo, pautada por conflitos.
Fazer pesquisa neste tipo de contexto é extremamente difícil.
Atuei em Moçambique e Uganda e diria que exige um treinamento
que não tive. Então imaginei que seria uma excelente oportunidade
engajar um grupo de alunos, com ênfase na graduação, nesse
projeto, comentou.
O projeto conta com o apoio
da diretoria do IFCH, da coordenação da Graduação em Ciências
Sociais do Instituto (foi aberta uma disciplina de verão específica),
do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e da Pró-Reitoria
de Graduação (PRG) que, após avaliação da proposta, financiou
a ida dos cinco estudantes do IFCH. Nesse meio tempo, segundo
Thomaz, considerou-se interessante contar com a presença de
alguém do mundo das letras, uma vez que no Haiti o debate
em torno da língua cruza todos os temas que dizem respeito
à questão nacional.
Diego Bertazzoli mencionou
um dos temas que chamou a sua atenção neste projeto: as relações
entre o crioulo (língua nacional) e o francês (língua oficial
e restrita ao universo urbano e a grupos de elite), além de
uma extraordinária tradição literária e intelectual, interpelam
constantemente a tensão entre a realidade local e o universalismo
suposto no projeto nacional. O aluno lembra ainda que a equipe
vem entrando em contato com os clássicos do pensamento haitiano,
bem como com a própria língua crioula todos os alunos têm
proficiência em francês e pretendem retornar com um conhecimento
aprofundado do crioulo haitiano. Iniciar as atividades de
pesquisa de campo num contexto denso histórica e etnograficamente
com o Haiti é um privilégio, sublinha ainda Bertazzoli.
Outras
metodologias
Para Rodrigo Bulamah, existe uma questão que vem desde o
início da graduação, na qual os alunos sempre se confrontam
com várias etnografias, de grandes clássicos até trabalhos
contemporâneos, e acabam por entrar em contato com idéias
e metodologias de trabalho muito diversas. Essas questões
ficam muito presas a sala de aula e a grupos de estudos. Para
ele, ter uma oportunidade como essa, de ir a campo e enfrentar
o dia-a-dia de uma pesquisa, é, ao mesmo tempo, colocá-los
em contato com uma metodologia que é muito cara à antropologia
e também a outras ciências sociais. Isso nos coloca também
dentro de uma maneira de trabalhar a disciplina que é central
e que, de fato, deveria ser muito estimulada, revelou.
Bulamah disse ainda que
no Brasil existe uma antropologia que ficou em geral presa
ao território nacional. Na atualidade, certamente em função
de questões políticas que devem ser problematizadas, os antropólogos
realizam pesquisas no exterior. Existe espaço para difundir
essa antropologia através de diversos canais e, particularmente,
fazer uma antropologia em outros contextos que não só o nacional.
O meu interesse é resolver certas questões que foram acumuladas
na minha trajetória e no diálogo tanto com o Omar quanto com
colegas e professores do IFCH. Pretendemos enfrentar a realidade
haitiana somando um contanto intenso com a bibliografia específica
com aquelas questões que surgem a partir do campo, pontuou
o aluno.
Daniel dos Santos sublinhou
ainda uma das particularidades da dinâmica do projeto: para
além de se privilegiar o registro fotográfico, bem como de
realizar pelo menos um vídeo documentário, o dia-a-dia da
pesquisa de campo poderá ser acompanhado on-line. “Foi criado
um blog (http://lacitadelle.wordpress.com/) que será alimentado
cotidianamente, e a expectativa é que nossos colegas, e não
só eles, possam acompanhar nossa pesquisa daqui, fazendo críticas
e sugestões.
Único
aluno do IEL envolvido no projeto, Werner Pereira tem uma
ligação estreita com a antropologia. E justamente o que mais
o interessou nessa disciplina foi a pesquisa de campo, conectar
o conhecimento apreendido na Universidade com outros conhecimentos.
A viagem ao Haiti tem ainda um interesse suplementar: Werner
sempre teve uma visão extremamente positiva do Brasil, mas
tem notado que a coisa não é bem assim. “Eu me interesso muito
por questões latino-americanas e tenho reparado que o Brasil
também é um país opressor. Talvez eu consiga enfrentar essa
questão lá fora, comentou.
Na avaliação de Otávio Calegari
Jorge, o tipo de informação que a população brasileira recebe
da mídia nacional sobre o Haiti é muito questionável, porque
as fontes não estão diretamente em contato com o povo haitiano
e, portanto, não conseguem entender o que as pessoas pensam
da ocupação militar. Segundo Jorge, para o povo haitiano ela
significa muito mais uma continuidade das várias ocupações
que já aconteceram no território. Eu tenho bastante preocupação,
e não só acadêmica, com relação ao papel do Brasil no cenário
internacional, uma vez que o país usa essa ocupação para conseguir
uma posição no Conselho de Segurança da ONU. Acho ainda importante
tentarmos transmitir à sociedade brasileira os possíveis sentidos
da presença de um grande contingente de tropas brasileiras
bem como a coordenação do nosso país da ocupação internacional
no
Haiti, primeiro país do mundo
a abolir a escravidão, observou.
Ele ainda lembra que, no fim do século XVIII, quando a França
fazia uma revolução levantando a bandeira da liberdade, igualdade
e fraternidade, na América era o Haiti que cumpria essa função.
Por ser um país muito pequeno, que desde o início foi renegado
como o irmão negro da América, as informações que nós temos
aqui no Brasil são muito poucas. Por isso esse trabalho é
muito importante, concluiu.
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