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O Haiti é aqui

Docente do IFCH e grupo de 6 alunos vão desenvolver trabalho de campo no país

JEVERSON BARBIERI


O professor Omar Ribeiro Thomaz, coordenador do projeto: “A pesquisa de campo é crucial” (Foto: Antoninho Perri) Cercados de muita expectativa, um grupo de seis alunos de graduação e uma aluna de mestrado, coordenados pelo professor Omar Ribeiro Thomaz, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, partem no próximo dia 31 de dezembro para uma pesquisa de campo no Haiti. O objetivo é treiná-los em situações de conflito e pós-conflito, tendo como referência um projeto de pesquisa que está sendo desenvolvido naquele país nos últimos anos, numa parceria com o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Thomaz revelou que está vivenciando essa nova experiência com muito entusiasmo, uma vez que para o aluno de ciências sociais o treinamento em pesquisa de campo, de sua perspectiva, preenche uma grande lacuna na grade curricular. “A pesquisa de campo é crucial para uma reflexão sobre os nossos textos clássicos e para rever nossos conceitos, ou seja, ela interpela o universo conceitual que levamos para a sala de aula”, argumentou o docente.

Rodrigo Bulamah: “É um privilégio” (Foto: Antoninho Perri) Ademais, o docente disse ainda estar convicto de que, no contexto brasileiro atual, o Haiti é um país especial. Os estudantes, segundo ele, estão mobilizados em razão da situação no país e, por conta disso, considerou que essa era uma boa oportunidade para entrarem em contato com a realidade haitiana. Saliente-se que o Brasil vem desempenhando, nos últimos anos, um papel muito importante naquele país. “O Brasil capitaneia as tropas da Organização das Nações Unidas (ONU) estacionadas no país. Sua presença é percebida, por boa parte da população, como mais uma ocupação internacional. É importante para os alunos um contato qualificado com este tipo de realidade”, afirmou Thomaz.

Composta por Marcos Pedro Magalhães Rosa, Daniel Felipe Quaresma dos Santos, Otávio Calegari Jorge, Diego Nespolon Bertazzoli e Rodrigo Charafeddine Bulamah (alunos do curso de Ciências Sociais do IFCH); por Werner Garbers Elias Pereira (aluno de graduação do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL) e pela mestranda em Antropologia Social Joanna Da Hora, a equipe será treinada para lidar com situações de conflito.

Thomaz confessa que gostaria que os alunos mudassem, como ele mudou, depois que foi para o Haiti pela primeira vez. “Nunca mais fui a mesma pessoa. O campo muda a gente. Eu gostaria que os alunos tivessem essa experiência e a transmitissem aos seus colegas após o retorno. A idéia é fazer uma apresentação pública sobre os resultados da pesquisa, bem como sobre como vivenciaram a pesquisa de campo”, disse.

Otávio Jorge: poucas informações (Foto: Antoninho Perri) A motivação
O interesse de Thomaz pelo Haiti teve início em 1998, depois de convidado para conversas com lideranças de movimentos sociais haitianos comprometidos com a questão dos direitos humanos. “Eles queriam saber como tinha sido a redemocratização no Brasil e o lugar dos movimentos sociais no processo. Fiquei absolutamente impactado”, assegurou.

Impressionado com as lideranças, desde os movimentos de base até os intelectuais, o docente contou que ficou com a idéia fixa de retornar ao país. Em 2000, teve contato com uma pesquisa comparativa em um curso sobre as relações entre elites nacionais e pobreza e desigualdade em distintas partes do mundo, centrada na UFRJ e coordenada pela socióloga Elisa Reis e pelo sociólogo holandês Abram de Swaan, da Social Sciences School of Amsterdan. Na época, o projeto era desenvolvido concomitantemente no Brasil, África do Sul, Índia, Bangladesh e Filipinas. Propus que o Haiti, por suas particularidades, fosse contemplado, o que foi aprovado. Fiquei responsável por esta parte do projeto, contou.

Com o apoio dessa equipe, o docente retornou ao Haiti onde ficou por três meses realizando pesquisa sobre as percepções de distintos grupos de elite sobre a pobreza e desigualdade em seu país. O questionário geral foi adaptado então aos termos da realidade haitiana, e o resultado geral da pesquisa foi publicado em 2005 (Haitian elites and their perceptions of poverty and of inequality. In: Elisa P. Reis; Mick Moore. (Org.). Elite Perceptions of Poverty & Inequality. 1a. ed. Londres / Nova Iorque, 2005).“Naquela altura, o que mais me impressionou foi, de um lado, a importância da questão nacional: falar do Haiti é algo absolutamente decisivo para os haitianos; por outro lado, as tensões com os estrangeiros no cotidiano. As ocupações se sucederam ao longo do tempo, e a presença de estrangeiros vinculados às organizações não-governamentais e a organizações internacionais chega a ser opressiva. Este conjunto de tensões me parecia interessante investigar, declarou.

Diego Bertazzoli: oportunidade rara (Foto: Antoninho Perri) Thomaz teve ainda a oportunidade de voltar ao Haiti nos anos de 2005 e 2007, em curtos períodos, e nesse momento elaborou um projeto de pesquisa que procurava cruzar informações sobre as elites, suas dinâmicas de reprodução ao longo do tempo e a questão nacional. Encaminhado para análise ao CNPq, o projeto foi aprovado e o docente imaginou, então, que seria uma boa oportunidade para que um grupo de alunos do IFCH pudesse ter um treinamento de campo em uma região especial do mundo, pautada por conflitos. Fazer pesquisa neste tipo de contexto é extremamente difícil. Atuei em Moçambique e Uganda e diria que exige um treinamento que não tive. Então imaginei que seria uma excelente oportunidade engajar um grupo de alunos, com ênfase na graduação, nesse projeto, comentou.

O projeto conta com o apoio da diretoria do IFCH, da coordenação da Graduação em Ciências Sociais do Instituto (foi aberta uma disciplina de verão específica), do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) que, após avaliação da proposta, financiou a ida dos cinco estudantes do IFCH. Nesse meio tempo, segundo Thomaz, considerou-se interessante contar com a presença de alguém do mundo das letras, uma vez que no Haiti o debate em torno da língua cruza todos os temas que dizem respeito à questão nacional.

Diego Bertazzoli mencionou um dos temas que chamou a sua atenção neste projeto: as relações entre o crioulo (língua nacional) e o francês (língua oficial e restrita ao universo urbano e a grupos de elite), além de uma extraordinária tradição literária e intelectual, interpelam constantemente a tensão entre a realidade local e o universalismo suposto no projeto nacional. O aluno lembra ainda que a equipe vem entrando em contato com os clássicos do pensamento haitiano, bem como com a própria língua crioula todos os alunos têm proficiência em francês e pretendem retornar com um conhecimento aprofundado do crioulo haitiano. Iniciar as atividades de pesquisa de campo num contexto denso histórica e etnograficamente com o Haiti é um privilégio, sublinha ainda Bertazzoli.

Daniel dos Santos: blog e fotografia (Foto: Antoninho Perri) Outras metodologias
Para Rodrigo Bulamah, existe uma questão que vem desde o início da graduação, na qual os alunos sempre se confrontam com várias etnografias, de grandes clássicos até trabalhos contemporâneos, e acabam por entrar em contato com idéias e metodologias de trabalho muito diversas. Essas questões ficam muito presas a sala de aula e a grupos de estudos. Para ele, ter uma oportunidade como essa, de ir a campo e enfrentar o dia-a-dia de uma pesquisa, é, ao mesmo tempo, colocá-los em contato com uma metodologia que é muito cara à antropologia e também a outras ciências sociais. Isso nos coloca também dentro de uma maneira de trabalhar a disciplina que é central e que, de fato, deveria ser muito estimulada, revelou.

Bulamah disse ainda que no Brasil existe uma antropologia que ficou em geral presa ao território nacional. Na atualidade, certamente em função de questões políticas que devem ser problematizadas, os antropólogos realizam pesquisas no exterior. Existe espaço para difundir essa antropologia através de diversos canais e, particularmente, fazer uma antropologia em outros contextos que não só o nacional. O meu interesse é resolver certas questões que foram acumuladas na minha trajetória e no diálogo tanto com o Omar quanto com colegas e professores do IFCH. Pretendemos enfrentar a realidade haitiana somando um contanto intenso com a bibliografia específica com aquelas questões que surgem a partir do campo, pontuou o aluno.

Daniel dos Santos sublinhou ainda uma das particularidades da dinâmica do projeto: para além de se privilegiar o registro fotográfico, bem como de realizar pelo menos um vídeo documentário, o dia-a-dia da pesquisa de campo poderá ser acompanhado on-line. “Foi criado um blog (http://lacitadelle.wordpress.com/) que será alimentado cotidianamente, e a expectativa é que nossos colegas, e não só eles, possam acompanhar nossa pesquisa daqui, fazendo críticas e sugestões.

Werner Pereira: “O Brasil é opressor” (Foto: Antoninho Perri) Único aluno do IEL envolvido no projeto, Werner Pereira tem uma ligação estreita com a antropologia. E justamente o que mais o interessou nessa disciplina foi a pesquisa de campo, conectar o conhecimento apreendido na Universidade com outros conhecimentos. A viagem ao Haiti tem ainda um interesse suplementar: Werner sempre teve uma visão extremamente positiva do Brasil, mas tem notado que a coisa não é bem assim. “Eu me interesso muito por questões latino-americanas e tenho reparado que o Brasil também é um país opressor. Talvez eu consiga enfrentar essa questão lá fora, comentou.

Na avaliação de Otávio Calegari Jorge, o tipo de informação que a população brasileira recebe da mídia nacional sobre o Haiti é muito questionável, porque as fontes não estão diretamente em contato com o povo haitiano e, portanto, não conseguem entender o que as pessoas pensam da ocupação militar. Segundo Jorge, para o povo haitiano ela significa muito mais uma continuidade das várias ocupações que já aconteceram no território. Eu tenho bastante preocupação, e não só acadêmica, com relação ao papel do Brasil no cenário internacional, uma vez que o país usa essa ocupação para conseguir uma posição no Conselho de Segurança da ONU. Acho ainda importante tentarmos transmitir à sociedade brasileira os possíveis sentidos da presença de um grande contingente de tropas brasileiras bem como a coordenação do nosso país da ocupação internacional no

Haiti, primeiro país do mundo a abolir a escravidão, observou.
Ele ainda lembra que, no fim do século XVIII, quando a França fazia uma revolução levantando a bandeira da liberdade, igualdade e fraternidade, na América era o Haiti que cumpria essa função. Por ser um país muito pequeno, que desde o início foi renegado como o irmão negro da América, as informações que nós temos aqui no Brasil são muito poucas. Por isso esse trabalho é muito importante, concluiu.

 

 
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