Só
educação não fixa
homem no campo, conclui pesquisador
Tese de doutorado avalia as propostas
do MST no contexto do
“movimento do ruralismo pedagógico”
Segundo o Mapa
do Analfabetismo no Brasil, divulgado neste
4 de junho pelo Ministério da Educação,
ainda existem 16 milhões de brasileiros que
não conseguem ler uma placa ou escrever um
recado. Juntando-se os analfabetos funcionais (com
menos de 4 anos de estudo), esta população
sobe para 30 milhões. A boa notícia
é que o índice de analfabetos vem caindo
ininterruptamente de 19,7% em 1991 para 13,6%,
em 2000 e que o programa governamental Brasil
Alfabetizado prevê a inclusão de
mais 3 milhões de pessoas entre os letrados
até o final deste ano.
Este quadro serve
para realçar a atuação na área
da educação do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), cujas práticas foram
objeto de pesquisas de mestrado e doutorado do professor
Luiz Bezerra Neto, junto à Faculdade de Educação
(FE) da Unicamp. No mestrado, ele procurou compreender
a proposta educacional do movimento desde 1979, quando
se iniciaram as lutas durante os governos militares,
passando pela consolidação da sigla
em 1984, até a conclusão da pesquisa
em 1998. No doutorado, Bezerra fez uma análise
bibliográfica associando as propostas do MST
ao chamado movimento do ruralismo pedagógico,
que na primeira metade do século 20 fracassou
em seu objetivo de fixar o homem no campo por meio
da pedagogia.
O professor não
questiona a estrutura construída pelos dirigentes
dos sem-terra para educar lavradores e seus filhos,
mas sim o conteúdo. A discussão
que coloco é o porquê da retomada de
propostas que não deram certo. Naquela época,
Sud Minucci, um dos principais incentivadores da proposta
ruralista, e outros pedagogos como Carneiro Leão
e Alberto Torres pensavam que uma educação
apropriada para o trabalhador rural poderia fixá-lo
no campo. Na minha opinião, a idéia
não deu certo porque não é a
pedagogia que mantém o homem na terra, mas
as condições para sua sobrevivência,
resume.
Ecletismo
O MST não ousa propor um modelo pedagógico
próprio. Na verdade, adota o que Bezerra define
como ecletismo metodológico. Na
prática, segundo o professor, há uma
apropriação da proposta de Paulo Freire,
que é um existencialista cristão, acompanhada
das orientações de pensadores como Anton
Makarenko e suas experiências à frente
da colônia Gorki para jovens delinqüentes
da pós-revolução russa, em torno
do ensino socialista voltado para a função
do coletivo; de Piaget e suas teorias que desembocaram
nas metodologias construtivistas tão em voga
nas últimas décadas; de Jose Martí
e suas idéias nacionalistas para Cuba como
forma de garantir a soberania da nação;
e de Che Guevara e suas experiências revolucionárias
como estímulo à luta e ao desenvolvimento
da consciência do cidadão-militante.
Eles afirmam
que a combinação da luta pela terra
com a educação promoverá a construção
de um novo homem. Entendem que somente
com uma educação diferenciada, sem os
vícios do sistema capitalista, será
possível pensar numa sociedade livre, democrática
e igualitária. A problemática educacional
ganha importância à medida que o MST
coloca como fundamental o rompimento de três
grandes cercas a cerca do latifúndio,
a cerca do capital e a cerca da ignorância
que submetem os trabalhadores rurais sem terra a uma
vida degradante, descreve Bezerra em sua dissertação
de mestrado.
Os educadores
do MST, orientados por Roseli Caldart, afirmam que
o conteúdo ensinado nas escolas rurais, sem
nenhuma adequação para o campo, contribui
para acelerar o êxodo rural, ao fantasiar uma
realidade bem mais atraente nas cidades. Como agravante,
apontam a habilitação inadequada (eminentemente
urbana) dos professores, tanto que criaram a Escola
de Formação de Professores para que
estes conheçam as especificidades do meio.
Reclamam também do período letivo não
coincidente com os períodos de plantio e colheita,
inviabilizando maior freqüência de trabalhadores
rurais e familiares nas escolas.
Sobrevivência
Eu não saberia dizer o que
significa uma educação apropriada para
o homem do campo, pois entendo que todos os segmentos
da sociedade devem ter acesso a todo tipo de conhecimento
e informação que se produz, independente
de que áreas habitem. Na tese de doutorado,
concluo que a educação não é
capaz de fixar o homem na terra. Se ele não
tiver acesso à propriedade (coletiva ou individual),
aos insumos, maquinários e financiamentos,
o êxodo é inevitável, diz
o pesquisador.
Bezerra lembra
ainda que, em regiões onde se realizou a reforma
agrária, os trabalhadores receberam uma terra
do tamanho exato para a necessidade de seus familiares.
Quando a família cresce, as crianças
tornam-se adultos sem terra, não têm
como permanecer ali. Apesar da formação
política e da consciência sobre a importância
de se fixar no campo, esses filhos têm duas
opções: ou repetem a luta dos pais,
invadindo áreas improdutivas e dormindo embaixo
de lonas, ou procuram um emprego nas cidades,
enfatiza. E sentencia: Creio que o MST está
atribuindo à pedagogia um poder que ela não
tem.
Um esforço para se fazer presente
na história do Brasil
Nos anos de
1989 e 1990, de acordo com o professor Luiz
Bezerra Neto, o setor de educação
do MST priorizou a habilitação
de professores rurais leigos. Entre 1991 e
1992, dedicou-se à campanha de alfabetização
de adultos e implantou o curso supletivo de
1º grau, com ênfase na formação
agropecuária, contemplando jovens que
trabalham nas cooperativas dos assentamentos.
Em 1993, deu início à formação
de professores em oficinas de capacitação
pedagógica.
Sob argumento
de que estariam legitimando a ocupação
de terras, os governos recusam ajuda oficial
ao MST durante o período de acampamento,
obrigando os sem-terra a buscar alternativas
para manter as crianças estudando.
Já nos assentamentos, cresce o número
de convênios com o governo para criação
de escolas públicas com professores
da rede. O MST também luta por uma
universidade popular, reconhecida pelos órgãos
públicos, onde seus jovens sigam normas
e condições específicas
nos mais variados cursos, com as mesmas facilidades
oferecidas aos jovens da cidade, mas que levem
em conta as peculiaridades da área
rural.
Uma proposta
defendida pelos sem-terra e elogiada por Bezerra
Neto é o gerenciamento da escola pela
própria comunidade. Para eles,
o estado deve distribuir as verbas para as
escolas, mas esses recursos seriam gerenciados
por professores, pais e educandos. Acho o
sistema bastante interessante, pois além
de assegurar a destinação das
verbas, delega à comunidade o papel
de identificar suas necessidades, afirma
o professor. Esta discussão sobre a
gestão democrática da educação
ainda prossegue, mas o MST vem incentivando
sua implantação em várias
escolas.
Bezerra, que
dá aulas de filosofia e história
da educação no Instituto Superior
de Ciências Aplicadas (Isca-Faculdades)
de Limeira, destaca ainda a participação
do MST na democratização do
saber. No Nordeste, principalmente,
existem comunidades com 90% de analfabetos
que não teriam acesso à educação
se trabalhadores rurais assentados não
criassem escolas nas proximidades, atesta.
Apesar de haver um currículo mínimo
nas escolas dessas localidades, o professor
destaca o tratamento dialético dado
ao conteúdo e a discussão de
pontos que servem para manter viva a lembrança
dos trabalhadores, como as comemorações
dos dias 8 de março (da mulher), 1º
de maio (do trabalhador), 25 de julho (do
trabalhador rural), 20 de novembro (da consciência
negra) e 17 de abril (aniversário do
massacre de Eldorado dos Carajás).
O MST, aliando a educação ao
trabalho e à organização
para as lutas, pretende romper a dicotomia
social da atividade pensante para uma classe
e da função braçal para
outra. Para Luiz Bezerra Neto, isso faz com
que o aluno do assentamento possua uma compreensão
diferenciada da realidade, principalmente
por causa da sua luta ao lado dos pais. A
história do Brasil que se ensina nas
cidades é uma história idealizada,
não é a real, pois nela não
existem trabalhadores, greves, ocupações.
Esta leitura do MST para se fazer presente
na história é interessantíssima.
|
|