Estudo
antevê impactos do efeito estufa
Pesquisa
traça três cenários sobre prejuízos
que seriam
causados pelo aquecimento global à cafeicultura
MANUEL ALVES FILHO
Caso sejam confirmados os
prognósticos sobre as alterações
climáticas decorrentes do progressivo aquecimento
global, a produtividade e a qualidade das culturas
agrícolas perenes brasileiras sofrerão
um grave impacto. O café, responsável
por 5% do PIB da agricultura nacional (R$ 15 bilhões),
deverá ser eliminado dos estados de Minas Gerais,
Goiás e São Paulo assim que a temperatura
média da Terra estiver entre 3C e 5,8C acima
da atual, situação prevista para ocorrer
num prazo de 50 a 100 anos. O cenário, altamente
preocupante, foi traçado por uma pesquisa pioneira
que acaba de ser concluída pela Embrapa Informática
Agropecuária
e o Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas
Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp.
O objetivo do trabalho é alertar as autoridades
públicas e a comunidade científica para
a necessidade da adoção de medidas que
evitem o que pode vir a ser uma tragédia para
agricultura e a economia do País.
O estudo foi dividido em duas
partes. A primeira, recém-encerrada, cuidou
apenas do café. De acordo com Eduardo Assad,
pesquisador da Embrapa, coordenadora do trabalho,
a cultura foi escolhida por causa da sua tradição
e importância econômica. Além
disso, o café faz uma espécie de representação
de outras culturas perenes. O que acontece com ele
pode ser comparado ao que ocorre com a citricultura,
por exemplo. A segunda etapa, que terá
início nos próximos dias e se estenderá
por um ano, envolverá o milho, a soja e o trigo.
O diretor-associado do Cepagri, professor Hilton Silveira
Pinto, explica que as projeções em torno
da cafeicultura foram feitas com base numa significativa
massa de dados, muitos deles gerados pelos próprios
centros condutores da pesquisa. Foram consideradas
informações como produtividade, área
plantada, tipo de solo, entre outras.
Também foram utilizados
os prognósticos feitos pelo IPCC, sigla em
inglês para Painel Intergovernamental sobre
Mudança do Clima. De acordo com o organismo,
se nada for mudado em relação à
progressão do efeito estufa, a temperatura
média do planeta estará 5,8C mais alta
até 2100. Ao cruzarem todas essas variáveis,
os pesquisadores tiveram como projetar, de forma gradual
e por meio de mapas e gráficos, como será
o impacto do aquecimento sobre a cultura do café.
Assim, eles estabeleceram três cenários
diferentes, ou seja, o que deve ocorrer quando estiver
1C, 3C e 5,8C mais quente do que agora.
A tendência é
que as plantações de café sejam
transferidas cada vez mais para o sul. No futuro,
vamos tomar café produzido na Argentina,
diz Silveira Pinto. Essa migração deverá
ocorrer, conforme o docente da Unicamp, porque as
plantas vão procurar regiões que são
mais frias atualmente, em busca de um equilíbrio
climático. Como exemplo desse fenômeno,
tome-se São Paulo, o segundo maior produtor
brasileiro. Com 1C a mais, a mancha no mapa já
indica uma leve redução da área
plantada, mas um forte deslocamento da cafeicultura
do norte para o centro do Estado. Além
disso, num cenário desses, o plantio passa
a ocorrer em regiões mais altas, o que dificulta
o manejo, reduz a produtividade e eleva o preço
do produto, esclarece Assad.
Situação
crítica Com a temperatura 3C mais
alta, a situação torna-se ainda mais
crítica. A área cultivada cai para menos
de um terço da original e torna-se mais espaçada.
Já com 5,8C, o café desaparece do solo
paulista. De acordo com o professor Silveira Pinto,
o único que obteria ganhos iniciais com o aquecimento
é o Paraná, que tem clima mais frio.
No cenário intermediário, com a temperatura
3C mais elevada, o Estado, que hoje produz café
numa estreita faixa situada ao norte, passaria a ter
as regiões central e sul ocupadas pela cultura.
Mas isso não representaria uma compensação
para a produção nacional, uma vez que
chove muito no Paraná. Isso significa que o
café gerado lá teria uma qualidade muito
inferior do que a atual, afirma o pesquisador
Assad. Nos outros estados considerados no estudo,
de acordo com ele, a cafeicultura também se
tornaria inviável assim que a temperatura subisse
entre 3C e 5,8C. Só para se ter uma idéia,
no cenário mais desfavorável, a produção
de café no Brasil cairia das atuais 30 milhões
de sacas ao ano para algo em torno de 3 milhões.
Para resumir, seria uma tragédia nacional,
define.
Mas existe uma saída
para essa grave ameaça provocada pelo contínuo
aquecimento global? Segundo os pesquisadores, sim.
O estudo conduzido pela Embrapa e o Cepagri, de acordo
com eles, constitui uma ferramenta para auxiliar no
planejamento de medidas preventivas. A mais óbvia,
mas também a mais complexa delas, é
a adoção de programas de redução
de emissão de gases que contribuem para a aceleração
do efeito estufa. O desafio é complicado, dado
que os Estados Unidos, país que responde sozinho
por 25% do volume mundial, não é signatário
do Protocolo de Kyoto. Por meio do documento, uma
série de nações industrializadas
se comprometeram em reduzir suas emissões em
5,2%, em comparação com os níveis
de 1990. A meta é alcançar o resultado
no período de 2008-2012.
Outra iniciativa, apontam
os autores do estudo, é o desenvolvimento de
novas variedades de café que sejam resistentes
ao calor. Nesse caso, não podemos descartar
nem mesmo a possibilidade da utilização
de transgênicos, caso isso seja necessário,
adverte Assad. Embora ainda não tenham idéia
do que vão descobrir em relação
ao trigo, milho e soja, os pesquisadores não
demonstram muito otimismo. A perspectiva é
que tenhamos pelo menos limitação de
plantio, prevê Assad. A pesquisa conjunta
da Embrapa e do Cepagri terá consumido, até
o final dos trabalhos, R$ 250 mil. Os recursos vieram
do fundo setorial CT-Hidro/CNPq, do Ministério
da Ciência e Tecnologia (MCT), e da FINEP, também
vinculada ao MCT.