Projeto
recupera mata em reserva indígena
Tese
aponta caminhos para reverter degradação de
área onde vivem guaranis e terenas
WANDA
JORGE
Em meados de 1997, a Funai
procurou a Unesp de Bauru para pesquisar uma forma
de reverter o quadro de devastação de
terras indígenas na região de Avaí,
no interior paulista, onde vivem 35 famílias
de guaranis e 62 famílias de terenas. A reserva
de Araribá tem pouco mais de 1.930 hectares,
dos quais menos de 1% ainda são terras remanescentes
da Mata Atlântica. O desmatamento da área,
além de provocar o desequilíbrio do
ecossistema, empurra a população indígena
para trabalhar em fazendas vizinhas como bóia-frias,
além de obrigá-la a arrendar suas terras
para pecuaristas, como forma de subsistência.
A bióloga Alzira Politi
Bertoncini, que graduou-se na instituição,
encarou o trabalho e acaba de defender sua tese de
doutorado na Unicamp exatamente com as respostas de
como integrar um manejo para recuperar as áreas
desmatadas, sem a necessidade de uma intervenção
de grandes proporções e, ao mesmo tempo,
com indicações de caminhos para uma
estrutura econômica auto-sustentável
para as populações indígenas
residentes na região.
Alzira diz que o primeiro
passo de seu trabalho, que durou dois anos, foi fazer
um levantamento da reserva. Sua pesquisa concentrou-se
na área ocupada pelos guaranis, que estão
na região desde o século 18 e cuja população
foi minguando com o decorrer dos anos, principalmente
após a incidência da gripe espanhola,
nos anos 20. A partir de 1932, a migração
de índios da tribo terena, provenientes de
Mato Grosso, começa a povoar a área,
mas o convívio não é harmonioso
entre eles. A língua é diferente,
assim como os traços fisionômicos e o
temperamento, diz a pesquisadora.
No encontro promovido pela
Funai, estiveram presentes as duas tribos, pois a
preocupação é deixar uma área
preservada para as futuras gerações.
A entidade queria um projeto para melhorar a qualidade
de vida dos índios e melhorar o seu contato
com a natureza. Além de um pequeno cultivo
de subsistência, centrado na plantação
de milho, feijão e banana, os índios
sobrevivem vendendo sua mão-de-obra para as
fazendas da região e do arrendamento de terras
da reserva para a pecuária, o que acelera a
deterioração da terra e perda de fertilidade
do solo. Alzira, que já trabalha com o tema
desde seu mestrado na Unesp de Botucatu, disse que
no decorrer do projeto ficou evidente que além
de um trabalho de recuperação da natureza,
é importante buscar um envolvimento mais estreito
da população com os problemas da terra
indígena.
Perfil da região
Trata-se de um solo arenoso, com
evidências de assoreamento do córrego
Araribá, cuja nascente encontra-se dentro da
reserva. Isso diminui ainda mais as condições
de subsistência e de lazer da tribo. Com a mata
destruída, várias espécies usadas
para artesanato e medicamento desaparecem assim como
o rio corre o risco de secar. A pesquisadora
acrescenta que se trata de uma região de floresta
estacional semidecidual, que é uma extensão
da Mata Atlântica, mas com características
diferentes do litoral, por causa da menor quantidade
de chuvas e de uma estação seca bem
definida.
O trabalho de Alzira foi realizado
na porção guarani da Terra Indígena
Araribá, banhada pelo rio Batalha e pelo córrego
Araribá, conjunto responsável não
apenas pela fonte de água da reserva como também
por 50% do abastecimento da população
do município vizinho de Bauru.
A constatação inicial da pesquisadora
é que, embora os guaranis tenham terras garantidas
pela reserva, o cultivo é incipiente: faltam
maquinário e tecnologia, e a relação
de dependência de verbas da Funai é muito
grande. Com o empobrecimento do solo por anos de cultivo
de café e mandioca, e práticas inadequadas,
a saída para a sobrevivência são
as atividades fora da reserva. Os índios
têm noção do impacto negativo
do gado em suas terras, mas não conseguem reverter
esse quadro, acrescenta.
A pesquisa de doutorado fez
um levantamento da área em busca de responder
a seguinte questão: a área tem capacidade
de se refazer tirando esses elementos de impactos,
sem uma intervenção de grande porte,
como um reflorestamento, que exige elevado investimento?
A amostragem do estudo centrou-se numa área
de pastagem (1,08 ha), adjacente a um fragmento florestal
de 9,4 hectares.
Quatro experimentos foram feitos. O primeiro foi averiguar
se esse fragmento lança sementes na área
de pastagem. Essa ocorrência é chamada
de chuva de sementes.
A segunda hipótese
foi testada por meio de coletas de solo (banco de
sementes), levadas para uma casa de vegetação,
para averiguar quais sementes poderiam germinar em
condições favoráveis. Foram distribuídas
caixas de madeira com fundo de tela em três
diferentes distâncias da mata e, uma vez por
mês, eram recolhidas e identificadas na estufa.
Ao final do trabalho, a pesquisadora constatou que,
tanto na chuva como no banco de sementes, a principal
contribuição é de espécies
da própria pastagem - como brachiária
e colonião - e de plantas daninhas.
No entanto, a capacidade de
regeneração de plantas lenhosas, como
árvores e arbustos, mostrou-se extremamente
promissora sob influência do fragmento florestal.
Finalmente, foram testadas formas de manejo para o
caso de precisar intervir para recuperação
da área. As técnicas usadas foram revolver
o solo com grade aberta antes do experimento, e depois
apenas com enxada. Usou-se três modelos diferentes:
apenas com espécies pioneiras (capixingui e
polveira); com espécies não-pioneiras
(jatobá e guatambu); e com as quatro espécies
em consórcio.
Os resultados sobre a regeneração
foram mais satisfatórios quanto mais próxima
da reserva está a área, devido à
dispersão de sementes feita por animais como
pássaros e morcegos, abrigados na mata, e por
brotamento de raízes remanescentes. É
o caso, por exemplo, da jurubeba (Solanum paniculattum)
, arbusto usado como poleiro de pássaro e cujo
fruto é comido pelo morcego.
No trabalho de florística e fitossociologia
realizado, buscou-se caracterizar a composição
de espécies da reserva como estão distribuídas,
densidade, altura, diâmetro das árvores
e dominância de cada espécie. No levantamento,
Alzira diz que a escassez de árvores de grande
porte dá uma idéia de como foi a devastação
através dos anos. Essas árvores são
chamadas de espécies de estágio sucessional
avançado, que agüentam sombreamento, demoram
mais a crescer, têm maior longevidade e madeira
mais densa.
A predominância na reserva,
no entanto, é de espécies pioneiras
que crescem e ocupam mais rapidamente o espaço,
como capixingui, sapuvão e araribá.
Essas espécies oferecem boa madeira para a
construção de casas e cercas e, em alguns
casos, um corte seletivo permite o rebrotamento, salienta
Alzira.
A proposta encaminhada na
tese da bióloga é que a área
tem condições de recuperação
a partir da influência do fragmento de mata
existente, desde que seja protegida e retirados os
fatores de perturbação, como gado e
espécies daninhas. Um manejo adequado com as
espécies pioneiras seria interessante para
acelerar o processo, e a instalação
de um sistema agroflorestal viabilizaria uma economia
sustentável. Ela comenta sobre outros trabalhos,
como o da implantação de espécies
epífitas, que vivem sobre as árvores,
como a guaimbê cuja raiz cresce e pode ser usada
para atividades manuais, como de cestaria. Sugere,
ainda o estímulo à produção
de mel silvestre, artesanato com sementes e a caça,
com a volta da floresta.