Também conhecida como blueberry,
fruta
originária da
América do Norte é rica em antioxidantes
LUIZ
SUGIMOTO
O
mirtilo é uma fruta muito pouco conhecida
no Brasil, mas a mais rica em antioxidantes dentre as já
estudadas, com conteúdo particularmente elevado dos
polifenóis que conferem funções protetoras
às paredes das células. Suas propriedades
medicinais vão do combate aos radicais livres, efeito
anti-inflamatório, melhora da circulação
e redução do colesterol ruim, até a
prevenção ou reversão de catarata e
glaucoma. Seu nome em inglês, blueberry (cereja azul),
pode soar mais familiar aos brasileiros. Nos Estados Unidos
e Europa, o consumo é elevadíssimo e a fruta
ganhou fama de promover a longevidade.
O que americanos e europeus talvez não conheçam
é o blueberry nas formas de passa e em pó,
produtos obtidos através de processos de secagem
na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp.
"Eles consomem muito o mirtilo in natura, como suco
e adicionado a uma variedade de alimentos como sorvetes,
biscoitos, geléias e muffins. Não encontrei
a fruta em passa ou em pó na literatura, nem em recente
viagem à Europa", afirma Graziella Colato Antonio,
que é pesquisadora colaboradora da Feagri e chegou
aos dois produtos em pesquisa de pós-doutorado supervisionada
pelo professor Kil Jin Park e financiada pela Fapesp.
Graziella Colato informa que o mirtilo começou a
ser plantado no Brasil apenas em 2002, a partir de sementes
trazidas do Chile por um agricultor do Rio Grande Sul, que
as distribuiu aos vizinhos. "Em pouco tempo, criou-se
a Associação dos Plantadores de Mirtilo da
Serra Gaúcha, em Caxias do Sul, visando principalmente
à exportação. A nossa safra vai de
meados de janeiro ao final de fevereiro, justamente o período
de entressafra nos Estados Unidos, o que traz uma boa perspectiva
de comercialização".
Segundo a pesquisadora, o mirtilo (Vaccinium myrtillus
L.) é uma planta selvagem originária das matas
da América do Norte e seu melhoramento genético
ainda é alvo de pesquisas recentes. "A aparência
da fruta é semelhante à do araçá,
mas com a coloração roxo-azulada e o tamanho
da uma uva pequena. O sabor é agridoce e de difícil
comparação com outros alimentos. Além
do consumo in natura, pode ser empregado tanto em pratos
doces como salgados".
Por causa da quantidade de água, o mirtilo é
bastante perecível, o que vem fazendo com que a associação
de produtores gaúchos recorra ao seu congelamento
em embalagens de 100 gramas para a comercialização.
Daí, a ideia de estudar processos de desidratação
da fruta como técnica adicional de conservação.
"O professor Kil Jin Park, que é um dos maiores
especialistas em secagem de alimentos do país, coordena
o projeto no âmbito de um convênio de cooperação
técnico-científica entre a Unicamp e a empresa
Nutrisaúde Indústria e Comercio de Frutas
Ltda., que teve a intermediação da Inova".
De acordo com a autora, seu estudo foi realizado a partir
de lotes de três safras enviados pela empresa parceira,
com a avaliação de três processos: a
desidratação osmótica e a secagem convectiva
(com a passagem de ar aquecido ascendente por bandejas contendo
a fruta para retirada da água), para a obtenção
da fruta em passa, e a secagem por atomização
(utilizando o spray dryer) para a produção
da polpa em pó. "A secagem é uma técnica
milenar e largamente utilizada na indústria. O que
buscamos foi o melhor processo de aproveitamento, custo
e tempo de secagem. Alcançamos 25% de umidade do
mirtilo em passa com cinco horas de processo, o que é
pouco em comparação a outros produtos".
A pesquisa incluiu a análise sensorial do mirtilo
em passa junto a consumidores potenciais, recebendo excelentes
notas por seu sabor peculiar e agradável. "Registramos
uma grande intenção de compra, apesar de não
haver no Brasil o hábito de consumir frutas desidratadas
devido à grande quantidade e variedade de produtos
frescos disponíveis durante todo o ano. "Tanto
a polpa em pó como o mirtilo desidratado poderão
ser utilizados como ingredientes para outras formulações,
como biscoitos, bolos etc.".
Antocianina
Graziella Colato Antonio adianta que o próximo passo
pensado para o projeto é a extração
da antocianina - pigmento vermelho, mas que de tão
intenso torna-se violeta, dando a coloração
roxo-azulada e que concentra as propriedades medicinais
da fruta. "O mirtilo contém 25 tipos de antocianina,
uma quantidade impressionante, maior do que em qualquer
outra fruta ou legume. Pretendemos extraí-la para
destinação a fármacos, estando aí
o maior interesse da Nutrisaúde".
A propósito da antocianina, a pesquisadora da Feagri
verificou que no processo de secagem para obtenção
do mirtilo em passa houve uma redução de 46%
do pigmento. Esclarece, entretanto, que isto não
significa uma perda equivalente. "Quando retiramos
a água da fruta, diminuímos a massa, mas concentramos
as propriedades. Isto significa que é preciso consumir
menos fruta seca do que a fruta fresca para obter os mesmos
benefícios".
Ao seu estudo, Graziella Colato somou informações
de análises realizadas por pesquisadores da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) comprovando que o mirtilo
produzido no Brasil possui as mesmas características
do blueberry - a versão original do fruto cultivada
nos Estados Unidos e na Europa. Os pesquisadores asseguram
que a quantidade de pigmentos antocianos também é
a mesma.
Quanto à composição nutricional, o
mirtilo é indicado na literatura como uma fruta saudável,
com teores baixíssimos de gordura e de sódio,
e como boa fonte de fibra e vitamina C. Uma xícara
de mirtilo fresco fornece 5 gramas de fibra - mais do que
a maioria das frutas e legumes - e 15% da necessidade diária
de vitamina C, com valor calórico de apenas 80 calorias.
A Embrapa Clima Temperado, que incentiva o plantio de mirtilo
no Rio Grande do Sul e vem atuando no melhoramento das mudas,
aponta diferenças na composição química
entre produtos de algumas propriedades dos plantadores gaúchos.
Contudo, atribui tais diferenças à variedade
da planta, tipo de solo, tempo de cultivo e época
de colheita.
Visão noturna
Além de todas as propriedades medicinais mencionadas
no início deste texto, a autora da pesquisa leu sobre
a possibilidade de que dietas contendo mirtilo podem prevenir
problemas relacionados a doenças neurodegenerativas,
o que inclui o mal de Alzheimer, o mal de Parkinson e a
esclerose lateral. "Uma matéria publicada na
revista Época destaca o sucesso que faz o blueberry
entre os esportistas, depois de estudos sugerindo que as
antocianinas ajudam na prevenção de câncer
e combatem o envelhecimento".
Graziella Colato ressalta que um benefício comprovado
está ligado a doenças da visão, como
catarata e glaucoma, atribuindo-se ao mirtilo a capacidade
de reverter ou evitar tais complicações, melhorando
a capacidade de leitura e o foco visual. "O site Bluberries conta a história de que, na Segunda Guerra, os pilotos
britânicos comiam a fruta antes dos vôos noturnos,
acreditando que assim enxergavam melhor o alvo inimigo".
Baixa produção encarece fruta
A
pesquisadora Graziella Colato Antonio tem visto o mirtilo
produzido no Sul em redes de supermercados mais refinadas
de São Paulo, dentro de bem confeccionadas embalagens
anunciando "a fruta da longevidade", geralmente
congelada, mas até mesmo fresca quando no período
da safra entre janeiro e fevereiro. O maior problema é
o preço: cerca de R$ 9,00 o pote. "Realmente,
ainda é uma fruta bastante cara, devido à
baixa produção".
Quando a autora concluiu sua pesquisa de pós-doutorado,
estimava-se uma área cultivada no Brasil de 27 hectares,
sendo 75% no Rio Grande do Sul, havendo certa produção
também na cidade de Campos do Jordão (SP)
- o mirtilo pede temperatura fria de noite e luminosidade
do sol de dia. Havia a expectativa, entretanto, que a área
saltasse para 170 hectares e que Santa Catarina assumiria
a liderança no plantio com 50%, deixando para trás
os gaúchos com 40%.
Se, no Rio Grande do Sul, os primeiros 2.000 pés
plantados em 1 hectare renderiam 4.000 quilos de mirtilo
no ano, os dados da FAO de 2002 apontavam uma produção
mundial de blueberry de aproximadamente 1 milhão
de toneladas por ano, que viria de 16 países. Os
maiores produtores mundial, ainda de acordo com o órgão
da ONU, são os Estados Unidos (56%), Canadá
(29%) e Polônia (8%).
No mesmo ano de 2002, os Estados Unidos produziram 586
milhões de quilos de blueberries, o que propiciou
uma renda de 210 milhões de dólares. A média
de preços havia sido de 3,13 dólares por quilo.
Em que pese toda esta produção, os norte-americanos
ainda importam perto de 82% da produção mundial,
já que o país é autossuficiente somente
no período de três meses de safra (maio, junho
e julho).
O crescente interesse dos consumidores norte-americanos,
europeus e asiáticos pela fruta tem pressionado os
tradicionais produtores mundiais a aumentarem a oferta,
além de atrair novos empreendedores como Chile, Argentina
e Uruguai - e agora o Brasil. Na América do Sul,
destaca-se o Chile, que produz cerca de 7.500 toneladas
por ano e já exporta para os EUA.