Obra de professores do IE está
dividida em
cinco grandes eixos temáticos
ÁLVARO
KASSAB
A
heterogeneidade do meio rural no país é analisada
no livro Emprego e Trabalho na Agricultura Brasileira, de
Antônio Márcio Buainain e Cláudio Dedecca,
professores do Instituto de Economia da Unicamp (IE).
Organizada em cinco eixos temáticos, a obra publicada
pelo Instituto Interamericano de Cooperação
para a Agricultura (IICA) não fica circunscrita ao
factual, buscando as raízes históricas e estruturais
que se espraiaram em um cenário complexo, além
de sugerir ações que resultem em mudanças
- neste caso, traduzida na formulação de políticas
públicas.
Não são poucos os desafios, a julgar pela
análise feita por Buainain nesta e nas próximas
duas páginas. O professor do IE revela, por exemplo,
que no universo de 30 milhões de pessoas que vivem
no campo, população superior à da maioria
dos países da América Latina, nada menos do
que 4,1 milhões exercem atividades não-remuneradas.
E, dentre os 13 milhões de trabalhadores na agricultura
remunerados, 40% tinham em 2006 rendimento inferior ao salário
mínimo.
O perfil desse contingente também está longe
de ser alentador: a baixa qualificação torna
os trabalhadores presas frágeis da precarização
de suas atividades e da flexibilização das
leis, jogando por terra conquistas consolidadas, apesar
da atuação sistemática de sindicatos
e entidades classistas. Buanain mostra os números:
em 2006, apenas 9% dos ocupados agrícolas eram empregados
com carteira assinada. No campo da previdência social,
a realidade não é menos dramática:
a contribuição alcança apenas 22,7%
dos trabalhadores.
Nesse
quadro de retrocesso e estagnação, Buainain
considera estratégico melhorar as condições
e ampliar as oportunidades de trabalho na agricultura. Os
motivos, observa o docente, são muitos - e óbvios.
Além da absorção da mão-de-obra
e do peso econômico da produção agropecuária
- responsável por cerca de 35% do PIB -, as ações
atenuariam os efeitos nocivos e já conhecidos do
êxodo rural. "Uma boa parte desta população
simplesmente não encontraria qualquer possibilidade
de inserção produtiva sustentável nas
cidades, nem grandes nem pequenas" observa o docente,
reforçando que os trabalhos não-qualificados,
que antes absorviam a população rural, hoje
exigem um nível de qualificação e de
educação formal que exclui as pessoas que
trabalham no campo.
Na entrevista, Buainain contesta também a tese de
que são dois os Brasis. "Não há
dois, há apenas um, que continua estruturalmente
heterogêneo. As relações arcaicas estão
profundamente articuladas com processos econômicos
e produtivos que são comumente identificados como
modernos, competitivos e eficientes".
Jornal da Unicamp - Qual a motivação do
livro?
Antônio Márcio Buainain - Desde meados
da década de 90, os estudos sobre a questão
social no meio rural têm focado, prioritariamente,
na reforma agrária, na agricultura familiar e nas
chamadas ocupações rurais não-agrícolas.
O tema do emprego e ocupação na agropecuária
propriamente dita foi um pouco esquecido, o que parecia
justificado pela redução do emprego agrícola,
seja em relação ao total seja em números
absolutos.
Desenvolveu-se no Brasil a ideia de que somos um país
urbano, com economia baseada na indústria e nos serviços.
Mas quando examinamos os números, constatamos que
esta ideia não corresponde inteiramente à
realidade: de um lado, o chamado agronegócio, que
inclui o conjunto de atividades dos três setores -
produção primária, transformação
industrial e serviços - que tem como base a produção
agropecuária, representa algo em torno de 35% do
PIB, que contabiliza toda a riqueza gerada no país;
e de outro lado, vemos que o emprego e as ocupações
na agricultura são ainda muito importantes na absorção
de mão-de-obra.
Como eu e o Cláudio Dedecca identificamos esta lacuna,
propusemos um seminário sobre o trabalho e emprego
na agricultura brasileira, cujo resultado foi transformado
no livro publicado pelo Instituto Interamericano de Cooperação
para a Agricultura [IICA].
JU - De dentro desta temática, qual foi o eixo
central?
Buainain - Na verdade são vários eixos.
Fomos bastante ambiciosos e tentamos cobrir as múltiplas
dimensões do tema, com a dupla perspectiva de compreender
a situação atual em sua dimensão histórica
e estrutural e de projetar as grandes tendências em
curso como base para a formulação de políticas
públicas. Ou seja, não nos interessou o dado
conjuntural que reflete variações associadas
a um momento particular, de crise ou euforia. Por isto,
orientamos alguns trabalhos para desenhar, com bastante
detalhe, a situação atual do emprego e do
trabalho na agricultura, e outros para analisar as transformações
estruturais ocorridas nas últimas décadas
e seus principais determinantes.
Para dar conta destes objetivos, o livro está organizado
em cinco eixos temáticos. Inicialmente, apresenta
as grandes tendências do mercado de trabalho em geral,
no Brasil e no mundo; em seguida analisa, em seis capítulos,
a estrutura, evolução e tendências do
mercado de trabalho na agricultura; o terceiro eixo trata
das relações de trabalho em uma perspectiva
regional; o quarto dos conflitos e da regulação
do mercado de trabalho agrícola e encerra com a apresentação
da Agenda do Trabalho Decente proposta pela Organização
Internacional do Trabalho para orientar as ações
da sociedade voltadas para a superação de
condições de trabalho que já deveriam
ter sido eliminadas há muito, em particular em sociedades
que já alcançaram níveis elevados de
desenvolvimento das forças produtivas.
(Continua nas páginas 6 e 7)