Macelinha é usada na preparação
de chá com
propriedades digestivas e antiespasmódicas
MANUEL
ALVES FILHO
Estudo
desenvolvido pelo Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas,
Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp
deu origem ao primeiro cultivar brasileiro de macelinha
(Achyrocline satureioides), planta medicinal nativa muito
utilizada no país para a preparação
de chá com propriedades digestivas e antiespasmódicas,
entre outras. De acordo com o coordenador do trabalho, o
agrônomo Ílio Montanari Júnior, o objetivo
foi iniciar o processo de domesticação da
espécie, para que ela pudesse ser cultivada de forma
comercial. "O próximo passo será produzir
sementes para serem distribuídas aos agricultores
interessados", adianta. Atualmente, a macelinha é
extraída da natureza, o que traz problemas de ordem
ambiental.
A pesquisa em torno da macelinha, também conhecida
como marcela, macela e marcela do campo, começou
em 1990. O interesse em estudar a espécie, explica
Ílio, está associado a três fatores:
econômico, social e ecológico. "A macelinha
está ligada a tradições populares ,
principalmente no Sul do Brasil. Além disso, é
usada para preparar chás digestivos e encher travesseiros
e almofadas. Ocorre, porém, que a planta é
objeto de extrativismo, o que acarreta problemas ambientais,
notadamente a diminuição de suas populações.
Ao criarmos condições para que seja cultivada
comercialmente, estamos contribuindo para gerar uma nova
opção agrícola, o que favorece a geração
de emprego e renda no campo, além de reduzir a agressão
à natureza", afirma.
Para dar início ao estudo, Ílio trouxe sementes
de vários pontos do país para formar uma coleção
no CPQBA. A ação seguinte foi promover o melhoramento
e a domesticação da planta. Para isso, o agrônomo
selecionou os melhores indivíduos de cada geração,
ou seja, os que produziam mais flores, não tinham
problemas de germinação e não apresentavam
doenças ou outras características indesejadas.
Estes forneceram sementes que foram plantadas e geraram
novos exemplares. O processo, que teve início no
viveiro e foi posteriormente transferido para o campo, foi
repetido por dez gerações. "Depois de
todo esse tempo, nós conseguimos chegar a uma planta
cultivável, cujas sementes possuem pouca dormência,
que é mais produtiva e que apresenta crescimento
e florescimento mais homogêneos", assegura o
pesquisador.
Superadas essas etapas, prossegue Ílio, ainda será
preciso produzir sementes do cultivar de macelinha para
serem distribuídas aos agricultores interessados
em produzir comercialmente a planta medicinal. Como esse
trabalho não é realizado pelo CPQBA, a unidade
está firmando parceria com a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que deverá
assumir tal tarefa. "O convênio entre as duas
instituições está na fase final de
elaboração", informa o pesquisador. De
acordo com ele, quem decidir plantar a macelinha para posterior
comércio não terá grandes dificuldades
em lidar com a espécie. "Como a planta é
rústica, o manejo não requer muitos cuidados.
Desde que seja cultivada com o espaçamento adequado
e que receba os tratos culturais normais, como capina e
adubação, a macelinha tenderá a se
desenvolver muito bem", prevê.
Ílio
considera, ainda, que o desenvolvimento do cultivar da macelinha
deverá favorecer as pesquisas em torno da produção
de medicamentos fitoterápicos. "Os cientistas
envolvidos nesse tipo de projeto poderão contar,
por exemplo, com a reprodutibilidade da planta, o que não
ocorria anteriormente". O agrônomo informa que
a macelinha faz parte da farmacopeia brasileira, e em breve
deverá fazer parte da lista de plantas medicinais
formulada pelo Programa Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos do Ministério da Saúde.
Os eventuais remédios gerados a partir das espécies
incluídas na relação, que são
do interesse do Sistema Único de Saúde (SUS),
deverão ter o registro facilitado, visto já
haver um vasto conhecimento tradicional relacionado às
propriedades das espécies.
Símbolo
A macelinha foi instituída, em 2002, como a planta
medicinal símbolo do Estado do Rio Grande do Sul,
onde é muito utilizada. Lá, a extração
da natureza é cercada de misticismo e religiosidade.
Os gaúchos acreditam que as funções
terapêuticas da macelinha são potencializadas
caso os indivíduos sejam colhidos durante a Semana
Santa, de preferência ao alvorecer da Sexta-feira
da Paixão. A época de florescimento, entre
os meses de março e abril, coincide com o período
religioso.
Além de servir ao preparo de chás para o
tratamento da má digestão e cólicas,
as flores da macelinha também são muito empregadas
no enchimento de travesseiros e almofadas. O aroma desprendido,
acredita-se, tem uma ação calmante sobre as
pessoas, especialmente crianças. A espécie
ocorre na América Austral, florescendo naturalmente
no Paraguai, Uruguai e Brasil, com maior predominância
na Região Sul, nas faixas que contêm solos
arenosos e basálticos. Também podem ser encontradas
em algumas cidades dos estados de São Paulo e Minas
Gerais.