| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 352 - 19 a 25 de março de 2007
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Agricultores que teriam turismo rural como fonte
complementar de renda vendem propriedades a citadinos

Neo-rurais dominam turismo no campo

A geógrafa Maria Dalva Oliveira Soares, autora da tese: "Mais do que fixar os pequenos agricultores, o turismo provoca seu êxodo" (Fotos: Divulgação/Antoninho Perri)Em tempos de estresse, com tantas pessoas da cidade buscando momentos de sossego no campo, o turismo rural é apontado como boa alternativa de complementação de renda para os agricultores familiares. Esta alternativa, porém, não vem sendo viabilizada na prática, ao menos no Estado de São Paulo. Nos locais mais aprazíveis, o turismo está provocando a valorização das terras e induzindo o agricultor a vendê-las e a mudar-se para a zona urbana, quando não permanece como empregado do novo proprietário.

Atividade vira fonte de renda de citadinos

Chamados de neo-rurais, os citadinos que decidiram morar no campo é que, efetivamente, fazem do turismo uma fonte de renda, transformando as propriedades em pousadas ou exercendo outras atividades de serviços. A constatação está em tese de doutorado da geógrafa Maria Dalva Oliveira Soares, defendida na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, sob orientação das professoras Maria Angela Fagnani e Sonia Maria Bergamasco.

“Como geógrafa, e diante da bem-sucedida experiência nos Estados do Sul, quis saber sobre as mudanças geradas pelo turismo no espaço rural de São Paulo: a sua importância para a complementação de renda dos agricultores, criação de empregos, fixação da população no campo, valorização da cultura etc.”, explica a autora.

No entanto, já no início das pesquisas de campo, em Cunha e Santo Antonio do Pinhal, Dalva Soares percebeu uma realidade totalmente diferente e decidiu mudar o foco. “Mais do que fixar os pequenos agricultores, o turismo provoca seu êxodo. O poder público dessas cidades e as próprias comunidades demoraram a perceber este movimento”, afirma.

Na seqüência, forno noborigama e área de lazer de pousada em Cunha, e “Colhe e Pague” na Festa da Uva, em Louveira: mudança de hábitos e costumes  (Fotos: Divulgação/Antoninho Perri)Professora na rede de ensino por 25 anos, a geógrafa hoje trabalha no Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza e há cerca de quatro anos dedica-se à capacitação de agricultores familiares, daí seu interesse pelo tema da tese de doutorado.

A geógrafa colheu 51 depoimentos, encontrando neo-rurais que atuavam como gerentes de bancos, empresários, professores, jornalistas. Todos fugiram do caos da metrópole, com aposentados que foram atrás de uma velhice saudável. “Falamos de paragens lúdicas, com pouquíssima violência e que oferecem uma paisagem e um clima maravilhosos – faz calor de dia e, à noite, não é preciso ventilador para dormir”.

Dalva Soares optou por uma pesquisa qualitativa, por julgar que ouvindo histórias de vida é possível conseguir muito mais informações que numa tabulação de dados. Ademais, enfrentou obstáculos quando tentou levantar informações como renda dos agricultores e valores e quantidades de propriedades negociadas.

(Fotos: Divulgação/Antoninho Perri)A pesquisa foi realizada em Cunha e Santo Antonio do Pinhal porque esses municípios possuem atividades turísticas no espaço rural e uma presença significativa de agricultores familiares. Uma terceira cidade, Louveira, foi escolhida pelos mesmos critérios, mas também porque ali ainda são os agricultores – e não os neo-rurais – que complementam a renda com o turismo.

Campestre – Na falta de um consenso entre diferentes autores, Dalva Soares define como turismo rural aquele que ocorre em propriedades que se dedicam a atividades agropecuárias, florestais ou agroindustriais, onde a hospedagem é apenas mais uma fonte de renda e onde os hóspedes, além de desfrutar de lazer, recreação e alimentação, podem interagir com as formas de produção. Entram neste rol o agroturismo, o ecoturismo, o turismo de aventura e o turismo cultural.

O que se observa em Cunha e em Santo Antonio do Pinhal é o que a professora define como turismo campestre, oferecido por hotéis-fazenda, resorts, campings, spas, clínicas de repouso e parques temáticos, e que ainda inclui os condomínios rurais e a segunda residência. Isto porque o turismo nestes locais não convive com atividades agropecuárias.

(Fotos: Divulgação/Antoninho Perri)“Na verdade, as pousadas nada têm de rurais. Possuem jardins bem-cuidados, piscina e todo o aparato eletroeletrônico da modernidade. Para os neo-rurais, o conceito de turismo rural é gozar a beleza do campo com o conforto da cidade. Muitos proprietários sequer mantêm contato com a população rural. O que vejo é uma transferência do individualismo da metrópole para o campo”, diz a pesquisadora.

Dalva Soares lembra que Campos do Jordão e seu Festival de Inverno são famosíssimos, mas pouca gente conhecia Santo Antonio do Pinhal antes da abertura da estrada ligando Taubaté àquela região da Mantiqueira. “Os turistas perceberam que é muito mais barato dormir na cidade vizinha. Portanto, tudo começou como turismo-dormitório, e agora o poder público está procurando a vocação do próprio município”.

O número de pousadas em Santo Antonio do Pinhal já é maior na área rural do que na urbana. Segundo a pesquisadora, a decretação da área como de preservação ambiental, com a proibição do cultivo em várzeas e margens de rios, reduziu bastante as atividades agrícolas e de pecuária. A população rural que perseverou dedica-se hoje ao plantio de flores, à horticultura e à piscicultura. “Uma peculiaridade da cidade é que o abandono de terras sob preservação permitiu, pelo menos, a recomposição natural da mata”.

Em Cunha, município na Serra do Mar (cuja descida vai dar em Parati), metade da população ainda vive na zona rural. Existem uma agricultura de subsistência, o gado de leite e o início de atividades de reflorestamento e de culturas novas, como a de shitake. As cerâmicas no entorno da área urbana, porém, é que fomentaram o turismo. “Os fornos ficam encostados no morro e nunca se sabe qual será o resultado da queimada dentro deles. Uma peça nunca sai igual à outra. São obras de arte, belas e caras”, observa Dalva Soares.

Se a qualidade do barro atraiu uma artista japonesa até Cunha, um empresário de São Paulo, cansado de sofrer assaltos, montou uma pousada onde agora se dedica ao que lhe dá mais prazer, cozinhando inclusive pratos internacionais. “Para receber os turistas que vêm atrás da cerâmica, foram surgindo pousadas no espaço rural”, informa a geógrafa.

Louveira – Dalva Soares encontrou em Louveira, região de Jundiaí, o que buscava para a primeira hipótese da tese de doutorado: o turismo funcionando como complementação de renda para pequenos agricultores. “A produção de frutas como uva, caqui e ameixa ainda é importante para a cidade, tanto que a prefeitura criou um programa de agroturismo para manter as famílias no campo. Teme-se o êxodo por causa da valorização das terras, que já está acontecendo, como na vizinha Vinhedo, cuja área rural foi praticamente tomada por condomínios”.

Louveira organiza anualmente a Festa da Uva, já tradicional, e oferece aos visitantes uma van que percorre as propriedades rurais, onde o agricultor oferece produtos como geléias, doces e vinhos. “Há também um colhe-pague, em que o agroturista recebe chapéu, tesoura e cesto para escolher a uva no pé”, acrescenta a pesquisadora.

Ainda assim, tais atividades não podem ser consideradas como turísticas, conforme definição da Organização Mundial de Turismo. “É preciso haver pelo menos um pernoite do turista”, ressalva Dalva Soares. Este porém pode ser superado por meio de uma iniciativa pioneira de Louveira, que reuniu as cidades ao redor para pressionar o governo estadual a oficializar o Circuito das Frutas. Na carta de intenções é sugerida a construção de locais para o agroturista pousar.

Preferência – A impressão da geógrafa é de que hoje em dia os turistas dão preferência a pousadas, por causa do contato mais direto com o dono e do ambiente mais familiar e aconchegante, diferente de um resort ou hotel-fazenda. “Também não é preciso muito dinheiro para começar. Com o fundo de garantia ou uma indenização trabalhista, o neo-rural constrói um ou dois chalés, e vai aumentando a pousada com as diárias”.

Dalva Soares constatou, por outro lado, que é sonho comum entre os agricultores, cansados da lida diária e das intempéries do clima e da vida, comprar um sobrado na cidade, morando na parte de cima e sobrevivendo com o aluguel do salão comercial embaixo. Ao passo que os neo-rurais, para fazer o marketing de suas pousadas, recorrem a mensagens evocando um sonho comum entre os citadinos, do tipo “a natureza e você de bem com a vida”.

Um dedo de prosa

Santo Antonio do Pinhal começou a desenvolver o turismo há cerca de 20 anos, só que apesar da qualidade do clima, da vegetação, o turismo aqui se dá mais nos meses de junho/julho, que é quando acontece o Festival de Inverno de Campos de Jordão. Desta maneira, Santo Antonio sempre sobreviveu turisticamente com o que sobrava de Campos de Jordão. (L. P., Santo Antonio do Pinhal, 2005).

O agroturismo foi ótimo. As vans chegam e os turistas colhem e pagam. O pessoal que vem gosta de conversar e é muito educado, pergunta se pode mexer. Existe um ou outro probleminha, mas não estragam nada, nos últimos três anos não tivemos problemas. Chega a van e quem colhe um cacho colhe uma caixa, sempre quer levar para as pessoas da família, quem entrou para colher não pára mais (E.V., Louveira, 2004).

Eu morava em São Paulo, sempre em São Paulo, fui nascido e criado lá. Vivi aquele clima horrível, que todos nós estamos sofrendo, aquela situação de insegurança. Eu tinha indústria lá, loja, fui assaltado várias vezes. Tinha que tomar uma atitude, ou eu ampliava meu negócio, ia para um shopping, ou eu tomava uma outra decisão. (P.H., Cunha, 2005).

Era um sonho meu, sempre mexi com culinária e eu queria aplicar esse hobby depois dos 60 anos, na minha aposentadoria, para não ficar sem trabalhar. Os meus filhos gostam muito mais do campo do que do mar, então passeando, procurando, eu encontrei Cunha. Enamorei-me por ela, aqui deu certo. Comprei esta propriedade aqui, montei essa pousada, quem cuida daqui sou eu mesmo. (P.H., Cunha, 2005).

Esta pousada atrai gente parecida com a gente, pois ela tem a cara da gente, e é muito agradável você ter todo final de semana pessoas interessantes para conversar. Por outro lado, como empreendimento, segundo o olhar de um economista, é um desastre. Concordo, mas não fiz um negócio, fiz um plano de vida. (A.P.M., Cunha, 2005).

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